O LA-C disse-me maravilhas do episódio 1 da
terceira temporada da série Black Mirror – o Luís Gaspar também já havia dito o
mesmo no FB. E têm razão. Aquele mini-filme de 1 hora é absolutamente genial.
Num futuro não muito distante, as pessoas classificam-se umas às outras numa
escala de 1 a 5 em quase tudo o que dizem e fazem. Qualquer comentário ou gesto
pode ser classificado imediatamente com um simples clique no telemóvel. O reino ou tirania da likability extravasou as redes sociais online e está agora em todo o lado. A
hierarquia social é formada em função da média que cada um obtém. E a classificação de cada um vai subindo e descendo. As pessoas esforçam-se ao
máximo para ser simpáticas com toda a gente, mesmo com aqueles que se
cruzam esporádica ou acidentalmente , na esperança de obter mais um 4 ou 5. Mais de 4 permite
tratamentos especiais e mais de 4,5 abre a porta a uma série de privilégios. Aos
antissociais, com menos de 2,5, estão vedados alguns direitos. Mas o seu maior castigo é o ostracismo a que são sujeitos. Os outros evitam-nos de todas as maneiras. Escusado
será dizer que quase ninguém fica indiferente a esta pressão social permanente.
Na verdade, este sentimento não é propriamente novo. Como dizia Locke, há mais
de 300 anos, nem um em dez mil conseguiria aguentar o desprezo dos seus vizinhos.
Provavelmente, com as redes sociais online, o que se alterou foi o conceito de
“vizinho” e “amigo”, que se tornaram mais difusos.
Lacie é boa rapariga e esforça-se para agradar aos
outros, inclusive a alguns idiotas e sacanas. A sua classificação anda nos 4,2 e precisa de chegar aos 4,5 para obter
um desconto especial de 20% na renda de uma casa de sonho. Recorre a um
especialista na matéria que lhe explica que tem de ser genuína e aproximar-se
dos líderes, os tais que têm pontuações acima dos 4,5. E Lacie, por exemplo, examina as páginas dos líderes e vê o que eles postam. Beijos apaixonados à beira-mar,
festas, imagens de exercício físico, viagens, comida, etc. É a partir daqui que
começa a queda livre desta rapariga simpática e insegura. Não vale a pena
contar o resto dos pormenores. Mas o filme acaba com um libertador FUCK YOU,
soltado aos berros, e com um sorriso franco nos lábios da personagem principal.
Tocqueville dizia que a paixão pelo bem-estar é a
mãe da servidão. E não há maior prazer do que poder falar, agir e respirar sem
constrangimentos “sob o único governo de Deus e de suas leis”. A liberdade vale
por si própria. Os que a amam verdadeiramente não é pelos bens que ela pode
dar; amam-na por a considerarem um bem tão precioso “que nenhum outro poderia
consolá-los pela sua perda”. De
qualquer maneira, acrescentava o génio francês, temos de renunciar a explicar
este prazer às almas servis e medíocres que “nunca o sentiram”. Lacie deu cabo
da sua pontuação, mas, provavelmente, nada a havia feito sentir tão bem na vida
como aquele FUCK YOU.
Posso assegurar que, de vez em quando, um "Fuck you" no Facebook sabe mesmo muito bem!
ResponderEliminarFoi mesmo das melhores coisinhas que vi nos últimos anos. É um grande tratado sobre a conformidade. Todos os vias vemos aquilo acontecer, no escritório, no telejornal, no facebook, até na fila para o autocarro, mas ali são visíveis os fiozinhos por trás das marionetas.
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