Trump discursa no Congresso

Donald Trump vai ao Congresso discursar daqui a algumas horas. Nas notícias, muitas pessoas do mundo de investimentos falam que este discurso tem de ser muito específico em termos de que política o Presidente irá seguir e quando. Dizem que o mercado não aguenta viver de promessas para sempre e que, a certa altura, têm de haver detalhes para continuar a alimentar a confiança. Veremos o que sairá do discurso, mas não julgo que Trump seja um homem que se interesse por detalhes. Quer dizer, ele interessou-se em mudar as cortinas da Sala Oval de carmim para dourado...


Um atirador à solta

Uma vizinhança de Houston está bloqueada porque há um atirador à solta. Houve dois polícias que foram atingidos por volta das 12:30 locais e, segundo o que disseram na rádio quando interromperam a emissão, o tiroteio começou numa residência. Telefonei à J. a ver se ela já tinha ouvido as notícias e, quando lhe expliquei onde era -- perto da intersecção de Guessner e W. Bellfort --, ela disse-me que era uma vizinhança muito complicada e violenta.

Ainda no outro dia pensei que não sabia muito bem as áreas que devia evitar aqui na cidade; no entanto, aqui em Houston, até gajos com Porsche Boxster andam aos tiros no meio da rua, logo não é só nas vizinhanças pobres que há problemas. Os tipos de dinheiro também são avariados...

Ajustes

"O problema com as pessoas com offshores é que elas agem dentro do que permite a lei pagando menos impostos enquanto os tótós que não podem fugir pagam o couro e o cabelo para sustentar um Estado gordo que nem faz o seu trabalho de escrutínio numa coisa tão simples como a publicação da lista. Estou convencido que somos capazes de estar perante uma nova lista vip num orgão de bem chamado Estado."

~ Bartolomeu num comentário anterior

Tenho muita dificuldade com este argumento. As off shores são controladas fora de Portugal, ou seja, o governo português não controla as condições que outros países dão ao capital que entra nesses países, logo é uma variável exógena a Portugal. O que é se pode ser controlado por Portugal? Portugal pode decidir a forma como organiza a economia, a despesa pública, os incentivos que dá em termos de impostos, o funcionamento dos tribunais, o enquadramento legal da actividade económica, a previsibilidade que dá aos agentes económicos (um país que está sempre a mudar de impostos e leis, por exemplo, não dá previsibilidade nenhuma porque tudo muda ao sabor de quem entra no governo), etc. Isto são variáveis endógenas controladas pelos governos e parlamentos que os portugueses elegem.

Há algumas em que se teria de negociar com a União Europeia, mas se Portugal decidisse apresentar um plano razoável, é natural que tivesse algum poder de negociação. Portugal poderia ainda decidir dar condições mais competitivas com as off shores, se bem que teria pouco poder de negociação com a União Europeia para instituir uma economia desse tipo, mas teria algum se o plano fosse minimamente aceitável; afinal, a Irlanda é uma off shore, o Luxemburgo, etc.

O dinheiro que sai para off shores depois de pagar impostos em Portugal não deve nada a Portugal; é dinheiro de quem o ganhou e quem o ganha decide o que fazer com ele. Se sai muito dinheiro para off shores é porque os donos desse dinheiro não têm confiança no país ou não vêem como o investir em Portugal de forma a obter um retorno desejado. Se o dinheiro que vai para off shores se aproveita de benefícios fiscais generosos e consegue escapar sem pagar impostos, isso é uma consequência da fiscalidade do país que resulta da legislação do parlamento e do governo. Foram os portugueses que escolheram a Assembleia da República e desta saem os governantes. Se os portugueses estão insatisfeitos têm várias opções: saem para a rua e protestam, organizam-se em partidos políticos novos e concorrem a eleições, votam em partidos diferentes, etc.

Há algum partido político que ofereça grandes reformas do país de forma a o país ficar auto-sustentável, atrair poupanças, e ter menos dependência do exterior? Não há. Todos os governos eleitos fazem manutenção do sistema que existe e que sabemos não ser sustentável no longo prazo. Já tivemos quantas intervenções do FMI? Mas em vez de se exigir mudar as coisas que podemos controlar, andamos a queixar-nos das off shores que não controlamos, da União Europeia que é uma mázinha, etc.

É muito fácil olhar para os outros e achar que eles são responsáveis pelos nossos problemas, mas isso só funciona durante um tempo limitado. O mundo não tem de se ajustar a Portugal porque Portugal é um país pequeno; é Portugal e são os portugueses que têm de se ajustar ao mundo.

Marcella and Her Lovers

No início de Maio, celebra-se o festival de música em Memphis, o Beale Street Music Festival, que faz parte das celebrações de Memphis in May. Este ano, o Memphis in May honra a Colômbia. Uma das bandas que vai actuar é Marcella and Her Lovers, que faz música alternativa e ainda não é muito conhecida, mas tem um nome espectacular, não tem? Gosto muito do tema "Put that Bronze", mas não encontro um vídeo no YouTube só com ele. Encontrei, no entanto, um especial com a banda onde podem conhecer o seu trabalho. Esta Marcella tem uma voz...

P.S. Vale a pena ir a Memphis em Maio por causa de todas as actividades culturais, mas a minha altura preferida para visitar é Abril, quando os cornizos -- uma espécie de abrunheiros -- estão em flor. As azáleas também florescem nesta altura, apesar de não ser uma arbusto que eu aprecie muito por ser tóxico; o mel produzido do pólen da azálea pode causar mal-estar em quem o consome.


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Então e a corrupção?

Quando é que o PS tem pronto um enquadramento legal para a corrupção e uma reforma da justiça que condene prevaricadores? É para ser anunciando a 30 de Fevereiro?

É o Kansas, pois!

