sábado, 24 de outubro de 2015

Costa apoia Cavaco Silva?

Mencionei atrás o que António Costa disse depois de Ferro Rodrigues ter sido eleito Presidente da Assembleia da República hoje:
"Em democracia o mérito não se apura pelo resultado dos votos", mas sim pela "qualidade, a convicção e dignidade com que cada um trata o combate político".

Fonte: Jornal de Negócios, 23/10/2015

Há pessoas que dizem que o Presidente da República ao indigitar a PàF como governo foi contra a vontade de 62% dos portugueses. No entanto, Ferro Rodrigues foi eleito Presidente da AR com 120 votos em 230, ou seja, 52% do parlamento. Desapareceram 10% de votos que apoiavam o PS e a sua "coligação" de repente... Esta coisa de inferência fora da amostra é uma coisa muito chata.

O mais curioso, no entanto, são mesmo as observações de António Costa. É que a implicação lógica do que ele disse é que não é necessário ter mais de 50% dos votos para ter "mérito". Sendo assim, como é que ele pode justificar o seu próprio "mérito" para ser Primeiro-Ministro com uma suposta "coligação" que teria mais de 50% dos votos se existisse? Ele disse que não era necessário ter os votos, bastava "qualidade e dignidade".

Ele tem razão numa coisa: isto da "dignidade" é uma coisa muito pertinente. Portugal é uma democracia constitucional em que o Presidente da República tem o dever de defender a Constituição da República Portuguesa (CRP) que diz, no seu artigo primeiro:

Artigo 1.º
República Portuguesa
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Parece que, ao contrário do que diz António Costa, a vontade popular tem de ser respeitada, mas perdoemos-lhe essa falta pois não lhe cabe a ele defender a CRP. No entanto, notem que lá está também a palavra "dignidade" outra vez: a tal coisa de "dignidade da pessoa humana".

Note-se que não é necessário ter apenas o voto popular, é necessário também respeitar a "dignidade da pessoa humana" e a "construção de uma sociedade livre". O PS tem intenções de formar uma coligação com o PCP e o Bloco de Esquerda. Sabemos que as ideias do PCP violam o primeiro artigo da CRP. Diz o PCP a propósito do caso de Luaty Beirão em Angola:

Portugal não deve ser instrumento e servir de plataforma para a promoção da ingerência contra um Estado soberano”.

Quando eu ouvi falar das circunstâncias de Luaty Beirão e dos seu companheiros, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a história dos dois indíviduos que foram presos durante a ditadura portuguesa por fazerem um brinde à Liberdade, em Lisboa. Foi esse caso que inspirou a criação da Amnistia Internacional. Se um grupo de pessoas em Portugal fizesse o que os cidadãos angolanos fizeram em Angola, o PCP consideraria isso "ingerência contra um Estado soberano".

Expliquem-me lá como é que o que foi feito em Angola a essas pessoas está de acordo com o princípio da "dignidade da pessoa humana" e "sociedade livre" que rege a Constituição e Democracia portuguesas e como é que pode um partido que quer governar Portugal não condenar tal acção, dado o texto da actual CRP? Se aparecer uma coligação em que um membro viola esse princípio e que pretende governar Portugal, não caberá ao Presidente da República Portuguesa o dever de a rejeitar?

4 comentários:

  1. Rita, se o "mérito" fosse critério eleitoral, o parlamento estaria quase às moscas. Uma coisa é direito ou legitimidade, outra coisa é o mérito. E se o ideal é os dois serem sobreponíveis, infelizmente na política (e noutros campos) muitas vezes não o são.

    Quanto ao caso do Luaty Beirão, é verdade que a posição do PCP foi vergonhosa, mas o Governo não ficou atrás e andou a assobiar para o lado até há pouco. O único partido (se excluirmos Ana Gomes que é quase um partido à parte) que se tem manifestado publicamente contra a situação é o BE e o fez na abertura da Sessão Legislativa.

    Fosse isto um país "decente", nunca a EDP ou a REN seriam Chinesas, nem a Galp (com mais ou menos Amorim) Angolana. Porque se o dinheiro não tem cheiro, às vezes deveria ter.

    Mas regressando ao assunto original, eu não tenho grande "apreço" por António Costa. Aliás, nem sequer tenho grande apreço pelo Partido Socialista como um todo. Mas a situação actual tem um culpado acima de todos os outros: o Presidente da República em quem, aliás, eu votei duas vezes. A falta de habilidade política, demonstrada desde logo no dia 5 de Outubro ao "convocar" PPC para formar Governo antes sequer dos resultados eleitorais deu uma tábua de salvação a costa. Que se agarrou a ela como uma lapa.

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  2. Repara, quem mencionou o "mérito" em detrimento dos votos foi António Costa depois de alguém ganhar uma eleição por votos. Se isto não é o cúmulo do ridículo, não sei o que seja...

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    1. Sim, de acordo nisso. O meu ponto era outro: falar de "mérito" para lugares elegíveis é sempre um contra-senso.

      Quanto a ridículos, mais vale ficares sentada e com bloco de notas na mão, porque vão continuar em catadupa nos próximos tempos. Triste país o nosso, às vezes...

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  3. lol...
    Convém ler o que a jornalista intercalou entre as citações!
    Pois...
    Segundo a jornalista Filomena Lança, António Costa referiu-se ao "mérito" quando se dirigiu expressamente ao vencido, ie, tratando-o de modo respeitoso, dizendo que não se trava de desvalorizar a sua pessoa (Fernando Negrão) nem o seu mérito.
    Só a seguir se referiu ao mérito de Ferro Rodrigues.
    Vamos lá então datar isto tudo um bocadinho mais longe da guerra fria!

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