segunda-feira, 1 de junho de 2015

Brave net world

Em Daredevil, o último grande sucesso da Netflix, Ben Urich é um jornalista íntegro, corajoso, que durante anos denunciou vários casos de corrupção em Nova Iorque. Mas, hoje, neste brave net world, sente-se deslocado. O jornal onde trabalha há muitos anos está a perder audiências e o público parece ter perdido o interesse pelas suas histórias. O chefe diz-lhe para escrever sobre outros assuntos, assuntos que supostamente interessam mais às pessoas. Contrariando as orientações superiores, Urich investiga um processo de corrupção que envolve polícias, juízes, jornalistas e políticos, todos a soldo de Wilson Fisk, o vilão da história. Em desespero, Urich decide criar um blog para denunciar os crimes.
Numa cena entre Urich e o vilão, diz o último:
- E tu pensas que as tuas divagações na internet vão alterar alguma coisa?
- As pessoas sempre procuraram a verdade, e não interessa onde é que a possam encontrar.
- No meu tempo e no teu talvez isso fosse verdade. Hoje, no mundo à nossa volta, as pessoas estão apenas preocupadas com os casamentos das celebridades e em exibir vídeos de gatos nas redes sociais. Mas os assuntos complicados, os assuntos que interessam, exigem demasiada atenção, exigem tempo, e as pessoas perdem-se e distraem-se nos milhares de canais que têm à sua disposição.
- Tenho mais fé na humanidade.
- Também Cristo tinha, se bem me lembro.
Há muito tempo que carradas de especialistas espremem os miolos a tentar perceber quem é que tem mais razão neste diálogo.
A visão optimista acha que com mais educação, informação e meios de comunicação activos e independentes as pessoas tenderão a interessar-se e a envolver-se, cada vez mais, nos assuntos da polis e, dessa forma, poderão contribuir para o bem-comum e controlar melhor o poder.
A visão pessimista acha que esse cidadão ideal é uma ilusão perigosa (no sentido em que só levará a frustrações e a eventuais tiranias); o mundo é cada vez mais complexo, as pessoas não têm tempo, nem competências para perceber a maior parte dos assuntos públicos, e não há educação que resolva este problema. Nesta visão, por exemplo, os blogs e as redes sociais não melhoraram em nada as coisas; pelo contrário, fizeram, sobretudo, vir ao de cima muita da boçalidade, violência e ignorância subterrâneas, que antes, pelo menos, a maioria das pessoas tinha algum pudor em exibir. Fala-se mesmo em rarefacção da tolerância e da democracia.

Nunca se chegou a nenhuma conclusão definitiva sobre este assunto e, provavelmente, nunca se chegará. 

3 comentários:

  1. É por isso que eu só posto fotografias de cães, jardim, e comida no Facebook. E estava tudo muito perfeito até o LAC me convidar para aqui e agora todos vêem os limites do meu conhecimento, que é como quem diz o tamanho da minha ignorância...

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    1. Pelo contrário, Rita, tudo falas daquilo que conheces e falas com piada. Aquelas duas visões são um bocado radicais,embora me pareça que haja alguma verdade em cada uma delas, As pessoas podem interessar-se pelo casamento de celebridades e estar ao mesmo tempo interessadas em perceber, sei lá, o futuro do euro ou do preço do petróleo e das energias alternativas.

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    2. Ah, Zé Carlos, tu és sempre muito gentil.

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