A coisa que mais estranhei este fim-de-semana foram as notícias. Em Nova Orleães, na Louisiana, um rapaz de 25 anos, um tal de Neilson Rizzuto, embriagou-se e espatifou uma carrinha contra uma multidão durante um desfile de Mardi Gras. Cerca de 32 pessoas foram atropeladas, 23 das quais necessitaram de cuidados médicos, sendo a mais nova uma criança com três anos. Pouco ou nada se tem falado sobre o moço e sobre a sua etnia. As notícias do caso estão enterradas por outras nos jornais porque toda a gente acha que os Óscares são mais importantes.

Se fosse um tipo escurinho, cairia o Carmo e a Trindade, como de costume. Ah, este fulaninho branco não é terrorista, apenas bêbado, mas notem que não é alcoólico. Daqui a nada, até é bom rapaz, já disse a avó... Para quem foi atropelado, deve fazer uma diferença enorme, estilo "Ah, que bom! Se tivesse sido atropelado por um muçulmano, que provavelmente estaria sóbrio, doer-me-ia mais o corpo!!! Ainda bem que o gajo era branco -- bêbado, mas branco."

No Kansas, outro fulaninho branco decidiu armar-se em defensor da América e desatou aos tiros num bar porque estavam lá dois indianos que ele achou serem pessoas do Médio Oriente, em particular do Irão. Matou um dos indianos, feriu o outro rapaz cuja esposa está grávida. Por sorte, um rapaz branco de 24 anos estava no bar e intercedeu, neutralizando o atirador e evitando mais mortes, mas pelo caminho apanhou um tiro que lhe passou pela mão e atingiu o peito.

A esposa do senhor que morreu, um engenheiro -- imigrante legal -- que trabalha para a Garmin, uma empresa que faz aparelhos de GPS, está à espera de o governo americano criticar este crime de ódio. Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, acha que não tem nada a ver, diz que é lamentável que tenha morrido uma pessoa, mas é absurdo sugerir que o discurso de ódio do Presidente Trump tenha contribuído para este acto.

A ironia é que os indianos, que andavam tão entusiasmados com a eleição de Donald Trump por causa das oportunidades de negócio, agora reconsideram.
Já repararam que, se forem ao Kansas em viagem de negócios, é natural que por lá fiquem. Hollywood enganou-se n'O Feiticeiro de Oz: "Toto, I've a feeling we're not in Kansas anymore."

Continuem, sff...

As primeiras discrepâncias foram identificadas no ano passado perante indícios de que um conjunto de transferências efectuadas em 2014 através de uma instituição financeira “não tinham sido devidamente tratadas pela AT”, como o Ministério das Finanças já confirmou.

Quando, mais tarde, o assunto foi remetido à IGF, o gabinete do actual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, pediu uma auditoria ao sistema de processamento da AT das declarações e “à sua articulação com a componente analítica da inspecção tributária desde 2011”. Os desvios encontrados – e que levaram à revisão das estatísticas – dizem respeito a quatro anos: 2011, 2012, 2013 e 2014 (ano das transferências).

Fonte: Público

O Rocha Andrade devia ter inteligência suficiente para não dar nas vistas quando quer entalar o PSD/CDS. Porque é que a investigação terminou em 2014? O pedido de investigação foi feito em 30/12/2016, logo 2015 e 2016 também seriam de interesse. E que provas temos de que 2010 não era problemático?

Gostaria que alguém me explicasse por miúdos porque é que o país é governado de forma a entalar governos anteriores da oposição e não de forma a construir um país melhor. Quando está lá o PSD, entala o PS; quando está o PS, entala o PSD, e não passamos das idiotices do costume. Mas a culpa também é dos eleitores que põem os interesses do partido à frente dos interesses do país.

Agora o PSD acha relevante que se publique as transferências off-shore, independentemente do governo que está no poder. É das ideias mais idiotas que tiveram. Em primeiro, é uma admissão que são idiotas. Porque é que não passaram legislação nesse sentido quando estiveram no governo -- não tinham maioria absoluta, ó génios?

Em segundo, a publicação desta informação é uma violação da privacidade dos indivíduos, um direito constitucional, e é basicamente uma prova de que o país não funciona e o estado não é uma pessoa de bem. Se estas pessoas que transferiram dinheiro fizeram alguma coisa de mal, a AT devia recolher provas para as levar a tribunal e a Justiça devia lidar com elas. Agora publicar informação de pessoas que agem dentro do que permite a lei porque há algumas que fogem à lei é uma violação da presunção de inocência de todos. Leiam a Constituição, se fazem favor.

Não me venham com ideias parvas de que transferir dinheiro para off-shores é imoral. O que as pessoas fazem com o dinheiro que ganham legalmente é uma decisão dessas pessoas e não está sujeita a escrutínio público. Por exemplo, eu ganho dinheiro nos EUA e transfiro parte dele para Portugal. Alguém tem alguma coisa a ver com isso?

Portugal é uma parvónia! Mas dá jeito serem mal governados porque o país é barato e dá para nos reformarmos em estilo. Continuem com as idiotices, que me dá jeito...

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Ó pá, a sério?

Parece que o dinheiro corrupto foge de Portugal quando Pedro Passos Coelho está no governo, mas vive confortavelmente em Portugal quando António Costa é Primeiro Ministro. Bem me parecia que António Costa não era de confiança; agora tenho a certeza...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Destruição criativa

Stephen Mihn, numa op-edu da Bloomberg, apresenta uma breve história do sistema de saúde americano e de como foi o resultado de uma série de acidentes. Não foi planeado e tem sobrevivido décadas, mas dados os custos crescentes está a entrar em declínio. Diz Mihn que, a meio da década de 60, quase 80% das pessoas tinham alguma forma de seguro de saúde; hoje em dia, o nível de cobertura através do emprego apenas contempla pouco mais de metade da população.

Quando o Affordable Care Act, vulgo Obamacare, foi introduzido, os críticos especulavam que o número de aderentes seria baixo, mas acabou por exceder as expectativas. O número de pessoas afectadas não inclui apenas os que compram seguro através de Obamacare, mas também, por exemplo, aqueles que estavam excluídos do mercado de seguro de saúde pelas seguradoras e que, após o Obamacare, deixaram de poder ser discriminados. O Obamacare também permite que jovens até 26 anos de idade possam fazer parte do plano de saúde dos pais.

