O que ficou claro durante todo este processo é que o Juiz Kavanaugh não tem "temperamento" para ir para o Supremo Tribunal de Justiça, mas isso não impede que seja confirmado -- até John McCain votou a favor da confirmação de Clarence Thomas, que foi acusado de assédio sexual aquando do seu processo de confirmação. Durante o seu testemunho esta semana, acerca da acusação que lhe foi feita, foi evasivo, mal-educado, e deu respostas que foram inconsistentes com o que tinha dito antes: inicialmente, quis passar a imagem de alguém que estava apenas focado no sucesso escolar e nas actividades extra-curriculares, mas depois veio a saber-se que não era o menino de coro que dizia ser. Num e-mail do tempo em que trabalhava para o Presidente Bush pediu a uns amigos com quem tinha organizado uma festa sigilo para que as esposas não soubessem o que se tinha passado (ver artigo):
Emails from Kavanaugh’s time in the George W. Bush White House record his participation in a 2001 boy’s weekend on a boat rented from Annapolis, Maryland.
In an email to his friends from his White House account upon returning to work, Kavanaugh thanks his ship-mates for a great adventure but confesses he does not remember everything that happened, while apologizing for his belligerence: “Excellent time,” Kavanaugh writes in a message dated September 10th, 2001. “Apologies to all for missing Friday (good excuse), arriving late Saturday (weak excuse), and growing aggressive after blowing still another game of dice (don’t recall).”
Fonte: Rolling Stone, 1/10/2018
Pedir sigilo, embriagar-se, ficar mal-disposto, etc., não são crimes, mas ele ofereceu a entrevista que deu à Fox News como testemunho sob juramento para a sua confirmação, logo pode haver consequências legais para as contradições em que é apanhado.
Com esta nomeação e acusações, o movimento #MeToo ganhou outro fôlego e a história de Amber Wyatt, uma jovem no Texas que foi violada, mas a quem o sistema de Justiça e a comunidade em que vivia falharam redondamente, veio novamente à baila, com a publicação de uma peça de jornalismo de investigação no Washington Post no dia 19 de Setembro -- toda a gente devia ler isto, mas tenham uns lenços de papel à mão. #IBelieveAmberWyatt tornou-se num movimento.
As coisas terão mudar e tenho grande convicção de que, daqui a umas décadas, iremos olhar para este período como agora olhamos para os anos 60, quando se deu a luta pelos direitos civis; mas não podemos esquecer que essa luta começou nos anos 50 e causou muito sofrimento a muita gente. Toda a mudaça causa sofrimento -- é por isso que não é assim tão fácil mudar.
Folgo em saber que alguns ventos de mudança sopram em Portugal. Fiquei enojada, mas não surpreendida, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto acerca da jovem que foi sexualmente abusada, já que em Portugal não é violação. Achei estranho que o texto dissesse que forçar uma mulher inconsciente a ter sexo não é violento. Suponho que os juízes não saibam como funciona o nosso corpo, pois o estado normal de uma mulher não é ter a vagina dilatada, pronta a ser penetrada. Por não ser assim é que um exame médico pode concluir se há ou não violação -- ou abuso sexual, que neste caso teria os mesmos vestígios físicos que teria uma violação. Aliás, esta distinção na lei portuguesa é vergonhosa e ainda não percebi qual a dificuldade em rever a lei.
Mas mais do que se tratar de ignorância, penso que é mesmo incompetência e compasso moral avariado. Achar que o abuso sexual não tem consequências para a dignidade da pessoa é de alguém que não bate bem da bola, passo a expressão, mas um juiz que não tenha noção disto é incompatível com as funções que ocupa, pois "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária." (CRP, art. 1.) Ou será que este desleixe no tratamento de crimes deste tipo faz parte de alguma campanha turística do país com slogans do estilo "Portugal is for rapists" ou "Be a dick, we'll provide the vagina."
Não compreendo como é que dois homens que se comportam assim no trabalho ainda têm emprego -- quem é o patrão que quer assumir este risco? Quando eu andava a tirar a carta de condução, já lá vai mais de 25 anos, recordo-me dos meus instrutores nos ensinarem que, se servissemos alcool a alguém e essa pessoa tivesse um acidente por estar legalmente embriagada, seríamos co-responsáveis pelas consequências. Parece-me ser uma daquelas leis que foram feitas, mas nunca são aplicadas. As leis em Portugal podem não ser perfeitas, mas a vontade de as seguir também está em falta.
E já agora, que estou com as mãos na massa, não há por aí um estudante de Direito ou Sociologia a fazer uma dissertação/tese a quem dê vontade de ir ler todas estas decisões de casos de violação e/ou abuso sexual para ver que pérolas encontra. Até podia fazer um estudo da linguagem usada para ver se a situação melhorou ou piorou desde a Revolução de 74.
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