Uma das discussões que tenho acompanhado ultimamente é a questão do retorno de investimentos por via de fundos activos (em que há um gestor que activamente procura melhorar o retorno) vs. fundos passivos (fundos que são construídos para serem representativos do mercado ou de uma porção do mercado e que não estão sujeitos a gestão activa). Os investidores activos compram e vendem no mercado de forma a explorarem falhas de mercado -- muitas vezes, a falha que exploram é assimetria de informação -- e acabam por ter um papel importante em dar informação ao mercado e em ajudar os preços a reflectir essa informação, pois os preços são o mecanismo condutor de informação no mercado. Os fundos passivos são free-riders dos fundos activos, pois apenas imitam o mercado, e os preços actuais de mercado reflectem a informação que os fundos activos dão ao mercado: ou seja, têm o proveito sem ter de gastar dinheiro a descobrir informação e a arriscar com base no que descobrem.
No último podcast do Odd Lots, Michael Mauboussin, que trabalha no departamento de estratégia do Credit Suisse, tem uma perspectiva bastante interessante acerca do tópico de investidores passivos vs. investidores activos. O retorno de um investimento é o produto de sorte e de qualificação técnica (skill, em inglês) e, para ajudar a pensar no caso, ele simplifica o acto de investir equiparando-o ao jogo de póquer. Num jogo de póquer, também há o factor sorte e a técnica do jogador. Se há jogadores com técnica avançada a jogar com jogadores maus, é provável que os jogadores bons consigam ganhar aos jogadores maus consistentemente (notem que consistência é diferente de certeza). Se todos os jogadores são bons, então o factor técnica deixa de ser importante porque é difícil explorar assimetrias de informação quando todos os participantes no mercado têm informação parecida e o factor sorte torna-se determinante.
Se pensarmos nos gestores de fundos de investimento activos como sendo tecnicamente mais sofisticados do que os pequenos investidores, então num mercado em que há bastantes pequenos investidores, como foi o caso do mercado financeiro dos anos 2000, na altura das bolhas de tecnologia e de imobiliária, espera-se que os pequenos investidores sofram mais perdas porque são tecnicamente menos sofisticados e porque têm acesso a menos informação. Ao fim de algum tempo, como resultado das perdas sofridas, os pequenos investidores abandonam o investimento directo no mercado, mas podem não abandonar o mercado completamente, decidindo investir através de fundos activos ou de fundos passivos.
Mais uma vez, na escolha destes dois tipos de fundos, a técnica importa: para um pequeno investidor escolher os fundos activos necessita de alguma competência técnica, pois o desempenho de um fundo activo depende do desempenho do gestor e das suas características, e.g., idade, competência técnica, apetite por risco, conhecimentos do mercado em que investe, etc. Muitos pequenos investidores escolhem os fundos olhando apenas para a taxa de retorno, mas esta métrica é insuficiente. Por exemplo, a taxa de retorno de um ano pode induzir em erro, dado que é mais fácil obter um bom retorno após uma grande perda, pois o denominador diminui num período e amplia o retorno do período seguinte, logo tem de se ter em conta o retorno durante um período mais longo do que um ano; mas se o fundo tiver sido criado recentemente, a altura em que é criado irá afectar o seu retorno -- o factor sorte é relevante. A variância do retorno é pertinente, assim como a redução (drawdown) máxima, a correlação dos retornos desse fundo com os do mercado ou com outros sectores, fundos parecidos, etc.
A última moda na alocação de dinheiro a investimentos é preferir os fundos passivos e evitar os fundos activos, porque os fundos passivos têm custos de gestão muito baixos. Nos últimos anos, os fundos activos não têm tido muito bons retornos após o pagamento dos custos de gestão. Para isto contribuíram várias coisas: (1) os fundos activos tiveram bons resultados durante os anos de pré-crise, logo, após a crise, as pessoas adoptaram estratégias que eram adequadas para antes da crise, naquela altura em que havia muitos pequenos investidores a tentar investir directamente no mercado; (2) os fundos de fundos tornaram-se populares, mas têm custos muito altos; (3) pessoas como Warren Buffet alertaram para os custos de gestão de certos fundos como hedge funds (note-se que os pequenos investidores não podem investir directamente em hedge funds, mas podem investir em fundos activos que invistam em hedge funds, fundos de fundos) e dão a entender a pequenos investidores que é preferível apenas investir num fundo passivo.
Se ouvirem o podcast, ficarão com a ideia de que os fundos passivos tendem a ter retornos mais altos do que os fundos activos e isto é verdade no longo prazo; mas no curto prazo, tal pode não acontecer, dadas as preferências actuais dos investidores. Como diz Seth Klarman, gestor do Baupost Group, se houver demasiado dinheiro a fluir para fundos passivos, então a informação de mercado será distorcida, pois os fundos activos não terão peso suficiente no mercado para introduzir nova informação fundamental, i.e., a descoberta de preço de condições futuras de mercado terá menos peso do que as condições de mercado actuais. E os fundos activos que conseguirem aperceber-se desta distorção -- desta assimetria de informação no curto prazo -- estarão posicionados para ter melhores retornos do que os fundos passivos que imitam o mercado porque, por fim, o mercado terá de reflectir a informação fundamental.
