Quais os parâmetros da minha propriedade? Eu comprei por 98 mil euros em 2006 porque os meus pais queriam que eu tivesse uma casa em Portugal. Depois de os meus pais deixarem de lá viver, decidi arrendar. Na altura, a renda era de 250 euros mensais, mas com a crise financeira, tive de baixar para 200 e até chegou uma altura em que apenas cobrei 175 a um casal de reformados. Esse senhor já faleceu, mas era uma pessoa muito boa, sempre preocupado com as minhas coisas. Há sete anos, quando mudei de arrendatários decidi cobrar apenas 200 euros.
Nunca lhes aumentei a renda, nem sequer a actualizei para a inflação. Por um lado, não quero que saiam porque são boas pessoas dá-me gosto saber que têm um sítio seguro a bom preço que lhes permite dar uma qualidade de vida melhor aos filhos. Por outro lado, o dinheiro adicional que eu receberia com a actualização de renda não me aquece, nem arrefece. E, finalmente, eu sou de uma geração que recebeu imenso do estado em Portugal porque tive uma educação de boa qualidade e a custo acessível, logo acho que devo dar alguma coisa em troca ao país. Para elém disso, ter a casa a arrendar baixa o custo que paguei e talvez recupere o meu investimento se algum dia vender. Qual o papel do estado português nisto? Para além do IMI, sempre que pago a hipoteca, o estado cobra imposto de selo, e depois há o IRS que era de 28% sobre a renda líquida, mas agora baixou para 25%. A renda líquida em Portugal é a renda que recebo menos as despesas, que incluem despesas de manutenção, despesas de condomínio, 15% dos juros que pago pelo empréstimo, etc.
Vamos a contas para ver se rendas acessíveis em Portugal faz sentido. Imagine-se uma casa que já está paga e que se coloca a arrendar, logo não há despesas com hipoteca, apenas as despesas de manutenção, seguro, o IMI e depois o IRS. Alguém que queira colocar essa casa a arrendar tem de fazer algumas obras para a colocar no mercado. Uma lata de tinta custa 25 a 50 euros, segundo o Leroy Merlin. Mão de obra é acima do salário mínimo para este tipo de arranjos, mas suponha-se que se contrata alguém por uma semana para fazer as obras. Se se pagar o salário mínimo a essa pessoa (760 euros/mês vezes 14 meses, a dividir por 52 semanas), o total é pouco mais de 200 euros por essa semana. Ao trabalho adiciona-se os materiais: só para se pintar tudo vai ser uns 100-200 euros ou mais porque também há pinceis, rolos, etc. Ou seja, o custo de meter a casa no mercado é pelo menos um mês de uma renda de 300-400 euros. (Estou a ser bastante optimista, um ano tive de fazer obras no apartamento em Portugal e ficou em 527 euros.)
Se se usar uma agência para encontrar um inquilino, eles ficam com o primeiro mês de renda, logo já perdemos dois meses de renda para despesas iniciais. O IMI mais o seguro de propriedade custam mais um mês de renda, logo o senhorio já perdeu uns 3 meses. O IRS a 25% da renda líquida vai incidir em 12 meses menos 3 meses de depesas e impostos de propriedade, ou seja, o estado leva 2,25 meses. No primeiro ano que a casa está no mercado as despesas e os impostos levam quase meio ano da renda ou mais. Se os inquilinos derem problemas e for necessário ir a um advogado, a taxa à hora é de 55-150 euros/hora. Conclusão, não faz sentido comprar uma casa para a meter a arrendar a uma renda acessível porque não se faz dinheiro para cobrir os custos do imóvel.
Nos EUA, tive uma propriedade arrendada que custou 98 mil dólares em 2004, ou seja, mais barata do que o meu apartamento em Portugal. A renda cobrada variou entre 600 a 800 dólares por mês. Em 2014, quando vendi a propriedade, o seguro e o imposto de propriedade custavam $1600 por ano, ou seja, uns dois meses de renda. Nessa altura já tinha uma agência que me geria a propriedade e cobrava 10% da renda. As obras para meter a casa a arrendar variaram entre 350 a 1000 dólares, mas quando se arrenda, os inquilinos fazem um depósito normalmente igual a um mês de renda e esse dinheiro é usado para pagar as obras, se houver obras a fazer. Se os inquilinos tratarem a casa bem, não são necessárias obras e o dinheiro é devolvido aos inquilinos. O senhorio só paga obras que não forem cobertas pelo depósito. Por lei, o depósito das casas arrendadas tem de estar numa conta à ordem à parte e só é usado quando os inquilinos saem.
No sistema americano, há outra diferença enorme e que é o cálculo da renda líquida para efeitos de impostos. Nos EUA, 100% dos juros são deduzidos da renda colectável e, para além disso, o valor da casa também pode ser amortizado. Se a propriedade dá perda depois de se considerar todos os custos, as perdas transitam para o ano seguinte e o estado só começa a receber impostos quando a propriedade começar a cobrir todas as despesas incluindo o custo de aquisição. Segundo me informaram, este detalhe da amortização em Portugal não está disponível para os pequenos senhorios, mas as empresas comerciais de imobiliário têm um sistema mais semelhante ao americano. Obviamente, essas empresas não têm grande interesse em negociar em casas de rendas baixas porque têm mais retorno se se especializarem em casas de renda mais cara.
Por mais voltas que o governo dê, não faz sentido nenhum falarem em rendas acessíveis quando o obstáculo principal é a carga fiscal a que os pequenos senhorios estão sujeitos, mais uma política de salários baixos. Baixar o IRS de 28% para 25% para um senhorio como eu reduz o IRS em 50 euros por ano. Isso dá para quê? Uma lata de tinta ou um hora com um advogado. Quem não tem a casa arrendada não a vai meter a arrendar para não pagar ao estado 50 euros por ano.
Agora tiveram a ideia de obrigar as pessoas a arrendar as suas casas. Vão obrigar como, exactamente? Basta meter uma cama e ir lá dormir uma semana por ano ou aos fins-de semana e a casa já não está vazia, é uma casa de férias.
Um bocadinho confuso.
ResponderEliminarHá outras opções para os pequenos proprietários (com baixos rendimentos), que baixam os impostos.
Se fizer englobamento de rendimentos, pode até não pagar nada, dependendo de outros rendimentos.
Os contratos de longa duração também baixam significativamente os encargos.
Enfim, comparar os impostos em Portugal e nos EUA, não faz muito sentido.
O estado português assume outras obrigações, nomeadamente na saúde e na educação.
São sociedades diferentes (cada uma com os seus prós e os seus contras) e uma organização do estado também muito diferente.
E níveis de fuga aos impostos também muito diferentes.
Também por isso, por haver tanta fuga, em Portugal, a classe média, que é quem paga a parte de leão, paga mais do que devia pagar.
O estado americano também tem obrigações na saúde e na educação. Os idosos têm o Medicare, as mulheres e crianças têm o Medicaid e, com o Obamacare, o estado federal subsidia acesso a seguro de saúde para os americanos; também há programas a nível estadual/local. A educação nos EUA também é financiada pelo estado tanto federal, como local. Ao contrario de Portugal, os alunos americanos até ao fim do secundário nem sequer pagam livros. Em Portugal para além da fuga de impostos, há também bastante corrupção. Os níveis de impostos são diferentes porque os americanos acham que o papel do estado é criar condições para o sector privado gerar crescimento. Em Portugal, pensa-se que é o estado que gera crescimento.
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