Diz o Alexandre que as democracias modernas medem-se pela forma graciosa como se perde. Não sei de onde saiu esta ideia de democracia, mas não é a mesma ideia que os americanos têm. George W. Bush foi Presidente depois de um processo em Tribunal: Bush vs. Gore. Adivinhem quem iniciou o processo... Pois foi: George W. Bush e Dick Cheney. Porque é que o Alexandre não acusa este dois de falta de graciosidade e de serem anti-democratas?
Será que os portugueses não se recordam que Clinton teve um impeachment por ter pseudo-sexo na Sala Oval (foi salvo de deposição pelo Senado)? E Nixon foi deposto por um impeachment. Donald Trump, que hoje é Presidente, foi a favor de se fazer um impeachment a George W. Bush, ergo, de acordo com o critério do Alexandre, Donald Trump é anti-democrata!
Quem conhece a história dos EUA não pode defender que a democracia americana é uma de submissão e aceitação do governo. Basta pensar nos discursos de Martin Luther King, Jr., que organizou manifestações e usou "non-violent civil disobedience", para se inferir que manifestar-se pacificamente é parte integral de se ser americano. MLK foi assassinado a discursar para uma multidão na varanda do Lorraine Motel, tentando avançar os direitos dos cidadãos negros. O aniversário de Martin Luther King, Jr., é feriado federal nos EUA. O que é que isso vos diz? Que MLK era anti-democrata?
Mais recentemente, os americanos elegeram um "community organizer", Barack Obama, para Presidente duas vezes. Donald Trump também defendeu a teoria de que Obama não devia ser Presidente porque não tinha nascido nos EUA (nasceu no Havaí, que já era EUA). No entanto, a mãe de Obama era americana, logo ele podia ter nascido na Lua e teria sido um natural born citizen porque nasceu depois de 1934, ano em que as mulheres americanas começaram a poder passar a sua cidadania aos filhos. Mais uma vez, perguntemo-nos se não será Trump anti-democrata por ter feito campanha contra Obama?
Quem vive nos EUA ouve, frequentemente, histórias e episódios de movimentos que envolvem manifestações: o Civil Rights Movement, o sufrágio das mulheres, os direitos da comunidade LGBT, protestos contra guerras, etc. Muitos dos direitos que os americanos hoje têm não foram criados por decreto, foram conquistados com o sangue e o suor de muita gente -- gente que estava disposta a morrer por estes ideais.
Por exemplo, o Freedom Summer: um movimento organizado em 1964, no qual jovens do país inteiro foram recrutados para ir ao Mississipi recensear cidadãos negros. Nesse movimento, 80 voluntários do programa foram agredidos, 37 igrejas e 30 residências e negócios de cidadãos negros foram incendiados ou sofreram atentados à bomba, quatro voluntários foram mortos (um em acidente de carro, três assassinados), quatro pessoas foram feridas e ficaram em estado grave, e pelo menos três negros do Mississippi foram assassinados por apoiarem a causa dos Direitos Civis. Ainda hoje não se sabe ao certo que pessoas morreram durante o Civil Rights Movement, estima-se que sejam 115, mas ergueu-se um monumento em sua honra.
A Primeira Emenda da Constituição americana garante-nos o direito de nos organizarmos pacificamente e de nos expressarmos livremente:
"Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances."
E a Segunda Emenda garante o direito de possuir armas, sendo uma das justificações para não se mexer nesta emenda o medo de haver um governo tirânico nos EUA. O GOP é um defensor acérrimo desta emenda.
Nos EUA, todas as crianças e pessoas naturalizadas americanas são ensinadas a Pledge of Allegiance (1892):
"I pledge allegiance to the Flag of the United States of America, and to the Republic for which it stands, one Nation under God, indivisible, with liberty and justice for all."
Quando me tornei cidadã americana, foi esse o compromisso que assumi com a República americana, sou fiel a ela e ao que ela representa: uma nação indivisível, com liberdade e justiça para todos. Não jurei fidelidade a um Presidente, nem a um governo, que não respeite estes ideais, logo é meu dever enquanto cidadã levantar a voz, de acordo com os direitos que me garante a Constituição americana, contra governos que não sigam estes princípios.