Dan Gaba, um especialista em seguros de saúde, construiu uma folha de cálculo no Google onde estima o número de pessoas que perderão seguro de saúde se o Obamacare for repelido; neste momento, a estimativa dele é de 23,902,871, ou seja, cerca de 7,4% da população americana. (A folha de cálculo discrimina o número de afectados por representante do Congresso.)

Uma das medidas que Paul Ryan quer introduzir é limitar os benefícios fiscais das pessoas que obtêm seguro de saúde através de emprego. Neste momento, o prémio do seguro de saúde via emprego stá 100% isento de impostos tanto para a porção que cabe ao empregado, como ao patrão. Note-se que o prémio do seguro de saúde para quem compra via Obamacare não é 100% isento de impostos; mas dependendo do rendimento da pessoa, pode ser parcialmente deduzido do rendimento tributável. Quem tem baixo rendimento, pode ainda receber subsídios para comprar um plano de saúde via Obamacare. Muitos patrões também oferecem aos empregados Flexible Spending Accounts, onde se pode alocar uma porção do rendimento pré-imposto para despesas de saúde.

Paul Ryan também quer modificar o Medicare, o plano de saúde dos reformados, de forma a que se torne mais como um mercado de planos de saúde (que é o que é o Obamacare). Muitos reformados estão apreensivos acerca de modificações e já se exprimiram no Twitter.

Ou seja, o plano do GOP para repelir o Obamacare e modificar o actual sistema de saúde americano irá tirar benefícios e acesso a muita gente. Stephen Mihn acha que será tão destrutivo, que não seria surpreendente que os EUA acabassem por criar um sistema de saúde universal.

Hã?!?

Depois de contar que tenho problemas de audição, duas das minhas amigas disseram-me que também tinham. Tenho a impressão que não ter uma audição perfeita é capaz de ser muito mais comum do que as pessoas pensam. Como já aqui disse, de vez em quando é chato porque os amigos e família acham que somos uns grandes chatos quando dizemos que não compreendemos o que foi dito e precisamos de clarificação. Ver TV e cinema também não é uma experiência 100% conseguida se nos escapa algum diálogo.

Mas, nem tudo é mau: pelo menos para mim, não ouvir bem também é uma grande conveniência. Estar num sítio e não conseguir distinguir certos registos de som permite-me divagar mais facilmente. Num dos voos de regresso da minha viagem de Washington, D.C., incomodou-me o barulho do motor do avião e pensei que chato seria ter de ouvir aquilo melhor, se fizesse a tal operação e fosse um sucesso. Encostei a minha cabeça à mão esquerda e tapei o ouvido mais competente. O som do motor ficou mais manso e eu mergulhei no meu mundo. Talvez tenha sido nessa altura que decidi que não fazia sentido esta operação.

FLouçã no Banco de Portugal

Confesso que não sei muito bem para que serve o Conselho Consultivo do Banco de Portugal. Mas, gostem ou não dele, Francisco Louçã é professor catedrático de economia e é dos melhores economistas (estou a falar dos académicos) portugueses. Achar, como vi pelas redes sociais, que ele não serve para para o Conselho Consultivo, seja lá sobre o que for que o consultem, é apenas e só preconceito ideológico.

Declaração de interesses
Foi meu orientador de teses de mestrado e foi o arguente principal das minhas provas de agregação. Uma arguição feroz que deixou a minha família na assistência com as mãos suadas.

Do mundo português

Um dos vários mistérios para os quais não tenho solução é o de ter sempre falhado em convencer estrangeiros da genialidade do Zeca Afonso. Tentei várias abordagens. Às vezes falei do contexto, do país periférico, final, moribundo, do minho a timor, onde se achava que os foguetões dos americanos no céu iam irritar Deus; o país europeu onde se morria à fome; expliquei que ele ia aprender música às aldeias desse mesmo país que nunca abandonou, e compunha coisas desta genialidade redentora; mas outras vezes só pedi que ouvissem. Nunca resultou. 

Continuarei assim a achar que ele é um génio do mundo, que só pode ser entendido em Portugal.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Um terrorista, sff!

Da CNN (ênfase meu):

"One of the ways the White House hopes to make its case is by using a more expansive definition of terrorist activity than has been used by other government agencies in the past. The senior White House official said he expects the report about the threat from individuals the seven countries to include not just those terrorist attacks that have been carried out causing loss of innocent American life, but also those that have resulted in injuries, as well as investigations into and convictions for the crimes of a host of terrorism-related actions, including attempting to join or provide support for a terrorist organization."

Ou seja, se não há terrorismo dada a definição actual de terrorismo, muda-se a definição até haver terrorismo.

"First, some intelligence officials disagree with the conclusion that immigration from these countries should be temporarily banned in the name of making the US safer. CNN has learned that the Department of Homeland Security's in-house intelligence agency, the Office of Intelligence and Analysis -- called I&A within the department -- offered a report that is at odds with the Trump administration's view that blocking immigration from these seven countries strategically makes sense.

It's not clear if this was the conclusion of the I&A report but many DHS officials have said they do not think nationality is the best indicator of potential terrorist inclinations."

Bom, bom, seria a nova definição dizer que quem é nacional daqueles sete países é, por definição, terrorista. Problema resolvido!

Antonomásia

No Público:

"PIB da maior economia ibérica cresceu em 2016 mais do que era antecipado por toda a gente, incluindo o Governo."

