Ao final da tarde de Quinta-feira, encontrei-me com amigas para ir visitar uma exposição de arte na Nos Cave Vin, um local de armazenagem de colecções pessoais de vinho, que oferece serviço de concierge. Em exibição estava o trabalho de J. Antonio Farfan, um artista plástico de Houston.
Gostei de algumas peças, quanto mais não seja por o artista rabiscar, em algumas delas, uma flor em forma de margarida, que é o que eu faço quando me apetece rabiscar, mas achei que a exposição tinha sido mal organizada: alguns dos quadros maiores estavam num corredor e não havia espaço para vermos as peças de várias distâncias; já as peças mais pequenas encontravam-se numa sala mais ampla. Acho que teria feito sentido ter sido ao contrário.
Depois fomos a um seminário no Menil, o museu de Arte Moderna, onde Darby English, um professor de História da Arte na Universidade de Chicago, falava da exposição "The De Luxe Show", que ocorreu em Houston, e que consta do seu livro "1971, a Year in the Life of Color", no qual também discute a exposição "Contemporary Black Artists in America" do Whitney Museum of American Art. Ambas as exposições foram inovadoras para a época, mas a do Whitney causou controvérsia e críticas de artistas negros que se queixavam de terem tido pouco envolvimento na sua organização.
O local escolhido para a exposição de Houston foi a chamada Fifth Ward, um bairro pobre onde a população era maioritariamente negra. A exibição ocorreu num antigo cinema, o De Luxe, e estava aberta todos os dias das 10 até às 22 horas. Para o efeito, foi colocado um sistema de ar-condicionado no prédio, o que servia para atrair os transeuntes, pois em 1971, naquela zona, poucos eram os sítios com temperatura controlada. O De Luxe, que tinha aberto em 1941, estava fechado desde 1969 e o edifício encontrava-se em decadência, antes de ser recuperado em três semanas como espaço de exposições.
Peter Bradley, o curador e também um dos artistas expostos, usou uma sensibilidade humanista ao organizar a exposição pois partiu dele a ideia de fazer uma exposição integrada racialmente, disse-nos o Professor English. Talvez valha a pena mencionar que Bradley era negro. As peças -- quadros e esculturas -- não estavam acompanhadas de qualquer explicação, o que foi propositado, pois eram na sua maioria abstratas, cuja interpretação é muito pessoal. (Note-se que esta exposição, que antecedeu a construção do museu, foi patrocinada pela fundação Menil e a Dominique de Menil não gostava que se explicasse arte. Ainda hoje o Menil não costuma ter grande informação acerca das peças que expõe, além do autor, data, título, e técnica usada.)
Um tipo de arte que é subjectivo tem a vantagem de a interpretação de alguém com um nível alto de educação ser tão válida como a interpretação de alguém com um nível baixo de educação. Como a exposição era uma experiência em termos de integração racial, nos abstractos havia também a vantagem de não haver nada que identificasse a raça do artista. O espectáculo também incluía filmes, mas o seminário English não os abordou.
A exposição estava para durar quatro semanas, mas foi prolongada por duas, e estima-se que tenha sido vista por mais de 4.600 pessoas, entre 22 de Agosto e 29 de Setembro, de 1971. Infelizmente, não teve grande cobertura nos media nacionais. A revista Time estava para enviar um fotógrafo, mas a pessoa ficou doente e não pôde comparecer. Eventualmente, o espectáculo caiu no esquecimento até recentemente.
Darby English tomou conhecimento dela há uns anos através de uma nota de rodapé que leu e, por ter ficado surpreendido por não saber nada do assunto, decidiu investigá-la, servindo-se grandemente dos arquivos do Menil. Uma das auto-críticas que fez ao seu trabalho foi não ter tentado encontrar ninguém que tivesse assistido à exposição e também pediu desculpa por não ter uma fotografia mais recente do cinema De Luxe do que a de 2011 que nos mostrou, com um edifício decrépito, rodeado por ervas daninhas altas.
Na audiência estava uma senhora que nos informou que o De Luxe foi renovado desde então e, no prédio, está uma menção da exposição. Ficámos com a impressão de que, para a Fifth Ward, esta exposição teve um grande impacto. Talvez um dia destes alguém decida fazer um documentário.
Depois do seminário fomos jantar ao Pico's, um restaurante mexicano, e o que aprendemos no seminário e as dúvidas com que ficámos dominaram a conversa. A noite estava um bocado fria e apetecia-nos algo reconfortante, como sopa de tortilla. Acabámos por escolher caldo tlalpeño, um prato tradicional do México que leva grão-de-bico, mas não conseguimos encontrar nenhum grão-de-bico quando começámos a comer e pedimos explicações.
O empregado disse-nos que ninguém gosta da versão do caldo tlalpeño que aparece no menu e eles costumam servir uma versão diferente, mais ao agrado dos patronos do restaurante. A explicação pareceu-nos bastante confusa porque ele dizia que ambas as sopas eram caldo tlalpeño. Finalmente, para nos elucidar, trouxe-nos uma taça com a versão do menu. Para mim, a versão do menu era mais parecida com uma canja de galinha, pois não levava tomate e não era picante; já a versão que ele nos trouxe era mais semelhante a uma sopa de tortilla tradicional, mas sem milho.
Nessa noite, como não tinha levado carro, apanhei um Lyft para casa à porta do restaurante. Não conversei com o condutor até chegar à altura de sair da circular, em que lhe pedi para fazer uma rota diferente. Achei o sotaque dele interessante e perguntei-lhe de onde era. Do Iraque, tinha vindo para os EUA há um ano como refugiado. Falava de uma forma triste e disse-me que era muito difícil estar aqui porque não tinha cá família, ficou no Iraque.
És como eu, disse-lhe, e mostrou-se surpreendido. Expliquei-lhe que eu também não tinha família de sangue nos EUA, vim para cá sozinha, há 20 anos. Ele perguntou-me que idade tinha. Pedi-lhe para adivinhar e ele pensava que eu andava nos vinte e tal; corrigi-lhe as expectativas. E eu, será que conseguia adivinhar a idade dele? Arrisquei 29, mas ele só os completa em Janeiro. Perguntei-lhe se ia estudar agora que estava nos EUA e acrescentei que estudar nos EUA é muito divertido. Disse-me que queria fazer um curso na área do petróleo e ia para uma Community College. Aconselhei-o a pedir ajuda aos professores, se tivesse dificuldades.
Falava mais animadamente e, quando chegámos ao meu destino, depois de me perguntar o que eu tinha estudado, queria que lhe desse o meu número. Não lho dei, mas ri-me e saí do carro; fiquei feliz por ele estar menos triste.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.