Ir beber um copo
com os amigos é ótimo. Ser obrigado a ir beber um copo com gente de que não
gostamos é uma grande chatice. Pode ser o mesmo copo, a mesma bebida e o mesmo bar,
mas as duas experiências são o mais diferentes possível. Uma faço porque quero,
a outra faço porque os outros querem que eu faça. A diferença no sabor da bebida
está, portanto, na quantidade de liberdade que lhe juntamos.
Até há poucas
semanas, eu estava genuínamente convencido que o direito à auto-determinação
era um assunto encerrado no mundo ocidental. Entretanto, tenho visto ensaiados vários
argumentos que, explícita ou inplicitamente, questionam o direito da Catalunha à
auto-determinação.
Num extremo, o
argumento que mais explicitamente nega o direito à auto-determinação é o
argumento de que os catalães não têm o direito
de referendar a sua independência, porque tal viola a letra da Constituição de
Espanha. Ora sujeitar a possibilidade de uma região se tornar independente às
regras jurídicas do país de que faz parte é, precisamente, negar
à primeira o direito à auto-determinação. A palavra chave em auto-determinação
é “auto”. A partir do momento em que há a possibilidade de uma região se tornar
independente, mas esta não depende exclusivamente da vontade dos cidadãos dessa
região, não existe direito à auto-determinação. Para quem, pois, defende o
direito à auto-determinação, o que diz a Constituição de Espanha é, forçosamente, irrelevante – na realidade, no limite, mesmo uma promessa solene de Espanha de
que mudaria a Constituição para permitir um referendo devia ser ignorada,
porque a fonte do direito à independência não devia residir em Espanha. O direito a unilateralmente
referendar a independência é um direito inalienável da própria região, e uma
lei que se oponha a este direito é ilegítima.
O segundo
argumento que tenho visto acrescenta uma nuance ao primeiro argumento. O
argumento continua a ser o de que os catalães não têm o direito de referendar a sua indepedência, mas não é apenas por violar
a Constituição de Espanha. É porque a Constituição de Espanha é a constituição
de um país democrático. Este argumento já não é totalmente contra o direito à
auto-determinação. É apenas contra o direito à auto-determinação de regiões que
estão inseridas em países democráticos. Em primeiro lugar, quem usa este
argumento teria de se opor ao direito das colónias britânicas e francesas exigirem
a independência nos anos 40 e 50 do século passado – já para não falar do direito
de Angola, Moçambique e Guiné exigirem a independência de um Portugal democrático,
em 1975. Em segundo lugar, a democracia não pode permitir a ditadura da
maioria. A democracia é apenas genuína no seio de uma comunidade que não tenha
incentivos – ou meios – de punir ou discriminar uma parte da sua comunidade, só
porque sim. Ao contrário de diminuir a democracia, o direito de secessão unilateral
de uma região é um contra-poder essencial que fortalece o equilíbrio de poderes
dentro de uma comunidade de regiões heterogéneas, o que por sua vez é
fundadamental para garantir que a democracia não se transforma numa tirania da maioria. É
o que os economistas chamam o direito de “votar com os pés”. Em terceiro lugar, não há qualquer
sombra de evidência de que a Catalunha independente não adopte um regime
demcorático. Por sua vez, um regime democrático numa comunidade homogénea, com
língua e cultura comuns, pode aliás ser uma democracia bastante mais autêntica –
novamente, por haver menos incentivos para que a maioria discrimine as suas minorias.
O terceiro argumento de que tenho conhecimento diz que os catalães até podem ter o direito de referendar a sua independência, mas que não têm boas razões para o fazer. Alegam que a vontade de auto-determinação de regiões europeias representa o recrudescer do nacionalismo, e que o nacionalismo é, intriscamente, xenófobo. Imagino que haja dois tipos de pessoas que defendam este argumento. O primeiro tipo é inteiramente contra a auto-determinação. Haverá também um segundo tipo que apoia o direito a referendar a independência, mas preferia que a permanência em Espanha ganhasse. Em relação ao primeiro tipo, o argumento parece-me ser uma variante do segundo argumento que apresentei acima. A ideia é de que a auto-determinação só devia ser aceite em determinadas circunstâncias (neste caso, quando é comandada pelas razões com as quais concordamos). Em qualquer caso, o argumento de que o nacionalismo tem de ser xenófobo é inteirante falacioso. O nacionalismo dos pequenos contra os grandes não é idêntico ao nacionalismo dos grandes contra os pequenos. É fácil uma analogia: o orgulho branco ou o orgulho heterosexual não são idênticos ao orgulho gay ou o orgulho negro, porque os primeiros representam o orgulho dos opressores, e o segundos o orgulho de resistência dos oprimidos num sistema que os prejudicou durante séculos. O nacionalismo das regiões pequenas pode ser um acto de resistência, e não um acto de opressão. É difícil imaginar exatamente em que termos é que uma Catalunha independente seria uma ameaça à Espanha – mas é fácil, e amplamente visível, concluir em que termos é que uma Espanha unificada à força é uma ameaça para a vontade da maioria dos catalães.