Porque dizer "PIB de Espanha" dá muito trabalho, "PIB espanhol" ainda é pior, e ele há tantas economias ibéricas, que ninguém sabe os seus tamanhos relativos assim de cor e salteado, logo o uso da antonomásia é mais do que justificado. E viva a perífrase, caramba!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Momentos WTF à la Texas

Hoje de manhã, a caminho do trabalho, estava a ouvir as notícias do Texas quando me caiu o queixo. Falava-se a propósito das despesas de saúde, especificamente das despesas que se tem quando se vai a um hospital que pertence à rede da nossa seguradora, mas o médico que nos vê não pertence à rede, apesar de estar num hospital que pertence. Por exemplo, imagine-se um paciente que vai às urgências do hospital onde deve ir, de acordo com a seguradora, mas é visto por um médico que não tem um contrato com a seguradora. Como o paciente não sabe se o médico pertence à rede ou não, deixa-se ser visto, mas depois quando recebe a conta apanha uma grande surpresa porque é exorbitante. Este problema acontece por todos os EUA, mas é particularmente comum no Texas e até há recomendações do governo estatal. Antes de irmos ao médico temos de investigar o hospital, médico, e outro pessoal. Imagine-se alguém ter um acidente de carro, ficar inconsciente, e antes de poder ser visto ter de ter estes cuidados. Esta gente é completamente pirada, mas adiante.

Sorte, informação, e retorno

Uma das discussões que tenho acompanhado ultimamente é a questão do retorno de investimentos por via de fundos activos (em que há um gestor que activamente procura melhorar o retorno) vs. fundos passivos (fundos que são construídos para serem representativos do mercado ou de uma porção do mercado e que não estão sujeitos a gestão activa). Os investidores activos compram e vendem no mercado de forma a explorarem falhas de mercado -- muitas vezes, a falha que exploram é assimetria de informação -- e acabam por ter um papel importante em dar informação ao mercado e em ajudar os preços a reflectir essa informação, pois os preços são o mecanismo condutor de informação no mercado. Os fundos passivos são free-riders dos fundos activos, pois apenas imitam o mercado, e os preços actuais de mercado reflectem a informação que os fundos activos dão ao mercado: ou seja, têm o proveito sem ter de gastar dinheiro a descobrir informação e a arriscar com base no que descobrem.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Um profeta

Em 1831, numa missão do ministério da justiça francês, o magistrado Alexis de Tocqueville e o seu amigo Gustave de Beaumont permaneceram nos EUA cerca de nove meses com o objectivo de estudar o sistema prisional americano. No início de janeiro de 1832 regressaram a França. Dois anos depois, em 1834, Tocqueville, com 29 anos, publicou a primeira parte Da democracia na América. O livro tornou-se um best-seller e o autor famoso em França e no estrangeiro – principalmente na Inglaterra, uma espécie de segunda pátria do escritor. Durante anos, Tocqueville foi membro do parlamento da monarquia orleanista e Secretário de Assuntos Estrangeiros, por um curto período, na Segunda República. Em 15 de Dezembro de 1850, numa carta ao seu amigo Loius de Kergorlay, enviada de Sorrente, confessa que “valho mais no pensamento que na acção”. Se alguma coisa permanecer de si neste mundo será mais o “rasto do que escrevi do que a lembrança do que fiz”. Via os anos dedicados à política activa como estéreis, sob muitos ângulos. Ao mesmo tempo, sentia-se mais maduro e experiente, iluminado por “luzes mais verídicas sobre as coisas humanas e uma noção mais prática dos detalhes”. Agora, aos 45 anos, no declive da vida, Tocqueville queria escrever outra obra. Mas qual o assunto a escolher? Era essa a sua dúvida na altura. Tinha de escolher algo que o animasse e fizesse sair de si tudo aquilo que pudesse dar.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Sinais dos tempos

Ontem estive numa reunião de directores de centros de investigação, presidentes e vice-presidentes com uma secretária de estado. Não contei a divisão entro homens e mulheres mas aquilo estava e equilibradíssimo. A haver maioria era de mulheres.
Houve três pessoas que tiveram de sair antes da reunião acabar. Todos homens. Não sei os motivos dos outros 2 que saíram antes de mim, mas eu tive de sair às 19h porque tinha de tomar conta das minhas filhas, porque a minha mulher não estava em casa.

Século XXI no mundo ocidental

Escrito por um dirigente do partido republicano dos EUA e publicado ontem, ou seja em 2017. Ou seja, no século XXI num país ocidental.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Desobedecer


Na véspera de Donald Trump instituir o controle de imigração a que alguns chamam de "Muslim Ban", fui ao Museu do Holocausto, em Houston, assistir à exibição do filme "Désobéir -- Aristides de Sousa Mendes", que os americanos traduziram como "Disobedience". Tratava-se de um programa patrocinado pelo Museu do Holocausto e pelo American Jewish Committee.

A assistir ao filme estavam presentes duas pessoas da família de Aristides de Sousa Mendes: eram ambos netos, Louis-Philippe Mendes, que conta 56 anos de idade e apresentou o filme, vive no Canadá e o outro mais jovem, vive mesmo em Houston; foi a primeira vez que se encontraram. Também lá estava um outro rapaz descendente de judeus que tinham recebido vistos. Lembrei-me, mais uma vez, de que todos nós somos frutos do acaso: os nossos antepassados tiveram de sobreviver a muitos eventos para nós existirmos e o mesmo acontecerá com os nossos descendentes.

Nessa famigerada Sexta-feira, em que se celebrava o "International Holocaust Remembrance Day", Aristides de Sousa Mendes foi homenageado em Houston, mas não tive oportunidade de comparecer -- o Consul Honorário de Portugal também não compareceu, aliás, Portugal não teve presença oficial na cerimónia.

Tinham passados seis dias desde a tomada de posse de Donald Trump e ver aquele filme naquela altura foi uma experiência muito emotiva para mim. Senti orgulho de um português ter salvo tanta gente -- estima-se que tenha emitido cerca de 30.000 vistos, não se sabendo ao certo quantas pessoas foram salvas --, mas vergonha de ter sido apenas um consulado português. Deviam ter sido muitos mais porque é essa a génese de Portugal e de ser português: Portugal é um país que existe porque um tal de Afonso Henriques se lembrou de desobedecer ao Papa.

