quinta-feira, 2 de junho de 2016

Não percebo

Manuel Araujo, no Observador, relata a saga do Instituto Nun’Alvres, também conhecido por Colégio das Caldinhas. Durante a leitura da peça percebemos que a instituição já foi alvo de muitas tentativas de o estado português a fechar. Também percebemos que, perante todas essas tentativas, o colégio conseguiu sobreviver através da astúcia de quem o dirigia, dos alunos, e da população que serve.

Estamos no século XXI, o estado português, mais uma vez, toma medidas que ameaçam fechar o colégio -- repito: não é novo e, se há instituição que o sabe, é esta -- e parece que os alunos, a população, e a direcção dão-se como vencidos: é desta que o colégio fecha, dizem. Não percebo.

Estas pessoas são, supostamente, mais educadas do que todas as que as precederam, têm mais dinheiro e mais facilidade em angariar fundos, acesso a tecnologia, meios de divulgação de informação muito melhores do que as outras gerações que salvaram o colégio antes, etc., mas tudo isto culmina numa estratégia para salvar o colégio em que se ameaça fechar o colégio de vez, se o estado não o financiar. É isto o progresso? Se isto é o progresso, então acho melhor que esta escola feche de vez.

21 comentários:

  1. Tens toda a razão, Rita. Mas o motivo subjacente a parte destes protestos (e que me parece que transparece nesse artigo) é legítimo: se as pessoas de uma dada área (vamos limitar aos municípios) querem ter influência na gestão de uma escola, é uma aspiração legítima. A "concentração" da gestão das escolas na 5 de Outubro é perniciosa.

    No entanto, essa "devolução" aos locais da gestão escolar deve ser devidamente controlada naquilo que é obrigação do Estado: o Estado deve definir programas/curricula, avaliações e modelo de colocação de alunos. Da mesma forma deve competir ao Estado (à falta de Ordem Profissional) definir as condições de ingresso na profissão e as qualificações necessárias, bem como as normas dos concursos.

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    1. "À falta de Ordem Profissional" caro Carlos Duarte? Mais uma "closed shop"? Eu sei que isto é off-topic, mas as ordens profissionais (que têm, aliás, aparecido como cogumelos)são mais uma restrição da liberdade económica.

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    2. Eu sou um grande adepto da auto-regulação das profissões. E sim, prefiro isso ao "mercado" em questões de responsabilidade e prefiro isso, igualmente, a uma regulamentação do Estado (até por uma questão de agilidade).

      Concordo, no entanto, com os "cogumelos": ainda não percebi a Ordem dos TOC (?) ou dos Biólogos (??). As ordens fazem sentido em profissões cujo o risco de dano para a sociedade é elevado (daí as "clássicas", como médicos, engenheiros ou arquitectos serem óbvias - e daí achar pertinente a dos professores).

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  2. Quando para levar uns (nada astronómicos) 1000€/mês para casa se entregam ~700€ ao estado (e quando ao gastar esses 1000€ desaparecem outros ~150€) torna-se mais difícil esperar que as comunidades se juntem para apoiar monetariamente causas sociais.

    Não faço ideia se esse contrato de associação se justifica, se há alternativas, se essa escola presta um melhor ou pior serviço que as alternativas (e a que custo), etc.

    Mas, mesmo esquecendo a tradição, com a nossa fiscalidade não é fácil pedir a benfeitores (grandes ou pequenos) para apoiarem causas como a desse colégio.

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    1. Pois é, em Portugal, é muito mais glamoroso gastar dinheiro em roupa de marca e carros alemães. Fazer doações a colégios é um grande sacrifício...

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    2. E quando se gastam 1000€ num glamoroso carro alemão ainda mais se entrega ao estado.

      PS:

      Não só não tenho um glamoroso carro alemão, como faço doações regulares a algumas instituições. Não é um sacrifício, e também não pretende ser glamoroso.

      No entanto, contríbuo bem mais para o estado do que faço filantropia, e espero que o meu contributo seja igualmente bem aplicado. Para mim está por demonstrar que a correcta alocação de recursos na educação seja retirá-los ao colégio em apreço para os entregar a uma qualquer escola pública das redondezas, inevitavelmente gerida a partir de Lisboa.

