Nova Orleães é o sítio nos EUA onde se come melhor, não porque seja saudável, mas porque a comida é mesmo deliciosa e o uso de especiarias é muito bom. De resto, fora da Louisiana, a comida americana é caracterizada por ou ter muita gordura, ou ser salgada, ou ser muito doce, ou ter muito vinagre. Por exemplo, os molhos de barbecue são uma combinação de vinagre e adoçante; já o dry rub (uma mistura de especiarias com que se prepara a carne de barbecue antes de a assar) é dominado pelo sal e açucar amarelo, apesar de também usarem colorau, chilis em pó, tomilho, etc.
Um dos presentes que recebi nesse Natal do meu namorado foi uma lição de culinária na New Orleans School of Cooking, onde aprendi a fazer gumbo (uma sopa cajun tradicional da Louisiana), jambalaya (um arroz de carne bem condimentado), pudim de pão com molho de whiskey, e pralines. Esta aula era uma demonstração de como se faziam os pratos e, depois, no final, provámos tudo o que foi feito à nossa frente. O nosso professor era um homem super-divertido, o Kevin Belton, que agora tem um programa de culinária no canal público, logo vocês podem ver na Internet como ele é bem disposto.
A viagem estava a correr bastante bem, até que regressámos uma tarde ao motel e fomos impedidos de entrar pela polícia. Em redor do edifício havia agentes do FBI e até snipers. Um homem armado tinha-se fechado no quarto e não sabiam se havia reféns ou quais as suas intenções. No final, tratou-se de um suicídio e deixaram-nos regressar aos nossos quartos. Nessa noite, um restaurante Popeye's, um fast food de comida da Louisiana, ao pé do motel foi assaltado. Pensávamos nós que estavamos a ser muito cuidadosos em evitar o sítio de maior perigo, mas não fez diferença nenhuma.
Das receitas que aprendi a fazer, há duas que repeti várias vezes. O gumbo faz parte do meu repertório de receitas de inverno cá em casa e, de vez em quando, faço o pudim de pão. A primeira vez que fiz o pudim foi em casa da minha sogra: a minha cunhada tinha feito pudim de pão com molho de baunilha num Natal, mas sobrou bastante molho e não tínhamos com que o comer e eu fiz a receita, que ficou excelente porque proibi a minha sogra de deixar o pudim cozer demasiado--o pudim de pão da Louisiana é húmido. Assim que se enfia um palito e sai limpo, sem pedacinhos de miolo, está pronto.
Arrefeceu aqui em Memphis e está na altura de fazer um gumbo para nos aconchegar. Dá um bocado de trabalho, mas pode-se fazer bastante e congelar. Para além disso, se se planear bem, não custa tanto. Leiam a receita toda antes de fazer porque podem preparar as coisas com antecedência.
= Ingredientes =
- Um chouriço Andouille, ou um chouriço picante, cortado às rodelas
- Meio frango cozido e desfiado sem pele, reserva-se a água de cozer o frango (cerca de 1 litro de caldo)
- 2 colheres de sopa de banha de porco ou óleo para alourar a carne de frango desfiada numa frigideira
Trindade:
- 1 chávena de pimento verde cortado em cubos pequenos
- 1 chávena de talos de aipo cortado em cubos pequenos
- 2 chávenas de cebola picada
Roux:
- 0,5 dl de óleo que possa cozinhar a temperatura alta -- milho ou soja, por exemplo
- 50 gr de farinha de trigo super-fina, tipo T55
Mistura cajun de especiarias:
- 3 colheres de chá de colorau (paprika)
- 2 colheres de chá de sal fino
- 2 colheres de chá de alho em pó
- 1 colher de chá de pimenta preta em pó
- 1 colher de chá de pimenta branca em pó
- 1 colher de chá de cebola em pó
- 1 colher de chá de orégãos secos
- 1 colher de chá de pimenta-caiena
Outros ingredientes:
- Quiabo (okra) às rodelas, que se adiciona ao gumbo depois de cozer a trindade no roux
O quiabo tem uma consistência muito distinta que não é do agrado de muita gente. Há quem não meta quiabo no gumbo, mas depois sirva o gumbo com pó filé, que é feito de folhas de sassafrás em pó, mas que é capaz de ser difícil de encontrar em Portugal. Mesmo que não tenham quiabo, nem pó filé, o gumbo fica bom na mesma.
