Achava (e continuo a achar) muita de revolta quanto ao Trump extremamente excessiva, principalmente fora dos EUA. Sendo que a grande maioria da mesma vem de pessoas “de esquerda” torna-o ainda mais desmesurado, principalmente quando muitas destas pessoas são as mesmas que se revoltam quando alguém usa os EUA como um bom exemplo seja no que for. (Quem é que nunca teve uma discussão com alguém em que acaba a revirar os olhos após a pergunta inevitável: “Mas os EUA são um bom exemplo porquê?”, ou qualquer variação da mesma?)
Atenção! Estou plenamente solidário com os meus amigos americanos. Tenho pena que o país deles esteja prestes a sofrer um retrocesso de anos ou décadas nos direitos de milhões de pessoas, sejam elas mulheres, imigrantes, ou quaisquer outros. Ainda assim, seja o Trump tão mau quanto muitos prevêm, os EUA continuarão a ser um dos melhores países para uma mulher nascer. É um pouco (ou talvez muito) triste que a indignação pelo facto de as mulheres americanas estarem prestes a perder alguns dos seus direitos seja tão mais profunda (ou pelo menos histérica) do que a solidariedade (activa) pelas mulheres por esse mundo fora que podem não ter acesso ao mercado de trabalho, podem não ter liberdade para escolher com quem se casam ou podem até ser compradas e vendidas. Mas hoje em dia, o importante parece mesmo ser por quem os sinos dobram. Ou ter a certeza que toda a gente sabe que os dobramos. Ou talvez nem tanto, porque para muitos os sinos nem sequer chegam a dobrar.
Posto tudo isto, este post é maioritariamente para fazer uma mea culpa. Enganei-me profundamente. Argumentei durante semanas que não era justo ou muito lógico esperar que o Trump cumprisse (todas) as promessas disparatadas que fez na campanha eleitoral. Primeiro, porque nenhum político cumpre metade do que promete. E segundo porque o Trump tratou as eleições com um concurso de celebridades - e portanto seria porventura ainda menos provável que seguisse a maior parte das suas promessas do que qualquer outro politico. O problema na minha lógica foi não considerar que, neste caso, como em quase todo o que diz respeito ao Trump, a lógica inversa se aplicava: que, por ele ser tão diferente de todos os políticos "normais", em vez de cumprir menos promessas que o politico "normal", poderia passar a cumprir TODAS as promessas. NA PRIMEIRA SEMANA. Aqui fica a lista dos meus argumentos, e da triste realidade que sublinha a minha ingenuidade:
- O muro: O meu argumento era que ele ia adiar a coisa, até chegar ao impasse quanto ao financiamento e dizer “Pronto, pelo menos tentei!”, e acabar por só apertar um bocado as regras de emigração que, não sendo algo que apoie, não é propriamente apocalíptico. Parece que afinal o muro é mesmo para construir. JÁ!
- As mulheres: Os direitos das mulheres, e a própria retórica sobre género estavam condenados a sofrer. Uma erosão tão rápida e fulminante, era o pior que se podía esperar. Pelo menos até ele começar a agarra-las pela co** em jantares de estado. (As odds estão a 5-1 a favor de ele implementar um novo "aperto de mão" para as mulheres do staff dele antes do Natal).
- O sistema eleitoral: depois de ganhar, era certinho (achava eu) que deixasse o sistema em paz. Porque ninguém se queixa da arbitragem quando ganha o jogo. Afinal quer investigar a potencial fraude que, a comprovar-se justifica segundo Trump uma mudança (ninguém sabe bem qual) sobre as regras eleitorais. A brincar a brincar, é assim que (quase) todos os ditadores começam.
- A imprensa: Achava eu que, com a ajuda da economia, ia andar mais sossegado nos primeiros tempos a inaugurar e visitar coisas, e queixar-se só de vez em quando. Em vez disso, em menos de uma semana a relação deteorou-se ao ponto de haver “factos alternativos” e ter terminado com a comitiva de imprensa que antes viajava com o presidente para todo o lado. Isto para não falar dos ataques à CNN ou as conspirações sobre o número de pessoas na inauguração. A sorte é que com a Internet, a censura é um bocadinho mais complicada. Já a desinformação...
- Obamacare: Estava com esperanças que tentasse ver-se livre do Obamacare e falhasse. Ainda pode ser que tenha razão, mas saltar-lhe em cima tão rápido é preocupante, ainda que nada tenha sido feito com efeitos práticos significativos de momento.