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    3. Eu estava a ser cínica. Lembro-me de ter colegas na universidade que pediam isenção de propinas, quando elas foram aumentadas pela primeira vez, ao mesmo tempo que vestiam e calçavam marcas caras e usavam perfumes que custavam metade de um mês de bolsa académica. Preferências -- como nós aprendemos em Economia...

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    4. Nuno, essa de que quem compra um carro de luxo já tem de pagar impostos ao Estado, e por isso não pode dar, é muito boa. Já me ri um bocado. Fez-me lembrar aquela anedota:
      - Meninos, fizeram a redação sobre a pobreza?
      - Eu fiz, professora. Nós lá em casa somos todos pobres, o meu pai e a minha mãe são pobres, o mordomo é pobre, o motorista é pobre, a cozinheira é pobre, o jardineiro é pobre…
      Portugal tem uma sina desgraçada: todos os portugueses são povrezinhos, coitadinhos, desde sempre, é por isso que nunca tivemos filantropia que se visse, fora um ou outro caso. É uma coisa atávica.

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    5. Quem compra um carro novo em Portugal entrega, com elevada probabilidade, mais de metade do seu rendimento/consumo ao estado. Pode doar, mas será sempre menos do que o estado lhe impõe que contribua.

      Se o estado vai gastar 1000€ meus a educar crianças, antes de mais espero que sejam bem gastos, independentemente de poder doar outros 100 ou 1000€ para o mesmo efeito. A doação não subsitui, porque não pode, o contributo que faço em favor do estado.

      Na minha área de residência acho que os meus impostos têm sido muito bem gastos nas escolas estatais, mas muito mal gastos no jardim de infância camarário. E sinto-me perfeitamente autorizado a opinar sobre a sua aplicação.

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    6. Nuno, eu não falei de si. Não o conheço, não sei quanto ganha, nem me interessa, e não tem de me dar explicações sobre as suas reclamações. O Nuno achou que devia falar em nome dos donos dos carros de luxo e então entrei eu para dizer que Portugal é mesmo um país desgraçado onde parece que não há ricos, nunca houve, nem pessoas suficientemente abonadas para doar, o que justifica que sejamos um povo com uma tradição tão pequena de filantropia. A desculpa do Estado é boa, é, dá agora um jeitão. O Estado que faça, que é para isso que pago impostos, que com o que sobra mal dá para encher o depósito do mercedes. Mas estivemos séculos em que o Estado era quase inexistente. Eu tenho origem numa terra na qual uma pessoa podia nascer e morrer sem que mal lhe aparecesse o estado, seja para o ensino, saúde, etc. Qual a desculpa para a altura? A Divina Providência que trate, que eu já cumpro a minha obrigação ao rezar?

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  3. albertino.ferreira@mne.pt2 de junho de 2016 às 19:25

    O Estado não deve financiar empresas privadas e os colégios cujo fito é o lucro não devem ter ajudas estatais. A troika foi bem clara quanto a isso.Eu estudei sempre em colégios privados que não tinham ajudas, mas apenas os paizinhos que pagavam as propinas e se elas eram bem caras nos anos 60. A Igreja Católica que financie pelo menos os colégios católicos. O Vaticano tem os cofres cheios pelo menos era uma obra de misericórdia em vez de se envolver em negócios estranhos que raiam a ilicitude.

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  4. O colégio dos Jesuítas de Santo Tirso, também conhecido por "Caldinhas" e, em tom jocoso e pelos seus antigos alunos, por "Instituto Nacional do Arroz", devido à sua sigla I.N.A. e ao consumo quase diário daquela planta da família das gramíneas, é uma histórica instituição do Norte de Portugal - diria mesmo, de todo o país.

    Entre os seus antigos alunos conta-se inúmeras figuras públicas, entre as quais, creio, Miguel Sousa Tavares (ou seria o pai?)e Jorge Nuno Pinto da Costa (mas há muitos mais, e mais destacados).

    Um amigo meu, depois de fazer a recruta do serviço militar, comentou: "Ó pá, não me custou nada; afinal de contas, eu estive nas Caldinhas".

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    1. Claro que as figuras públicas que referi, bem como o meu amigo que lá "fez a recruta", andaram lá quando aquilo era um internato, coisa que creio já não é, há anos.

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  5. Detesto este tipo de artigo melodramático.