- Arroz branco cozido para servir
- Cebolinha verde cortada às rodelas para servir, fácil de encontrar em Portugal em lojas asiáticas, mas podem deixar uma cebola rebentar e usam a parte verde. Note-se que cebolinha verde (green onion) é diferente de cebolinho (chives).
Modo de preparação: Comecem por fazer o roux com o óleo e a farinha. Enquanto a farinha torra lentamente no tacho do roux, numa frigideira de fundo grosso aqueçam o óleo ou a banha e alourem o fango desfiado--usem apenas gordura suficiente para untar o fundo do tacho. Quando virem o frango ganhar cor, adicionem o chouriço às rodelas e cozinhem mais uns minutos. Desliguem o lume e reservem. Não se esqueçam de ir mexendo o roux, que fica pronto quando tiver uma cor castanha média.
Misturem bem os ingredientes da trindade uns com os outros e reservem 25%, adicionando os restantes 3/4 ao roux para cozer. Tapem o tacho para os vegetais suarem e, quando começarem a ficar macios, adicionem o frango, o chouriço, o quiabo se usarem, e o litro de caldo. Usem parte do caldo para limpar o fundo da frigideira que usaram para alourar as carnes e adicionem ao tacho. Deixem borbulhar durante 30 minutos.
Adicionem o restante 1/4 da trindade, uma colher de sopa da mistura de especiarias e deixem cozinhar durante mais 15 minutos. Provem e, se acharem que precisa de mais especiarias, adicionem aos poucos até chegar a um sabor que vos agrade. Rectifiquem o sal e desliguem o lume. Deixem descansar uns minutos e coloquem em pratos de sopa, adicionem duas colheres de arroz branco quente por cima, e a cebolinha verde às rodelas.
Algumas fotos:
No cimo, as fotos do roux quanto vai ao lume e depois da farinha estar torrada;
em baixo, a trindade quando é adicionada ao roux e depois de cozinhar durante cerca de 20 minutos
O frango a alourar; depois de cozinhado, usem parte do caldo para retirar
os pedaços de frango que ficaram no fundo da frigideira e adicionem ao gumbo
Esq: o gumbo quando adicionamos o resto da trindade e as especiarias;
Dir: o gumbo depois de cozido.
Nota: Este gumbo é de frango e chouriço, mas também há gumbo de camarão. Podem usar menos frango e adicionar camarão (cozido e descascado) poucos minutos antes do gumbo estar preparado, tendo o cuidado de não deixar o camarão cozer demais para não ficar duro. Se fizerem com camarão, usem parte da água de cozer o camarão para o caldo do gumbo: em vez de usarem um litro de caldo de frango usem metade de caldo de frango e a outra metade de camarão.
Segunda nota: A semana passada foi estranha: comecámos com notícias de que alguém tinha enviado pacotes com bombas a vários apoiantes de partido Democrata e terminámos com dois atentados, um em Pittsburgh onde um homem atacou uma sinagoga o que resultou na morte de 11 pessoas e ferimentos de várias e outro, no Kentucky, onde um homem tentou entrar numa igreja predominantemente negra e, encontrando-a trancada, dirigiu-se a um super-mercado e matou duas pessoas negras. E, finalmente, a Arábia Saudita confirmou que a morte do jornalista do WashPost foi premeditada, mas mais haverá nesta história: aguardemos.
Às vezes, quando estou na minha aula de yoga que é numa casa numa vizinhança mais pobre penso como seria fácil alguém entrar e matar-nos a todos, até porque durante o verão a porta está aberta, só a porta de vidro é que fica fechada. Ou quando me sento perto da janela de um café ou restaurante, penso que se alguém decidir fazer tiro ao alvo estou mesmo a jeito. Mas não dá para evitar; se tiver de acontecer, acontecerá. É como a passagem de ano de 1999: tentámos evitar e acabámos tão perto.
Obrigada!
ResponderEliminarQue receita... É forte e própria para os dias frios!
Mas tem bom aspecto, apesar da banha de porco, isso arrepia-me e há pessoas que adoram pão barrado com banha. Glups!
De resto, apesar das minhas transições para o vegetarianismo, não sou uma radical, nem vegam de todo.
É bom conhecer receitas e costumes de outros países.
Bjs.
Eu uso óleo para alourar a carne, mas quando cozinho costeletas de porco, às vezes uso banha. Aqui é difícil de encontrar. Os americanos não usam. há uma coisa parecida mas que é de origem vegetal, chama-se Crisco. A banha aqui é encontrada na secção latina; os mexicanos chamam-lhe manteca.
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