O terceiro argumento de que tenho conhecimento diz que os catalães até podem ter o direito de referendar a sua independência, mas que não têm boas razões para o fazer. Alegam que a vontade de auto-determinação de regiões europeias representa o recrudescer do nacionalismo, e que o nacionalismo é, intriscamente, xenófobo. Imagino que haja dois tipos de pessoas que defendam este argumento. O primeiro tipo é inteiramente contra a auto-determinação. Haverá também um segundo tipo que apoia o direito a referendar a independência, mas preferia que a permanência em Espanha ganhasse. Em relação ao primeiro tipo, o argumento parece-me ser uma variante do segundo argumento que apresentei acima. A ideia é de que a auto-determinação só devia ser aceite em determinadas circunstâncias (neste caso, quando é comandada pelas razões com as quais concordamos). Em qualquer caso, o argumento de que o nacionalismo tem de ser xenófobo é inteirante falacioso. O nacionalismo dos pequenos contra os grandes não é idêntico ao nacionalismo dos grandes contra os pequenos. É fácil uma analogia: o orgulho branco ou o orgulho heterosexual não são idênticos ao orgulho gay ou o orgulho negro, porque os primeiros representam o orgulho dos opressores, e o segundos o orgulho de resistência dos oprimidos num sistema que os prejudicou durante séculos. O nacionalismo das regiões pequenas pode ser um acto de resistência, e não um acto de opressão. É difícil imaginar exatamente em que termos é que uma Catalunha independente seria uma ameaça à Espanha – mas é fácil, e amplamente visível, concluir em que termos é que uma Espanha unificada à força é uma ameaça para a vontade da maioria dos catalães.
* Michael Collins
terá dito isto, durante as negociações com Londres para definir os termos da
independência da Irlanda
EU juntava aí uma pequena nuance apenas, o movimento que tenta impor o referendo não é nem maioritário em termos de votos nem tem propriamente uma larga maioria na própria asembleia regional. Impor um referendo sem quorum minimo de participação e com uma maioria simples como democrático parece-me um bocado venezuelano :)
ResponderEliminarA meu ver e apenas como opinião pessoal levava um bocado mais a sério um referendo que fosse proposto por 2/3 da assembleia regional e cujas regras fossem de uma participação minima de 2/3 dos eleitos e um resultado superior a 60% como a favor da independência. Caso contrário e se só houver uma urna no gabinete do Govern Catalão até ganham com 100% com uns 100 votos.
Mas isso não será irrelevante? Ou seja, diria que a legitimidade virá do resultado do referendo, e não de como foi votado no parlamento.
ResponderEliminarMuito pelo contrário, acho que se a discussão pretende ser séria e objetiva devia garantir um enquadramento democrático mais sólido do que aquele que estão a fazer que parece uma sátira de um referendo.
ResponderEliminarHonestamente e conhecendo razoavelmente bem a catalunha parece-me simplesmente uma fuga em frente face a um conjunto de situações laterais (Casos puyol, aguas de tarragona e afins) que se apoia num slogan simples e profundamente populista.
Mas no fim de semana veremos a abertura da peça e se será uma comédia ou uma tragicomédia!
"Em primeiro lugar, quem usa este argumento teria de se opor ao direito das colónias britânicas e francesas exigirem a independência nos anos 40 e 50 do século passado"
ResponderEliminarNão exatamente, porque, com a exceção (mais teórica do que prática) da Argélia, essas colónias não estavam integradas nos estados democráticos francês e britânicas - nomeadamente os votos dos indianos e camaroneses não contavam (ou contavam muito pouco - penso que as colónias francesas tinham uma representação simbólica no parlamento) não afetava a forma como os ingleses e franceses eram governados. Ou, dito de outra maneira, os impérios coloniais não eram democracias, mesmo que as metrópoles o fossem internamente (uma analogia - imagine-se uma ditadura de partido único com democracia interna dentro do partido, como a URSS nos primeiros anos).