Para o pequeno investidor que invista em fundos passivos, o seu retorno irá depender da altura em que comprar e vender: se for dos primeiros a entrar na moda dos fundos passivos e se sair quando os fundos passivos estiverem no pico, faz dinheiro; se apenas entrar quando os fundos passivos estiverem no pico e se se assustar quando estes se tornarem menos populares, então perde dinheiro. Como é muito difícil adivinhar quando entrar e quando sair, especialmente quando se tem pouco conhecimento técnico, o pequeno investidor está entregue à sua sorte, mas é muito provável que perca dinheiro, especialmente se está sujeito às modas de mercado de curto prazo. O mercado não é eficiente (não representa sempre a informação fundamental), mas é eficientemente ineficiente (tende para a informação fundamental).
Para quem investe a partir de Portugal há ainda outra questão a considerar: a variação do USD/EUR.
ResponderEliminarDesde que comprei VOO (um ETF da Vanguard sobre o S&P500) o título valorizou quase 16%, mas para mim vale apenas mais 8%.
Estou a começar a ficar "nervoso" para vender antes que comece a cair por aí fora... Com a minha sorte, será no dia anterior a eu decidir vender. :)
Jorge Coelho
Ficares nervoso e agires não é muito bom. Se não precisares do dinheiro, esquece-te e navega o mercado no longo prazo. Se precisares do dinheiro brevemente, então não devias estar exposto ao risco de mercado do curto prazo, ou seja, nem devias ter entrado.
EliminarEu sei :). E nem costumo agir nessas alturas, mas não consigo evitar ficar nervoso porque "amanhã" aquilo dá um tombo e "perco" o que estava a "ganhar".
EliminarCuriosamente, quando desce fico tranquilo. Há-de recuperar.
(Cada um é irracional à sua maneira e nas suas coisas...)
Não é dinheiro de que precise, nem sequer é muito. E a ideia inicial era ir reforçando de tempos a tempos (não tenho cumprido isso muito bem), sem ter uma data sequer aproximada para retirar o dinheiro.
Daqui a uns tempos reavalio.
Jorge Coelho
Quando o mercado leva um grande tombo, já sabes que está em saldo...
EliminarAcho que isto no fundo resume-se a uma questão - a hipótese do mercado eficiente é intrinsecamente coerente ou é uma profecia autodestruida?
ResponderEliminarO texto responde a essa pergunta.
EliminarHá ainda outro problema. Olhando para a lista de major shareholders das principais companhias americanas, europeias, e tudo o que mexa em qualquer outra parte do mundo, (centenas, milhares) verificamos que aparece a mesma dúzia de nomes no topo (Vanguard, Blackrock, Fidelity, MFS,...). Esta mania de retirar dos bancos a sua função principal, remunerar poupanças e conceder créditos, para canalizar o dinheiro a fileiras de gestão comissionadas longas, concentradas e tantas vezes opacas, acrescenta riscos ao sistema que ainda não estão bem identificados.
ResponderEliminarO NG não percebe a diferença entre poupar e investir: poupa-se num banco e como os depósitos são garantidos pelo estado estamos sujeitos a pouco risco, logo o retorno é muito baixo; investe-se no mercado directamente ou através de fundos de investimento e como não é garantido, estamos sujeitos a maior risco e a um retorno potencial maior. Note-se que os bancos aceitam depósitos e concedem crédito; os investidores compram e vendem activos financeiros, como acções, obrigações, etc.
EliminarAcho é que a Rita não compreende a diferença entre investir e apostar num jogo de casino. E há muita gente assim. E uns quantos que fazem vida de comissionar as apostas dos outros.
ResponderEliminarEm primeiro lugar, os bancos também lidam com o dinheiro dos outros, não são só os fundos de investimento. Em segundo lugar, há bancos que são mal geridos, e.g., o BES, o IndyMac, o Washington Mutual, etc. Percebeu agora que é você quem não percebe?
EliminarSim, os bancos mal geridos são os que abandonam a função nobre de remunerar depósitos e emprestar dinheiro aos cidadãos e à empresas para se entregar à especulação, criando os canais de alimentação dos fundos.
ResponderEliminarNão, NG: os bancos mal geridos são os que emprestam a quem não devem, logo até se pode dizer que emprestam demais. Exactamente, o que é que o NG pensa que acontece ao dinheiro quando entra em fundos de investimento: é comido por um gigante ou encontra alguma forma de entrar na economia real? Os reformados que liquidam os 401K da Fidelity, à medida que envelhecem, fazem exactamente o quê ao dinheiro? Enterram-no no quintal?
EliminarO dinheiro que entra nos fundos aquece o valor dos activos, no imediato, para arrefecer lá mais à frente, no levantamento, depois de pagar direito de passagem, rendimento garantido, pelo gestor. Não criou nada.
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