Penso que se contarmos todo o tempo que vivi em Memphis, já tenho cerca de 4,5 anos; no entanto, hoje foi a primeira vez que fui ao Lorraine Motel, o sítio onde Martin Luther King, Jr. foi alvejado, e que agora é o National Civil Rights Museum. É uma experiência muito estranha porque não me escapa que faço parte do povo que inventou a rota de comércio triangular, pelo qual se comercializava escravos, sobre a qual aprendemos muito relaxadamente no oitavo ano, nas aulas de história.
Admito que nunca tinha pensado em que circunstâncias os escravos eram transportados--eu sabia que eram más, mas não pensei que estas pessoas tinham de estar sentadas com os joelhos dobrados no porão do barco, num sítio que tinha cerca de um metro de altura, durante 23 horas por dia ao longo de uma viagem que demorava três a sete meses. Ali comiam, dormiam, e faziam as suas necessidades. Durante a restante hora, os homens eram levados para o convés e obrigados a dançar para activar a circulação sanguínea, enquanto eram chicoteados. As mulheres estavam ao serviço dos apetites sexuais da tripulação.
Enquanto tentava digerir estas imagens conjugadas com o nosso papel nesta história, aparece um dos guias de visitas, um rapaz jovem muito parecido com o MLK, com um brilho nos olhos que me impressionou, ou talvez eu tenha visto naquele brilho algum poder redentor. Vinha junto da amiga com quem eu estava e foi ela que me disse que ele seria o nosso guia. Acho que lhe sorri porque ele estendeu-me de imediato a mão e cumprimentou-me com um sorriso enquanto me informava do seu nome: Thomas. Senti como se me puxassem de um pesadelo porque comecei imediatamente a conversar com ele: há quanto tempo trabalhas aqui, perguntei. Um ano, responde, é um bom emprego para o curso que está a tirar. E o que estudas? continuo. História e filosofia, diz-me com o mesmo brilho nos olhos com que me tinha cumprimentado.
Minutos depois iniciamos a visita guiada. O Thomas fala de quantas pessoas--perdão, escravos--morriam durante a viagem de transporte, mas havia seguro, diz ele. Por cada 100 que morriam, eram enviados 400. Cem, quatrocentos, cem quatrocentos, cem quatrocentos... A forma como ele atirou os números dava-me a impressão que ele não tinha pensado no que dizia. Se para substituir 100 escravos mortos era preciso enviar 400 vivos, a taxa de sobrevivência esperada no transporte era de 25%. Ou seja, 75% morriam. Quis dizer-lhe algo a clarificar o significado do que ele tinha dito, mas senti vergonha, e fiquei sem palavras.
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