Numa análise de ontem no Observador, Jorge Lação, falando
sobre a legislatura do primeiro governo minoritário de António Guterres, disse
que “não foi assim tão difícil tratar dos orçamentos do Estado” com a oposição
à direita. Naquela legislatura, o CDS garantiu a aprovação do orçamento de 1996
e o PSD a aprovação dos orçamentos de 1997, 98 e 99.
Nessa altura, segunda metade da década de 90, para além do
grande objectivo da entrada no euro, partilhado pelo PSD e pelo PS, havia um
outro factor facilitador do entendimento entre os partidos do arco da
governação: a despesa pública continuava a aumentar, ou seja, o que estava em
causa nos orçamentos era a distribuição de um bolo cada vez maior. Os conflitos
eram sobre os sectores que mais beneficiariam com o Orçamento do Estado. Apesar
da importância daquelas questões para o papel do Estado e para o desempenho da
economia (com as consequências que hoje conhecemos), aquele enquadramento colocava
as discussões orçamentais entre PS e PSD/CDS noutro plano.
Hoje, com a economia estagnada há 15 anos, altamente
endividada e com um problema de controlo da despesa pública, a política e as
discussões do Orçamento do Estado são muito diferentes do que eram nos anos 90.
Desde 2002 (exceptuando os anos loucos de 2009 e 2010), de forma a garantir que
o Estado continuava a cumprir as suas funções essenciais, em particular o
pagamento das prestações sociais, as discussões orçamentais centraram-se nas
áreas a aplicar os cortes e em quais delas os cortes seriam maiores. Infelizmente,
enquanto a economia não voltar a crescer, não haverá outra forma de fazer
orçamentos em Portugal. O pouco que se vier a dar, como a reposição dos
salários dos funcionários públicos, vai ter de ser compensado com cortes
noutras áreas.
Esta realidade, que é reconhecida pelo PS na sua Agenda para
a Década, muda tudo na forma de fazer política. Ou devia mudar. Assumir esta
realidade, isto é, a necessidade das políticas de austeridade, exige coragem e
sentido de Estado. Com erros certamente (eu próprio apontei alguns), a
coligação PSD/CDS deu isso ao país. Apesar das diferenças no seu programa, confesso
que também espero essa coragem e sentido de Estado do PS. Mas sabemos – porque
eles nunca o esconderam e continuam a não esconder - que do BE e do PCP só vêm
promessas populistas, próprias dos regimes que se aproximam do seu fim – e pelo
qual eles anseiam, o que também não escondem. Que o PS, com independentes como Mário Centeno e Manuel
Caldeira Cabral, aceite tomar esse caminho é algo em que eu ainda não consigo
acreditar.
Os interesses de Portugal aparecem, na melhor das hipóteses, como a terceira prioridade de António Costa, depois de salvar a sua pele e dos interesses do PS (leia-se: distribuir os tachos que há para distribuir pelos boys). Marques Mendes colocou uma questão pertinente que ninguém coloca a Costa: se o PS tivesse ganho as eleições com maioria relativa, para que lado se virava nas suas negociações: para a coligação ou para os partidos da esquerda radical? Parece evidente que se viraria para a direita o que diz muito sobre as suas actuais manobras.
ResponderEliminaré sem dúvida uma excelente forma de olhar para as opções do PS.
ResponderEliminarPor outro lado, se o PS tivesse ganho com maioria relativa, a direita mostraria muito interesse em ser incluida na solução? Estaria disposta a participar com os agentes atuais?
ResponderEliminarNeste momento, independentemente dos cartas/comunicados para opinião pública (exercício de demagogia de ambas as partes), não vi da PAF interesse em realmente aceitar governar com as propostas (que são, objetivamente, da área ideológica da social democracia) propostas pelo PS OU contrapor-lhe propostas objetivas (que também não foram propostas na campanha) ou sequer indicar porque não podem ser usadas (as opções rejeitadas foram-no sem explicação). A ideia que me ficou é que aparentemente a ideia será governar "à vista", esperando ser apeada e atirar o ónus para a oposição que "não deixou governar".
... a pox on both houses...