No final do filme, não fui apenas eu a ficar emocionada, pois uma senhora americana sentiu necessidade de comentar a agradecer e dizer que o filme era muito actual e que servia de inspiração para os tempos que se viviam. Mal sabia ela que, no dia a seguir, os tempos que se viviam iriam tornar-se ainda mais estranhos e parecidos com um enredo de filme.

Donald Trump acha que por ter sido eleito tem o poder de fazer tudo aquilo a que se propôs sem que ninguém o questione. Já vi várias pessoas a achar que deixá-lo fazer tudo é um sinal de Democracia: foi eleito, temos de aguentar. Isto não é Democracia! Um governante que faz tudo é um ditador; em Democracia quem governa nunca pode fazer tudo porque tem uma oposição com quem tem de negociar e um enquadramento legal a que está sujeito. Pareceu-me uma ideia evidente depois de ter pensado nela, mas não é assim tão evidente porque só pensei nela claramente no outro dia.

Há três dias saiu a decisão de um dos processos contra Trump iniciados após o suposto "Muslim Ban". Dizia a Juíza Leonie Brinkema, da Virgínia, que "maximum power does not mean absolute power." O Presidente não tem poder absoluto; tem de trabalhar dentro do que lhe permite a lei e o Parlamento. Obedecer ao Presidente não é obrigatório.



Vassourada

Se o défice de Mário Centeno fosse a vassoura da casa dele, poderíamos imaginar uma situação em que se ia visitar Mário Centeno a casa e estava tudo sujo. Ao ver-nos torcer o nariz, Mário Centeno oferecer-nos-ia a prova de que estava tudo bem: a vassoura que tinha comprado há um ano, que raramente usava. A vassoura estava como nova, ou seja, funcionaria perto do limite máximo de eficiência. A casa estava suja, mas a vassoura bem conservada era prova mais do que suficiente de que havia grande potencial para a casa estar limpa.

Assim é a economia de Centeno: no papel conseguiu "controlar" o défice; mas reduziu a taxa de crescimento do PIB de 1,6% para 1,4%. Diz o Eco que a dívida pública em 2016 estima-se em 130,5% do PIB, um máximo histórico se acabar por ser confirmado, e acima dos 129% de 2015.

Não se preocupem: a vassoura tem potencial; a competência de Mário Centeno para a usar é que não. Deve-lhe faltar uma vassourada...

"A concorrência no mercado de trabalho"

Fonte: Mónica, Maria Filomena (1982), "A Formação da Classe Operária Portuguesa", Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 140-141.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

ROTFLOL

A Presidência Trump está a tornar-se numa das coisas mais divertidas que aconteceram nos EUA. É tão divertido que o Saturday Night Live nem tem de despender muito esforço para imaginar sketches, basta ler as notícias. Ora veja-se o editorial da Bloomberg, que nos dá uma excelente sinopse do desastre em andamento:

"In office for less than a month, Trump's team has been plagued by near-constant security mishaps, ranging from the comical to the chilling. His press secretary seems to chronically tweet out his authentication codes. Senior staffers were reportedly using a private e-mail server that had been targeted by Russian hackers. At an Oval Office ceremony about factory jobs, the key was left in a classified lock-bag in view of visitors and photographers.

More worryingly, Trump is apparently still using an unsecured smartphone, to the distress of everyone from security experts to members of Congress. This is no small thing: Foreign intelligence agencies could steal data from the device, log its keystrokes, track its location, or even commandeer its camera and microphone, turning it into a roving wiretap.

Making matters worse, the cybersecurity bureaucracy that attends to this kind of thing is in flux. Gregory Touhill, the federal chief information security officer, stepped down in January just four months into the job. Cory Louie, the staffer responsible for securing devices and data for top White House staff -- including the president -- was escorted from his office earlier this month for reasons the administration hasn't explained."


Fonte: Bloomberg

Mas a melhor parte de todas é que isto está a acontecer sob um homem branco de 70 anos, que tem muito sucesso, e até dizem ser bilionário! Não é um negro, nem uma mulher que está ao leme.

prostituição intelectual altamente profissional

Ontem, numa conversa que estava a decorrer num post do Paulo Querido, em que eu criticava o Paulo e a generalidade da esquerda pela reacção ao caso Centeno, saiu-se de lá um palermita a perguntar quanto me pagavam para criticar o governo do PS.
Hoje, quando acordei, em comentário a um post meu em que me mostrava muito contente com a performance económica do 2º semestre de 2016, perguntaram-me directamente se me pagavam para escrever post laudatórios para o governo.
Conclusão: sou uma puta intelectual altamente profissional, aceito todos os clientes.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Interesse Nacional com ou sem Ideologia



Na sequência do meu artigo no DN a semana passada sobre Governar com Ideologia, o meu amigo Pedro Braz Teixeira publica hoje um artigo em jeito de resposta, Interesse Nacional. Já sei que hoje deveríamos estar a falar do Centeno, mas decidimos debater estas coisas mais abstratas. 

(1) Eis o ponto fundamental de discordância – eu acho que não é possível definir “interesse nacional” sem fazer referência a uma ideologia; o Pedro defende que há exemplos de violações do “interesse nacional” que, sendo gritantes, não necessitam de um referencial ideológico.

(2) Todos os exemplos que o Pedro apresenta são violações do interesse nacional. Mas o Pedro acha que são objetivamente violações do interesse nacional. Eu acho que são subjetivamente violações do interesse nacional. Subjetivamente porque pedem uma moldura ideológica (por sinal, eu e o Pedro temos a mesma pelo que não surpreende a nossa concordância sobre as referidas políticas). Provavelmente, nestes casos concretos, estas políticas públicas são uma violação do interesse nacional do ponto de vista de muitas ideologias. Mas, na minha análise, não posso excluir que existam ideologias que apoiam estas políticas e entendam que não são violações do interesse nacional.

