Em
1831-1832, numa visita oficial à América, com o propósito de estudar o sistema
penal americano, Tocqueville teve uma visão reveladora: a razão estava sozinha
no palco. Os filósofos do iluminismo haviam dito aos homens que a razão era a
luz que os libertaria da superstição, dos preconceitos de religião, classe, família. Os homens ficariam assim todos nivelados, não só por uma questão de
princípio, mas também porque nenhum dos seus representantes teria autoridade
intelectual. O direito político postula que bastiões como a igreja e a
aristocracia não podem afectar a opinião dos indivíduos. Assim se removeram os
impedimentos externos ao livre exercício da razão. A democracia exige que cada
um decida por si próprio. E gerou-se um efeito paradoxal. Poucos se adestram no
uso da razão, para além do cálculo de interesse pessoal, estimulado pelo
próprio regime. Os homens sentem-se perdidos. Perderam as antigas fontes da
opinião e não têm tempo, nem capacidade para reflectir sozinhos. Muitas vezes,
não conseguem sequer fazer cálculos sobre o seu interesse pessoal. Como
náufragos, tentam agarrar-se às bóias da tradição e da autoridade, que antes
lhes tinham dado alguma segurança. Mas agora é-lhes dito que, afinal, as bóias
não são bóias, são pesos que os arrastam para o fundo. Desesperados, entregues a si próprios, não têm
outra solução se não deixar-se levar pela corrente, à qual nenhum indivíduo
isolado tem força para resistir. Para Tocqueville, o maior perigo da democracia
é a escravização em relação a essa corrente. Essa corrente chama-se opinião
pública e corresponde à vontade da maioria.
Muito bom. Que perspectiva interessante.
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