Os homens caçavam juntos, mas na
partilha tinham de se separar. Com o reconhecimento dessa partilha, começa a
justiça. A sua regulação é a primeira lei. Todos têm direito a comer, mas todos devem contribuir também para obter a comida.
Quem tem direito ao javali? Quem
come as melhores partes? A que parte têm direito as mulheres, as crianças, os velhos? Cada tribo tinha as suas regras. Hoje, como há milhares de anos, há
muitas maneiras de regular a partilha do javali. Todavia, socialistas, liberais
ou conservadores estão todos de acordo num ponto: para haver distribuição, primeiro
tem de haver produção.
A esmagadora maioria das pessoas está ocupada com a
produção de bens de todo o tipo. Mas a distribuição correu mal, dizem os
socialistas – e o conteúdo do socialismo, de forma simplificada, reduz-se a
este argumento.
De qualquer maneira, toda a gente venera a produção.
Hoje, aos olhos da maioria das pessoas, a produção assumiu mesmo um carácter
sagrado. Donde vem essa veneração? Em que ponto na história da humanidade
começa a aprovação da produção? Esse ponto não existe, diz-nos Elias Canetti. Ou melhor, esse ponto
remonta tão longe no passado, que qualquer tentativa para o situar
historicamente é infrutífera.
No seu “Massa e poder”, Elias
Canetti fala nas “matilhas de multiplicação”. A hybris da produção remonta à matilha de multiplicação. O homem sentiu-se, desde sempre,
fascinado pelos animais que viviam juntos em grande número. Ao observar os
lobos, os cardumes de peixes, os enormes enxames de insectos, o homem aprendeu o
sentido da multiplicação. A multiplicação transformou-se num desígnio.
No mundo moderno, graças às
máquinas, a multiplicação de bens e pessoas cresceu imensamente. Mas a
distribuição continua a ser “o verdadeiro objectivo de todos os movimentos
interessados na actividade humana em comum e na existência humana de um modo
geral.”
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