(3) Isto leva ao ponto seguinte – o uso do “interesse nacional” no debate político. Nada tenho a opor se for aceito por todos que o “meu” entendimento de interesse nacional pode ser distinto do “teu” entendimento de interesse nacional. Isso só é possível com um entendimento subjetivo. Discordo quando o debate é apresentado como o interesse nacional contra uma particular ideologia. Porque isso é dizer que há portugueses bons e portugueses maus. Como cita o Pedro, “é fugir ao saudável combate das ideias. Mas, acima de tudo, é insistir num discurso pouco democrático.”

(4) Não tenho problema em subscrever a frase do Pedro, “Ora, na prática, há um conjunto de circunstâncias em que me parece não só legítimo mas também essencial invocar o interesse nacional ao criticar certas opções políticas,” sempre e quando essa invocação não seja para aspirar a uma superioridade moral.  Mais concretamente, assim como eu e o Pedro podemos achar que o consulado socrista (2005-2011) feriu o interesse nacional, aceito que outros possam genuinamente entender que o consulado passista (2011-2015) feriu o interesse nacional. Não concordo, mas aceito. E só posso aceitar porque o interesse nacional é ideologicamente subjetivo. Se não aceitar, estou a optar por uma arrogância ideológica que é, na minha forma de ver, profundamente anti-democrática.

Dados simpáticos e bem conseguidos!

A Catarina Martins acha que o problema de Mário Centeno é que tinha dados "simpáticos" sobre a economia e é por isso que foi promovido a frango de churrasco na Praça Pública. Conclui, então, que é "tragicamente irónico", pois nem há "factos novos" sobre a CGD.

Já Marisa Matias acha que ninguém pode provar que Mário Centeno mentiu no Parlamento e o problema de Mário Centeno é mesmo os indicadores económicos conseguidos, nomeadamente os bons resultados do défice.

Crescimento de 1,5% (depois revisto para 1,6%), em 2015, era uma calamidade; agora crescimento de 1,4% entra na esfera do simpático e conseguido. Já sei, já sei, não é do crescimento que elas falam porque, para estas duas moças, é o défice que conta para o bem-estar dos portugueses; não é a dívida que aumentou, nem o crescimento do PIB que é inferior ao de 2015.

E depois admiram-se de tanta gente dizer que as mulheres não são boas com números...

Estações e estacionamentos

Trainspotting era um hobby clássico de ficar a ver passar os comboios.
Trumspotting é o novo hobby de ficar a ver atropelar os factos.

A ter em conta na política educativa

Não tenho cumprido o que de algum modo me propus ao aceitar o convite para colaborar no DdD – publicar posts sobre educação. Depois de tê-lo feito numa fase inicial, a pouco e pouco perdi a vontade. Talvez esta pouca apetência tenha a ver com um certo distanciamento da acção do Ministério da Educação do actual governo, que embora satisfizesse um objectivo que me agradou – eliminar os desvios de Nuno Crato ao que vigorava antes do seu consulado – não fazia mais do que tomar medidas avulsas.

Entretanto, na América...

É véspera de S. Valentim. Viva a economia! Viva o amor!








segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Demitam-se o PM e o PR!

Agora o Mário Centeno é que é o mau da fita, quando tanto o Primeiro Ministro, como o Presidente da República, quando confrontados com o que Mário Centeno planeava fazer olharam para o lado. O Mário Centeno pode ser muita coisa, mas virgem sacrificial não é uma delas. Se António Costa deixar cair Mário Centeno, então dissolva a Geringonça.

E já agora, caro Presidente da República, diga adeus também. Se não serve para evitar crises deste tipo, então o que é que anda a fazer exactamente?

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Se não é crime, devia ser

“O que deveríamos estar a discutir neste momento – e gostaria de ver juristas a ser entrevistados com perguntas concretas – era saber se o que já é público configura o crime de corrupção ou não. Eu não conheço a lei suficientemente bem para saber se isto que já se sabe – que é fazer uma lei à medida de uma pessoa e em que essa pessoa encarrega os seus advogados de fazerem essa lei – por si só não configura o crime de corrupção”.
“Agora o que posso dizer é que se, por acaso, os juristas vierem a terreiro explicar que o que se passou, de facto, não é corrupção – e não foi cometido qualquer crime – então eu, como cidadão, posso opinar e dizer: as leis devem ser mudadas para que passe a ser crime."

10 anos depois

Há 10 anos, no referendo sobre o aborto, houve argumentos a favor e contra a despenalização. Havia previsões apocalípticas e houve quem considerasse que trazer os abortos para dentro da legalidade permitiria atenuar uma série de problemas.

Podemos hoje concordar que o lado que ganhou o referendo tinha toda a razão nos seus principais argumentos e nas suas previsões, não podemos?

Just say "No!"

Desde que a Geringonça tomou posse que me pergunto o que terá levado Mário Centeno a aceitar ser Ministro das Finanças. Em Portugal, dá sempre bronca, logo por que razão é que ele se sujeitaria a tal risco de ficar mal-visto? Julgo que a resposta é que Mário Centeno não sabe dizer "Não!", senão teria dito "não" a António Costa ou a António Domingues. Mas não pensem que dizer "não" é uma coisa muito fácil porque pode ser das coisas mais difíceis que fazemos.

Lembro-me do dia em que dizer "não" se tornou mais fácil para mim. Foi uma vez quando a minha sogra andava em arrumações lá em casa e me perguntou se eu queria uma camisola de Natal, como usam as avózinhas. E era uma camisola tão feia, tão feia, que, por muito que me custasse dizer "não" à minha sogra, tive de o fazer. É que era tão feia, tão feia, aquela camisola, que eu nem a queria levar para casa e dar a alguém e também me custava meter no lixo uma coisa que a minha sogra me tinha dado. Esse "não" soube-me pela vida e pensei: "Rita, tens de dizer 'não' mais vezes -- muitas mais!"

