Ao escrever aos meus três amigos que moraram comigo durante o doutoramento – um inglês, um escocês e um espanhol – partilhei com eles um pensamento terrível : será que seremos lembrados como a primeira e última geração verdadeiramente Europeia?
Esta ideia deixa-me profundamente triste. Talvez poucos portugueses se sintam tão Europeus quanto eu. Durante a minha licenciatura, fiz parte do boom do programa Erasmus (criado pela UE), através do qual estudei 6 meses emVilnius (Lituânia).
Em 2010, iniciei o meu doutoramento no Instituto Europeu Universitário em Florença – instituto o criado pela União Europeia. A minha pseudo-banda era constituída por um português, um italiano, uma finlandesa, um búlgaro e um holandês. Entre os meus amigos mais próximos encontravam-se alemães, espanhóis, suecos, polacos ou gregos.
Após o meu doutoramento, passei os meus dois primeiros anos como economista na Organização Internacional do Trabalho a analisar a reação dos governos da UE à crise no mercado de trabalho, num projecto financiado pela Comissão Europeia.
Dado o meu percurso será natural que me sinta profundamente Europeu. E hoje sinto-me, consequentemente, profundamente triste. Triste por ver um projecto fantástico perder o rumo. E assustado pela confirmação de que, caso mudanças não sejam feitas, os falhanços da UE em anos recentes em assuntos vitais como a crise financeira ou a crise de refugiados poderão eventualmente levar à sua implosão.
Não se enganem. O Francisco Louçã não tem razão quando disse que “A União Europeia é um projecto falhado". Pelo menos se considerarmos que o primeiro e primordial objectivo da UE era (e é) a manuntenção da paz.
Mas a verdade é que o projecto Europeu tem vindo a falhar. Falhou redondamente na resposta à crise de 2007/08 e tem falhado tragicamente no que toca à crise de refugiados dos últimos anos. E quando assim acontece, a distância entre um projecto falhado e um projecto que tem vindo a falhar pode tornar-se perigosamente curta.
De modo algo paralelo ao que aconteceu com a crise, de novo o worst case scenario foi por muitos considerado de probabilidade zero. E de novo se confirmou que estavam completamente enganados. O Reino Unido está de saída da União Europeia. A Escócia estará perto de um novo referendo sobre a independência (que manteria o país na UE) e a Irlanda do Norte vai realizar um referendo para sair do Reino Unido e se unificar com a Irlanda (mantendo-se também na UE). Da França à Dinamarca, passando pela Holanda e pela Itália, políticos oportunistas pedem um referendo sobre a saída da UE.
Este não é o fim da UE. Mas poderá ser o principio do fim. A menos que os líderes Europeus - e os povos que os elegem – tenham a coragem e a sensatez de encarar esta ameaça ao projecto europeu como uma oportunidade única para finalmente corrigir os problemas com que a UE se tem debatido, particularmente na última década, quer ao nível do seu funcionamento quer ao nível das suas tomadas de decisão.
Neste dia em que se celebra o nascimento de S. João cabe aos Europeus, juntos, acreditar que este dia pode também marcar o nascimento de uma nova e melhor União.
Caro André Gama:
ResponderEliminarO Brexit, na minha opinião, teve duas vantagens:
1.ª - relativamente pouco arriscada: a punição (e consequente) demissão de Cameron, justíssima, por ter cedido ao populismo como forma de se manter no poder;
2.ª - bastante arriscada: a clarificação de uma vez por todas da posição dúbia do RU, sempre com um pé dentro e outro fora, a chantagear permanentemente a UE.
Saiba a UE adoptar a linha correcta, respeitando, o mais possível, as identidades das nações que a compõem e potenciando o lado positivo da união num mundo cada vez mais global, no qual, cada um dos estados que a compõem, até mesmo os grandes, serão demasiado pequenos para não serem esmagados.
O TTIP é a luz vermelha a piscar para os que não forem daltónicos.
A minha 2.ª ideia é coincidente com muito do que diz no seu post.