É natural que em Portugal as pessoas não apreciem o que é estar disposto a morrer por ideais; afinal, a Revolução do 25 de Abril de 1974 foi pacífica e quando Mário Soares quis salvar o país de uma ditadura da Esquerda não seguiu o caminho tortuoso de tentar organizar os cidadãos -- contactou os americanos.
Pessoalmente, concedendo que tem todo o direito ao protesto, em particular o pacifico, não sei até que ponto essa estratégia será bem sucedida. O primeiro presidente americano cor de laranja, como li alguém referi-lo, "vive"/depende da polémica à sua volta. Até que ponto a contestação, se não for clinicamente dirigida, servirá para "mobilizar os deploráveis" mais do que para deslegitimar as ações indesejadas?
ResponderEliminarO Alexandre Homem Cristo, como um dos mais genuínos representantes da nova elite iluminada e ultraconservadora da Nova Direita portuguesa, aspira a um mundo asséptico em que a Esquerda (e a contestação) não existam: aliás, coincidente com o velho desiderato salazarista da ausência dos partidos (as partes que partiam Portugal). Há heranças que se transmitem a gerações sucessivas.
ResponderEliminarO Rui Ramos, um dos elementos do informal Bando dos Quatro, que domina e traça as balizas ideológicas do PSD (juntamente com Miguel Morgado, deputado e professor na Universidade Católica, José Manuel Fernandes, o jornalista das bombas de destruição maciça no Iraque e o mentor da fraude das escutas em Belém, e Pedro Passos Coelho, o gestor impoluto da empreendedora Tecnoforma e cabeça de turco da ofensiva derradeira da Direita troglodita contra tudo o que exale o mais leve perfume a 25 de Abril), é o mais esbracejador Nuno Álvares Pereira desta Batalha de Aljubarrota contra o «statu quo» pós-25 de Abril (pautado, embora, pela normalização democrático-constitucional).
As memórias de uma Direita dos privilégios decorrentes do «satu quo» colonial «tsunamizaram» completamente a Direita modernizada, de cariz europeu, reeditando, na forma truculenta do debate e nos resultados finais, uma velha batalha de que os mais velhos se lembram bem, entre a Ala Liberal, de Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota, Miller Guerra, etc., e os duros o regime, cuja figura de proa era o inefável deputado Casal Ribeiro.
"No entanto, a mãe de Obama era americana, logo ele podia ter nascido na Lua e teria sido um natural born citizen porque nasceu depois de 1934, ano em que as mulheres americanas começaram a poder passar a sua cidadania aos filhos. "
ResponderEliminarNão há qualquer coisa de isso só se aplicar se a mãe, depois dos 14 anos, ter vivido 5 anos nos EUA (o que não seria o caso da mãe de Obama, que tinha 18 anos quando ele nasceu)?
Não sei.
EliminarSÃO 2, NÃO SÃO 4 ANOS, logo, teria cumprido o requisito sugerido - dos 14 aos 18 anos são, pelo menos, 2 anos.
EliminarCfr.
Official Website of the Department of U. S. Citizenship and Immigration Services
https://www.uscis.gov/policymanual/HTML/PolicyManual-Volume12-PartH-Chapter3.html
(lido em 26/Jan./2017)
«(...)
A. General Requirements for Acquisition of Citizenship at Birth
(...)
Child of U.S. Citizen Parent and Foreign National Parent
A child born outside of the United States and its outlying possessions acquires citizenship at birth if at the time of birth:
•One parent is a foreign national and the other parent is a U.S. citizen; and
•The U.S. citizen parent was physically present in the United States for at least 5years, INCLUDING AT LEAST 2 YARS AFTER 14 YEARS OF AGE.
(...)»
O artigo contém um erro pontual, ora de "americanice" ou de "tuga" que, se fosse vivo, Mário Soares esclareceria, possivelmente com o seu próprio teclado, e aqui mesmo, neste DdD:
ResponderEliminar"quando Mário Soares quis salvar o país de uma ditadura da Esquerda não seguiu o caminho tortuoso de tentar organizar os cidadãos"
- Ora essa! Ai não, que não organizou...