Como já não vou a tempo de oferecer a Mário Centeno uma camisola de Natal muito feia para ele aprender a dizer "não", decidi encontrar uma canção para ele treinar. Assim, pode ser que ele deixe de passar por estas situações que decerto o envergonham. Se não o envergonham a ele, envergonham-me a mim e eu já não aguento vê-lo sujeito a esta tortura.

Aqui está a letra:


"Just Say No" ~ No For An Answer

Why should I join a breed
That brings one another down?
Group behavior, group as the savior
A circus filled with clowns
Who are these men? Why are they here?
What do they want?
Ruling class, ruling by fear,
Something I am not!
All my life I've felt the push
It's caused me pain
Dilute my system, just to be with them
Why numb my brain?
A pint of fear, a quart of heart,
Is all they've got
Ruling class, ruling by fear,
Something I am not!
JUST SAY NO!!!
NO !
JUST SAY NO!!!




sábado, 11 de fevereiro de 2017

Demitir-se para quê?

Não acho que Mário Centeno se deva demitir. Não adianta nada e apenas abre uma vaga para o PS arranjar alguém com credibilidade para o lugar, dando a impressão de que as coisas mudaram para melhor. Sabemos que não mudaram: estão exactamente na mesma como sempre estiveram, mas com uma pessoa nova o que não sabemos é quando é que a pessoa sucumbe ao sistema; até lá temos de presumir que essa pessoa não irá fazer nada, que é inocente -- é esse o nosso ponto fraco que os partidos exploram.

Já sabemos que Mário Centeno é corruptível, logo ele que fique e nós assim temos razão e autoridade moral para o vigiar e questionar à vontade. Não precisamos de lhe dar o benefício da dúvida. E tem outra vantagem: enquanto Mário Centeno é Ministro protegemos a reputação de outra pessoa.

E já agora, o Presidente da República e o Primeiro Ministro também não merecem a nossa confiança -- temos de os manter debaixo de olho.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Vã glória...

Como um nosso leitor me acusou de não publicar comentários, lá fui eu ver os comentários. Já não ia lá há meses. Encontrei um muito engraçado, que acabou no SPAM, a gozar comigo por causa das minhas contas poupança-reforma. Diz assim: "Para a pequena burguesia desta pessoa que acha que vangloriar-se das suas contas fidelity de classe média baixa e' muito impressionante." A pessoa que escreveu isto não deixou o nome, mas acho que o que disse é pertinente.

Para eu vos dar uma boa ideia do que é estar nos EUA, tenho de falar nas contas poupança-reforma porque faz parte do que é viver nos EUA e é uma parte muito importante. É lógico que eu podia falar de tudo isto do ponto de vista teórico, mas julgo que falando do ponto de vista pessoal posso dar-vos a ideia do que é ser emigrante, das coisas que eu aprecio no país que me acolheu, e do que me atraiu aos EUA, pois quando eu vim para aqui da primeira vez, e até da segunda, não foi com intenção de ficar.

Sempre gostei bastante da forma como os americanos falam do planeamento da reforma e foi logo uma das primeiras coisas que notei. Ainda no outro dia pensei que tenho de vos falar nos livros e nos programas de rádio sobre este tema. Aqui, falar deste tópico é sinal de responsabilidade, não é sinal de arrogância. Para além disso, ter opções de investimento combina muito comigo porque, não sei se já repararam, mas tenho uma certa fobia de gerir mal o dinheiro e de acabar na pobreza. Não acho que seja suficientemente grave para eu ir ao psi, mas é uma pequena loucura minha que está perfeitamente controlada, por enquanto. [Não acham que tenho imenso medo de doenças psiquiátricas? Há quem tenha medo de cancro; eu tenho medo de ficar maluca -- é perfeitamente razoável.]

Por falar em maluquices, em Portugal, há uma certa esquizofrenia relativamente ao dinheiro: as pessoas julgam os outros pelas roupas, carros, férias, etc.; fugir a impostos é bem-visto; enganar quando se pode é quase um desporto nacional; mas falar da forma como nós fazemos o planeamento das nossas poupanças é vangloriarmo-nos e um sinal de sermos de "classe média baixa". Porque é que devemos ter vergonha do que planeamos fazer com o produto do nosso trabalho? Notem que um dos grandes problemas da macroeconomia portuguesa é mesmo o país ter poupanças tão fracas, que precisa de se endividar junto ao exterior -- mas essa lição é do FAlex e do LA-C.

Suponho que, para o nosso leitor, quem tem dinheiro não precisa de planear nada porque já o tem; quem planeia é quem não tem. Tente-se explicar isso ao Warren Buffett de forma a ele não nos achar uns idiotas completos -- acho impossível!

Não percebo a necessidade de classificar alguém numa classe, a não ser que se esteja a dizer que há classes de pessoas que deviam estar caladas ou ter vergonha de não pertencerem a outra classe. Mas quem acha isso não tem grande classe.


Às escondidas

Gary Cohn, ex-No. 2 da Goldman-Sachs e conselheiro de Donald Trump, está a delinear a reforma fiscal da nova Administração. Daqui a umas semanas teremos detalhes deste plano "fenomenal", mas a reforma fiscal não vai constar da proposta de Orçamento de Estado da Administração Trump. Percebe-se perfeitamente: vai funcionar tão bem que tem de ser escondida do orçamento por enquanto.

Unnamed congressional leaders have been consulted on the blueprint, the official said. It’s separate from Trump’s proposed budget, the official said, requesting anonymity because the plan is still under development.

Fonte: Bloomberg

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Mr. Trump 0 - The People 1

A federal appeals court ruled that the U.S. will remain open to refugees and visa holders from seven Muslim-majority countries, rejecting a bid by the Trump administration to reinstate a travel ban in the name of national security.

The San Francisco-based appeals court on Thursday spurned the government’s request to close the doors after days of public debate over President Donald Trump’s attacks on the judicial system and a rush of fearful immigrants. The ruling increases the likelihood that the administration will ask the Supreme Court to step into a case that’s the biggest test of Trump’s executive power yet.