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  6. Tal como o Manuel Araujo sou um antigo aluno do INA mas não estou tao pessimista como ele. Por várias razoes. Primeiro pela capacidade de resiliência demonstrada ao longo dos anos pela nossa escola e segundo porque é fundamental reformar a educação em Portugal e alargar as oportunidades que nós tivemos a muitas crianças que não as tem. Este debate é necessário e é uma luta muito mais nobre que espero que acabemos por ganhar.
    Concordo com a Gerigonça quando diz que não faz sentido que uns poucos beneficiem de um ensino de qualidade a que outros não tem acesso. O principal problema não é que uns milhares de crianças tenham que passar para o público apesar da inevitável tristeza das famílias. A vergonha é outra. São a grande maioria dos portugueses que não tem um ensino de qualidade apesar do enorme dinheiro que se gasta.
    Como é possível que as escolas com contrato de associação consigam oferecer instalações, ensino, atividades e ainda, em alguns casos infelizes, pagar carros e vidas de luxo a alguns tipos menos sérios, por menos dinheiro que a Escola Publica. Como é possível que se admita este vergonhoso desperdício dos nossos impostos? Está na hora de acabar com a exploração das criancinhas pelo Ministério de Educação e pela Fenprof.
    Não deu para perceber ainda se isto é uma posição de força do ministério para mostrar que há novos donos e que há que vir prestar o devido respeitinho, ou se esta decisão é para levar a avante. Se sim, obviamente que a questão não é o dinheiro (ridículo no orçamento do ministério), nem serão devaneios centralistas ou estalinistas de tudo controlar (há estratégias mais eficazes - cão não morde a quem lhe dá de comer). A razão é a inversa a esta última: eliminar qualquer tipo de controlo. Eliminadas quaisquer veleidades na avaliação de professores, baralhados os exames de aferição, só resta eliminar a comparação com as escolas com contrato de associação. Escolas com recursos parecidos, população escolar parecida, mas que fazem muito melhor.
    Uma das coisas que nunca me esqueci, no INA, foi uma conversa com o padre João Santos que me disse uma vez, quando estava a tentar dar-lhe a volta, que a verdade não carece de argumentos mas sim de demonstração. Não é por acaso que esta discussão é feita no final do ano atirando as escolas para o modo sobrevivência, retirando-lhes as opções de descobrir outras opções de financiamento – pelo curto espaço de tempo – obrigando-os a dar a imagem de mais uns que pedincham do Estado. A ideia é retirar racionalidade à discussão e dar a volta aos portugueses.
    A maior parte das escolas, atualmente com contrato de associação, fazem falta, neste ou noutro regime e merecem que lhes deem tempo enquanto se mudam as regras do jogo.
    Esta na hora de pôr a Geringonça a rolar.

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  7. Inteiramente consigo, Daniel Marques.
    Custa-me é aceitar que pessoas que também desejam o melhor para o nosso país, alinhem como o governo actual (nesta coisa de esganar os colégios com contratos de associação) e não queiram ver o que, verdadeiramente, se está a passar, mostrando-se "bloqueados" por alguns casos censuráveis que conhecem e que existem neste sector, como existem, infelizmente, em muitos outros. E exemplifico com um nome que me deixou deveras surpreendido: Luís Aguiar-Conraria. O que ele escreveu sobre o assunto, mesmo quando pôs reservas à oportunidade da decisão, deixou-me desgostoso

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    1. "E exemplifico com um nome que me deixou deveras surpreendido: Luís Aguiar-Conraria. O que ele escreveu sobre o assunto, mesmo quando pôs reservas à oportunidade da decisão, deixou-me desgostoso"

      Que chatice!

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    2. Que chatice, digo eu, que até pensava que o Luís iria ficar agradado com a minha crítica.

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    3. Sim, é inacreditável que alguém queira o melhor para o país e alinhe com este governo. O superior interesse nacional, aliás, melhor se definiria como a rejeição de tudo o que este governo faz.

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    4. Eu acho este governo mau porque não consigo acreditar na análise que fazem do país e das políticas que propõem. Quanto a medidas específicas, interessa-me duas coisas: que façam sentido e sejam bem implementadas. Acho que a implementação da reavaliação dos CAs está a ser muito má o que diminui e até pode comprometer o objectivo inicial.

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  8. Caro Luís Gaspar, saiba que não concordo com a proposta que faz - o que nos parecer acertado, devemos apoiar; o que nos parece errado, devemos denunciar. Seja com este ou outro governo.
    Mas respeito a sua subtil crítica e não fico chateado...

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