E hoje aumentou também a probabilidade de termos outra crise financeira: o capital está sair da UE em força e a vir para os EUA.
ResponderEliminarQue podem ter o Trump como presidente anets do final do ano. Os deuses devem estar loucos.
ResponderEliminarVeremos... “Men and nations behave wisely when they have exhausted all other resources.” Abba Eban, 1967
EliminarA demissão do Cameron serve de pouco se o que lhe tomar o lugar for igual ou pior, o que pode perfeitamente acontecer.
ResponderEliminarQuanto ao segundo ponto a saída do RU não clarifica posição nenhuma, simplesmente remove-os da União.
Mesmo assumindo que a cultura do opt-out que o RU tanto gostava seja diminuida, não me parece que nenhuma das vantagens seja significativa para deixar de considerar o que aconteceu uma grande perda/derrota para a UE (e para o Reino Unido, que a este ritmo vai deixar de o ser (unido) não tarda nada).
O problema é que o lado optimista da questão - que pelo que percebi ambos partilhamos até certo ponto - vai contra o passado recente da UE. Ou seja é bem possível que seja mais ingenuidade que optimismo. O futuro o dirá.
Calma, os países não saiem do lugar. Mesmo que a União Europeia acabe, não têm de acabar os seus projectos bem sucedidos, como o Mercado Comum, o Erasmus, a paz entre países, a mobilidade social, ... Tudo isso pode funcionar, na mesma, sem uma elite burocrática sovietizante em Bruxelas e Francfurt. Esta chacoalhada tinha que acontecer. Quanto mais tarde, pior.
ResponderEliminarVou debruçar-me sobre o tema da Escócia e da Irlanda do Norte.
ResponderEliminar«A Escócia estará perto de um novo referendo sobre a independência (que manteria o país na UE) »:
1º Nas eleições do mês passado, o SNP perdeu a maioria no parlamento de Edinburgo. Afigura-se bastante difícil que consiga promover outro referendo, nessas circunstâncias (e ele tem sempre , também, de ser aprovado em Westminster);
2º As mais recentes sondagens, mesmo com o pressuposto de uma vitória do Brexit, continuam a dar vantagem ao "Não" à independênca;
3º Se escolhesse sair do Reino Unido, a Escócia não permaneceria na UE automaticamente. Teria de se candidatar à admissão, a qual pode ser vetada por qualquer estado-membro. Dificilmente a Espanha aprovaria a entrada escocesa, pois isso seria um precedente para eventual pedido semelhante da Catalunha (por isso a Espanha se opôs ao referendo no Montenegro e à independência do Kosovo).
"(...) a Irlanda do Norte vai realizar um referendo para sair do Reino Unido e se unificar com a Irland. "
Calma aí!;-) Essa hipótese - e não passa disso mesmo - foi aventada pelo Vice-Chefe do executivo de Belfast, Martin McGuiness, do Sinn Féin. Estamos muito longe de o governo britânico concordar com tal coisa e , mais uma vez, nenhuma sondagem dá qualquer vantagem a uma junção da Irlanda do Norte com a República da Irlanda, antes pelo contrário. Ainda estará para chegar o dia em que os protestantes do Ulster engulam o facto de serem governados por Dublin, ainda para mais por causa da União Europeia.
Acho que deixei claro que essas são possibilidades, não eventos necessariamente prováveis. Mas penso que são neste momento mais prováveis que a saída do Reino Unido da UE era por alturas do Natal...
ResponderEliminarNão, você afirmou taxativamente que "a Irlanda do Norte vai realizar um referendo" e que uma Escócia independente permaneceria na UE.
EliminarDa Escócia não faço previsões, mas quanto à Irlanda do Norte, o apego dos protestantes do Ulster (até conhecidos por unionistas)ao Reino Unido é mais forte que o apego que têm pela UE. E os unionistas são a maioria do eleitorado na Irlanda do Norte. Além disso, ninguém ouviu o governo de Dublin a encorajar tal referendo, nem a reunificação da Irlanda, da qual oficialmente desistiu no Acordo de Sexta Feira Santa, de 1998.