Fonte: Bloomberg



See you in court, Mr. Trump!


Uma pouca vergonha

António Domingues é uma vergonha; o escritório de advogados que fez o trabalho é uma vergonha e ter ministros e secretários de estado a prometer mudar leis à medida é uma vergonha.
Que o ministro e secretário de estado (a confirmarem-se estas notícias) não sejam sumariamente corridos é um sintoma do pântano que são as elites deste país. Pouca vergonha.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Eu alinho no desalinho

A minha contribuição para a conversa do Zé Carlos e do Luís Gaspar acerca de sermos desalinhados é o filme School of Rock: you have to stick it to the man!

Ah, e tal, não é intelectualmente estimulante, dizem vocês. Nem o Trump, mas é ver o número de pessoas que votou nele. E o número de pessoas em Portugal que acham que é um bom líder?

Dewey Finn: [on sticking it to "The Man"] Yes! But, you can't just say it, man. You've gotta feel it in your blood and guts! If you wanna rock, you gotta break the rules. You gotta get mad at the man! And right now, I'm the man. That's right, I'm the man, and who's got the guts to tell me off? Huh? Who's gonna tell me off?
Freddy: Shut the hell up, Schneebly!
Dewey Finn: That's it Freddy, that's it! Who can top him?
Alicia: Get outta here, stupidass.
Dewey Finn: Yes, Alicia!
Summer Hathaway: You're a joke, you're the worst teacher I've ever had!
Dewey Finn: Summer, that is great! I like the delivery because I felt your anger!
Summer Hathaway: Thank you.
Lawrence: You're a fat loser and you have body odor.
Dewey Finn: ...All right, all right! Now, is everybody nice and pissed off?

Moralmente repreensível

Depois da crise financeira de 2008, os jornais encheram-se de editoriais a falar da crise de ética nas escolas que formavam o upper management das companhias envolvidas no colapso financeiro. Harvard foi uma das universidades mais criticadas (ver aqui e aqui). No entanto, a universidade desde então investiu bastante em formar pessoas eticamente responsáveis e que não ajudem a corromper o sistema mais do que ele já está.

Quando vi a sucessão dos resultados das previsões de crescimento dos modelos de Mário Centeno, sabendo que ele tinha passado por Harvard, questionei-me se era uma pessoa séria e de princípios ou se também era facilmente corruptível -- para mim, aqueles resultados não eram defensáveis. Hoje tenho a certeza de que é um indivíduo moralmente corrupto; diz qualquer coisa para segurar o PS e enganar os cidadãos: manipula informação, mente, responsabiliza outros pelas suas decisões porque não tem como as defender.

Assistimos agora à novela de António Domingues na CGD, na qual veio à luz um acordo explícito que o governo fez com António Domingues; mas quando Centeno se tornou Ministro das Finanças, a novela era a do Banif, que envolvia questões como a de quem tinha sido a decisão de intervir no banco em 2015.

Mário Centeno formou-se em Harvard antes da crise financeira, na altura em que a escola não ligava muito a questões de ética porque pensava que as pessoas que chegavam a uma universidade daquele calibre tinham o mínimo de fibra moral. Infelizmente, não têm todas, como se vê pela actuação de Mário Centeno.

Do alinhamento

O José Carlos Alexandre fala aqui do primeiro episódio da terceira temporada do Black Mirror. É para mim um tratado emocionante sobre a conformidade. Mostra os mecanismos invisíveis que levam as pessoas a prescindir da liberdade e a alinhar. Aquilo que leva tanta gente à nossa volta a pensar muito bem antes de falar, a alinhar com quem tem poder, ou a não desalinhar, a dar graxa, a formatar a opinião não com base no que é dito, mas em quem diz. O meu rating pode ser baixo, ninguém me dá nada, mas retenho a liberdade do FUCK YOU espontâneo. Do FUCK YOU a quem quer que seja. Que, vendo bem, é a única genuína liberdade. E isso basta-me. 

Na mesma semana que vi o episódio do Black Mirror, vi também o Trainspotting 2 - e é também maravilhoso.

Há obras que nos ajudam a não ter de inventar as nossas próprias palavras. O trainspotting foi o filme que deu à minha geração a metáfora ideal para a dificuldade da entrada na vida adulta. Escolhe a vida. Choose life. Escolhe a televisão gigante, a máquina de lavar, o carro, a vida tal como ela é vivida pelos adultos que tu conheces. Escolhe o rating elevado. Ou então encontra uma boa alienação, que não te destrua. Boa sorte, dirão os cínicos.

Passados 20 anos do Trainspotting, a vida escolheu a maioria de nós. Fazemos por ela, não é verdade? Mas há sempre momentos em que nos lembramos que também há vida para além da vida que vivemos, mas que simplesmente não temos tempo para ela. A boa arte não é aquela que nos deixa experienciar, por um bocadinho, em modo compacto e arrumadinho, essa vida para além da vida (era só o que faltava que fosse tão simples); a boa arte mostra-nos que as compensações que vamos arranjando podem ser muita coisa, mas não são realmente compensações.

Uma sequela do Trainspotting tinha tudo para correr tão mal – teria tudo para se tornar uma espécie de caricatura de si mesma, onde as personagens mostravam o que acontece quando viciados em heroína acabam por escolher a vida. Felizmente, o Danny Boyle não mostra nada disso. Em referências sucessivas e subtis ao primeiro filme, faz-me uma visita guiada, mas não condescendente, a um mundo projetado a partir dos sonhos da nossa adolescência. Mostra-nos que mudamos pouco. Que, se procurávamos alienação, e se a alienação não nos matou pelo caminho, o mais provável é que tenhamos encontrado entretanto outra alienação para a substituir. Mostra-nos com humor os limites dessa alienação - mas também nos mostra os limites do mundo real. E é algures entre os limites dos dois que temos a possibilidade de sermos felizes.