76. Anghelescu aproximou-se de Viorica e beijou-lhe a mão direita, como um cavalheiro habituado aos ademanes da alta sociedade.
Desaparecera da sua postura aquele peso do tédio que o fazia escorregar pelas poltronas abaixo ressonando entre garrafas vazias de vinho. Os olhos, cruéis mesmo em tempos de lassidão, faiscavam mais cruéis ainda e as extremidades dos lábios elevaram-se formando um esgar muito distante de ser um sorriso. Entrando pelas janelas, a luz inconstante mas intensa dos raios de uma tempestade violenta juntava-se às luzes bruxuleantes das velas e da lareira. Essas luzes revelaram a espantosa transformação de Viorica. Já não se apresentava como a aldeã de mãos vermelhas e vestido modesto, como a mulher e a mãe de mineiros, sempre de coração na garganta até que via chegar marido e filho a salvo da avidez do buraco negro onde já tantos tinham perdido as suas vidas. Já não transparecia no seu rosto o medo difuso que fazia com que quase se benzesse sempre que olhava pela janela e via o castelo lúgubre ao longe. Nunca se benzia, uma espécie de repugnância travava-lhe as mãos sempre que pensava fazê-lo. O instinto da repulsa por aquele gesto que oferecia protecção era mais forte do que o instinto de implorar por ela. Por trás do medo, inapercebido, escondia-se um orgulho que agora lhe animava o semblante e explicava a altivez com que recebia o beija-mão deferente de Anghelescu. Como se lhe fosse devido. Como se condescendesse em recebê-lo. Como se fosse um costume instalado desde o princípio dos tempos. Usava agora um vestido de seda, negro, mas de tal modo cravejado de diamantes que qualquer sobriedade desaparecia no fulgor das pedras preciosas. O vestido alongava-se numa cauda extensa e também fulgurante. Iluminada por raios e velas, Viorica brilhava, esplendorosa como uma aparição ao mesmo tempo terrível e bela. Sublime. Os cabelos, baços e vulgares nos terrenos baixos da aldeia, eram agora refulgentes, fios de ouro e prata leves como penas emoldurando um rosto branco de porcelana, já sem as cores sãs de quem pendura roupa ao sol, de quem sacode tapetes e varre a soleira da porta. As mãos eram agora também de porcelana, com dedos finos e unhas longas que mais pareciam de cristal do que da matéria dura que nos homens dos baixios as aproximam dos cascos dos ruminantes. Os sapatos, também de seda mas desta vez seda escarlate, calçavam pés delicados que nunca tinham sofrido os calos e as bolhas das mulheres que usavam tamancos duros. Que, muitas vezes descalças, corriam atrás das galinhas. Ou traziam meias de lã grosseira nas estações frias, e ainda assim não escapavam às frieiras. A cintura estreita, a coluna direita, os passos seguros, não deixavam dúvidas quanto à metamorfose.Viorica era agora perfeita.
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