Luigi
Pirandello (1867-1936) deixou seis romances, 250 contos e trinta peças teatrais. Foi
recentemente publicado em Portugal, pela Relógio D’Água, uma selecção de 28
contos. Pirandello, como era seu apanágio, temperou os contos com grandes doses
de humor e cepticismo – nunca teve ilusões sobre o Homem.
«Os Afortunados»
é um dos meus contos preferidos desta selecção. Um jovem, estudioso e formoso
padre, a preparar o seu doutoramento em Roma, volta à sua Terra Natal para o
enterro do pai, um usurário. Arturo Filomarino dedicou-se aos estudos e ao
sacerdócio como forma de redenção dos graves pecados de usura de seu pai. No
velório, encontra as suas quatro feias e antipáticas irmãs, já preocupadas com
as partilhas. A sala está repleta de vítimas do pai; estas, no fim, vão em fila
suplicar a D. Arturo que interceda por elas nas partilhas, argumentando que os
juros que lhes haviam sido cobrados pelo pai as estão a deixar na miséria.
Arturo fica atormentado. Só tem direito a um quinto do testamento e, por isso,
não pode atender a todos os pedidos. Que fazer? Arturo viveu sempre para os
estudos, completamente alheio de todas as coisas do mundo. Para mais, sempre
quis obedecer aos seus superiores em tudo. Vai pedir instruções a Monsenhor Landolina,
que dirige militarmente um colégio de órfãos. Conta-lhe a história e leva as
letras herdadas, que Monsenhor, enojado, pede para não lhes tocar com as mãos e as pôr no chão. Quando Arturo confessa que estava a pensar em devolvê-las às desgraçadas
vítimas do pai, Monsenhor contrapõe imediatamente: «Quem te diz que são
desgraçados? (…) Desgraçados? Gente viciosa, homem, gente viciosa.» e manda
Arturo pegar nas letras e entregar-lhas para assim servir os seus
«pobrezinhos». E Monsenhor, implacavelmente, cobrou tudo até ao último cêntimo,
à taxa mínima de 24%. Afinal de contas, «o dinheiro dos pobres é sagrado» e se
os desgraçados choravam desalmadamente, exclamava: «Não importa! A dor é que
vos salva, meus filhos.»
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