sábado, 4 de junho de 2016

Uma coisa patológica

Na semana passada, na sequência de uma série de entrevistas, cheguei a suspeitar que acusassem Francisco Assis de traição. Erro meu. Não me lembrei de outro tipo de acusação, com uma longa tradição em Portugal e na esquerda em particular. Desde, pelo menos, o Marquês de Pombal que os críticos do governo são tidos como loucos, a precisar de urgente internamento psiquiátrico. Na I República, esse método também foi bastante utilizado. Não perceber a bondade das políticas do Partido Republicano era um evidente sintoma de loucura e vários críticos foram internados para o seu próprio bem e da pátria.
Ontem, no congresso do PS, André Freire viu as recentes declarações de Assis como “uma coisa patológica”. Assis “tem um trauma”, parece que “está parado no período entre guerras” e “nem reparou no Kruschov”, prosseguiu o politólogo no seu diagnóstico. Afinal, Assis não é um traidor, é apenas um caso patológico. Nada que não se resolva com um tratamento adequado.

3 comentários:

  1. Caramba, Ó José Carlos Alexandre, você quer por força contribuir para a martirologia. Ora são processos de traição, ora são agora internamentos psiquiátricos. Isso do "patológico", "trauma" etc, são expressões banais e comuns na politica, como noutra coisa qualquer. Eu dou-lhe tantos exemplos à esquerda, como à direita, como na forma como nos tratamos no dia a dia em discussões parvas. Olhe, o Sócrates fartou-se de ser acusado de patologias várias. Nunca vi tanto diagnóstico psiquiátrico num homem só. Nunca notou? Pronto, mas não perca a esperança de um dia acertar mesmo num processo nazi ou estalinista de fuzilamento ou internamento ;)

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  2. Li ainda há bocado e nem queria acreditar. Por duas razões. Já seria grave que qualquer pessoa, militante ou não, fosse a um congresso de um partido com uma linguagem "médica". Acontece que esta afirmação vinda de André Freire, um académico encartado, é muito mais grave vinda de quem passou a vida a estudar teoria política, comportamentos eleitorais, instituições e reformas políticas. Sempre desconfiei que ele não tinha aprendido grande coisa, mas agora tenho a certeza.
    Maria Teresa Mónica

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  3. A psicologização e a psiquiatrização do quotidiano, expressões usadas, em público, por um psicólogo e por um psiquiatra, respectivamente, quase só levam a enganos e a auto-enganos, alguns deles por parte de profissionais dessas mesmas áreas e das bruxas que dão consultas na televisão, através do telefone.

    Por mim, quando alguém vai por aí, deixo de ler ou deixo de ouvir, e sempre ressalvando que há quem saiba contar boas anedotas com base nesse método. Desconheço se foi o caso. E, se não foi, passou a ser por força da bela interpretação irónica do José Carlos Alexandre. O politólogo bem poderá agradecer-lhe esta ajuda inesperada.

    Em “O Alienista” (1882), de Machado de Assis (1839-1908) há casos destes…

    Simão Bacamarte, médico fundador do manicómio "Casa Verde", nela internou os "loucos" e, perante as reclamações recebidas, sob a orientação de um “Barbeiro” (Terapeuta desse tempo) libertou-os, tendo internado os "não doentes". Depois, concluindo que se enganara em relação a todos deu-lhes alta e internou-se a si mesmo…

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