- O meio ambiente: A minha esperança era que, pelo menos no início, as relações de proximidade com os amigos ricaços lá do sítio fossem menos preponderantes do que se esperaria. Em vez disso, já deu o aval para a construção da linhas de transporte de óleo no Dakota e em Keystone apesar das queixas sobre o impacto ambiental, e um mês depois da Army Corps of Engineers ter concordado estudar localizações alternativas para a construção das mesmas, assim como um estudo de impacto ambiental (inexistente até à data!)
Em 2017, as únicas coisa que parecem desaparecer mais rápido que o meu (relativo) optimismo são as as hipóteses do Sporting ganhar o campeonato.
Por isso, aqui fica: Estava redondamente enganado. As minhas desculpas.
Bem-vindos ao Trumpocalipse.
Bem-vindos ao Trumpocalipse.
Gaminha, a minha indignação não é pelas mulheres americanas per se, é por isto representar um grande retrocesso que pode (e sem alguma contra-acção provavelmente vai) reflectir-se na nossa cultura na Europa. Um aparte, pensa lá se fosse maioritariamente masculina chamavas à indignação das mulheres outra coisa que não "histérica".
ResponderEliminarPrimeiro, o meu histerismo aplica-se à reacção ao Trump em geral, e esta em particular. Se tu achas que só uso a expressão por estar a falar de mulheres, o problema é teu. É mentira, quer tu acredites ou não. A menos que sejas fã de factos alternativos, é claro.
EliminarE além do mais, os EUA nunca foram o maior exemplo de direitos quer das mulheres quer dos cidadãos. Os EUA podem liderar o mundo no que toca a poder económico ou bélico, mas em termos morais normalmente não são o exemplo. Não foram os EUA os primeiros a abolir a escravatura. Não foram os EUA a eleger a primeira mulher como líder de estado (muito menos uma lésbica). Que ideologias, ou filosofias dignas desse nome é que nasceram nos EUA? Nem o capitalismo é uma invenção americana, longe disso. Posto isto, se eles não lideram, custa-me acreditar que nos vão arrastar para trás.
Agora chamem-me Trump supporter se quiserem, mas apesar do Trump ser o worst case scenario, não significa que o mundo está perdido. Embora possa parecer de vez em quando.
PS: Apaguei o comment antes pq achei que tinha feito cut para fazer paste, e depois descobri que afinal não. Daí o atraso na resposta.
PPS: O meu português está tão bom que escrevi FISOLOFIAS. Que diga-se é bem capaz de ser a melhor palavra inventada em 2017.
Sim, acredito que não o faças conscientemente.
EliminarNão digo que os EUA liderem o mundo em termos de direitos humanos (nem perto disso!) mas não podes negar que a cultura (e o discurso) americano tem impacto na nossa cultura. Da mesma forma que têm outras culturas que nos são próximas de uma forma ou outra (as políticas de materinidade/paternidade têm impacto nas discussões das nossas, as crianças que crescem a ver a política europeia a ser liderada por uma mulher, etc.). Fico preocupada da mesma maneira que ficaria(ei?) se alguém com o discurso da Le Pen seja eleita para a posição de maior poder num país como a França.
Mas acho que isto é uma conversa pra continuar quando for a Genebra:)
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ResponderEliminarOcorreu-me ontem que, eventualmente, ele acabará a mandar um tweet para quem votou nele a chamar-lhes de preguiçosos e mal-agradecidos, quando não conseguir empregar mais de 90 milhões de pessoas como ele prometeu. Então a construir muros e gasodutos, a perseguir imigrantes ilegais, etc., com certeza que acha que acabará com o desemprego.
ResponderEliminarA este ritmo o défice americano vai fazer o grego parecer coisa de meninos daqui a um ano ou dois.
EliminarFico tão irritada quando ouço o pessoal dizer que isto é ser Keynesiano. O Keynes defendia gastar quando a economia estava em recessão. Gastar quando a economia está perto do pleno emprego e não gastar quando está em recessão, como fazem os Republicanos não é uma receita Keynesiana; é mais parecido com sangrar os doentes, como se fazia na Idade Média.
EliminarE a FED? Vai servir de bengala ou ...?
Eliminar"A este ritmo o défice americano vai fazer o grego parecer coisa de meninos daqui a um ano ou dois."
ResponderEliminarNão é garantido que o consiga diretamente... A forma como está a "governar" é por ordens executivas, que segundo me parece não podem ter criar novas responsabilidades orçamentais não consideradas. Ou seja, para novas despesas, o Congresso vai ter de aprovar o orçamento. Isso significa que o Trump vai dizer "façam" e depois, se o Congresso fizer a "glória" fica para o Presidente (que nunca se preocupa com o preço até porque sempre fez as coisas com "other people's money"), se o recusar encontrou o bode expiatório... Não é diferente do modelo de negócio que ele "vendeu" nos livros, ou o usado pelos "patos bravos".