Na véspera de Donald Trump instituir o controle de imigração a que alguns chamam de "Muslim Ban", fui ao Museu do Holocausto, em Houston, assistir à exibição do filme "Désobéir -- Aristides de Sousa Mendes", que os americanos traduziram como "Disobedience". Tratava-se de um programa patrocinado pelo Museu do Holocausto e pelo American Jewish Committee.
A assistir ao filme estavam presentes duas pessoas da família de Aristides de Sousa Mendes: eram ambos netos, Louis-Philippe Mendes, que conta 56 anos de idade e apresentou o filme, vive no Canadá e o outro mais jovem, vive mesmo em Houston; foi a primeira vez que se encontraram. Também lá estava um outro rapaz descendente de judeus que tinham recebido vistos. Lembrei-me, mais uma vez, de que todos nós somos frutos do acaso: os nossos antepassados tiveram de sobreviver a muitos eventos para nós existirmos e o mesmo acontecerá com os nossos descendentes.
Nessa famigerada Sexta-feira, em que se celebrava o "International Holocaust Remembrance Day", Aristides de Sousa Mendes foi homenageado em Houston, mas não tive oportunidade de comparecer -- o Consul Honorário de Portugal também não compareceu, aliás, Portugal não teve presença oficial na cerimónia.
Tinham passados seis dias desde a tomada de posse de Donald Trump e ver aquele filme naquela altura foi uma experiência muito emotiva para mim. Senti orgulho de um português ter salvo tanta gente -- estima-se que tenha emitido cerca de 30.000 vistos, não se sabendo ao certo quantas pessoas foram salvas --, mas vergonha de ter sido apenas um consulado português. Deviam ter sido muitos mais porque é essa a génese de Portugal e de ser português: Portugal é um país que existe porque um tal de Afonso Henriques se lembrou de desobedecer ao Papa.
No final do filme, não fui apenas eu a ficar emocionada, pois uma senhora americana sentiu necessidade de comentar a agradecer e dizer que o filme era muito actual e que servia de inspiração para os tempos que se viviam. Mal sabia ela que, no dia a seguir, os tempos que se viviam iriam tornar-se ainda mais estranhos e parecidos com um enredo de filme.
Donald Trump acha que por ter sido eleito tem o poder de fazer tudo aquilo a que se propôs sem que ninguém o questione. Já vi várias pessoas a achar que deixá-lo fazer tudo é um sinal de Democracia: foi eleito, temos de aguentar. Isto não é Democracia! Um governante que faz tudo é um ditador; em Democracia quem governa nunca pode fazer tudo porque tem uma oposição com quem tem de negociar e um enquadramento legal a que está sujeito. Pareceu-me uma ideia evidente depois de ter pensado nela, mas não é assim tão evidente porque só pensei nela claramente no outro dia.
Há três dias saiu a decisão de um dos processos contra Trump iniciados após o suposto "Muslim Ban". Dizia a Juíza Leonie Brinkema, da Virgínia, que "maximum power does not mean absolute power." O Presidente não tem poder absoluto; tem de trabalhar dentro do que lhe permite a lei e o Parlamento. Obedecer ao Presidente não é obrigatório.
É, para mim, autêntico serviço público explicitar-se, como neste artigo, que não temos de pensar como nos mandem pensar, porque isso consiste em aceitar a colonização mental que, ao contrário do que muitos suporão, não é uma coisa abstracta - acontece todos os dias e, às tantas, alguém acaba por inviabilizar uma boa oportunidade de trabalho porque pressupõe que tem na frente mais um censor que, por vezes, de todo não o é, nem quer ser.
ResponderEliminarPS: A Juíza Leonie Brinkema, da Virgínia, usou a moda portuguesa de inventar um apoftegma como "maximum power does not mean absolute power."