Estou eu no cabeleireiro
[como o Luís Aguiar-Conraria me convidou a integrar o Destreza das Dúvidas com o fito de aumentar a quota feminina do mesmo, pareceu-me um bom sítio para inspirar o meu primeiro post]
quando entra uma família italiana - dois jovens, um rapaz e uma rapariga, presumivelmente irmãos, e a sua presumível mãe. Ar de turistas, seja lá isso o que for num tempo em que a máquina fotográfica foi substituída pelo smartphone. O rapaz fez umas perguntas sobre os "sunlights" (com a guedelha preta que tinha havia de ficar lindo!) e acabou por se sentar na cadeira ao lado da minha e aparar o cabelo. E eu dei por mim a recordar as aulas de Economia Internacional: não eram os cortes de cabelo o cliché dos bens não transaccionáveis?! Bom, parece que os clichés já não são o que eram. Principalmente, os que concernem à distinção entre o que se pode ou não exportar. E, claramente, os serviços deixaram de pertencer ao lote das coisas que não atravessam fronteiras. O Luxemburgo ilustra-o bem: tem uma balança comercial confortavelmente excedentária à custa do sector financeiro (se fosse à conta das mercadorias, teriam um deficit).
Não quer este meu discurso fazer qualquer guerra à nova bandeira da "reindustrialização". Pretende tão somente lembrar que, se por um lado, os serviços também são transaccionáveis - como está bem patente com o turismo -, por outro, a própria indústria tenderá, cada vez mais, a incluir coisas intangíveis, como o design. Não foi preciso o italiano cortar o cabelo (sem que houvesse aparente urgência nisso) ao meu lado para o perceber. O Friedman - o Thomas, não o Milton - já me havia dito que o mundo estava a mudar. A tornar-se plano, segundo ele; a virar-se de pernas para o ar, parece-me às vezes. Uma coisa ou outra, o certo é que a globalização veio obrigar-nos (o plural não é majestático, refere-se a Portugal e aos demais países desenvolvidos) a basear a nossa economia no conhecimento.
E aqui eu preocupo-me. Os resultados da PACC divulgados esta semana são assustadores. Ter competência científica não é condição suficiente para se ser um bom professor. Mas é necessária! Creio ser fácil concordarmos nisto. Tal como creio ser fácil concordarmos que escrever sem dar erros devia ser competência mínima de alguém com o 1º ciclo de escolaridade, quer vá ou não ser professor. Mas os problemas não são apenas na escrita, encontram-se também na resolução de problemas e na interpretação e análise de gráficos. As mesmas dificuldades que, sem estranheza, revelam os alunos. Uma economia baseada no conhecimento não se compadece com isto. Uma economia baseada no conhecimento exige sentido crítico, pensamento abstracto, capacidade de relacionar conceitos e, sobretudo, a faculdade de pensar. Os resultados da PACC vieram confirmar as minhas piores suspeitas de que isto falta nas escolas portuguesas. E mesmo um corte de cabelo tem a sua ciência!
A proposito de os cortes de cabelo terem sido o cliché dos bens não transaccionáveis, recordo uma curiosidade: encontrava algumas vezes, no regresso da escola pessoas que vendiam de porta-em-porta alguns bens transaccionáveis, tais como; hortículas, peixe, fruta, leite e pão e, encontrava também (não com a mesma frequência) três compradores de bens, que depois iriam transaccionar. Eram eles o ferro-velho, um outro que pregoava "quem tem trapos e garrafas para vender e um terceiro que comprava cabelos. Nos tempos actuais, comprar o cabelo de outra pessoa, é algo que pode parecer, no mínimo insólito, porém aquele homem comprava e, algumas mulheres vendiam. Recordo-me que o comprador preferia e valorizava as tranças (quanto mais longas, melhor) e se o cabelo fosse louro, mais ainda. Este negócio gerava muita intriga e especulação; primeiro, porque o homem não revelava o uso que seria dado ao cabelo, segundo, porque ninguém o conhecia. Então, aumas pessoas diziam que ele derretia os cabelos e extraía ouro, outras, que servia para fazer bruxedos, outras ainda que os utilizava para fazer unguentos. Certo dia encontrei o comprador de cabelos sentado junto a um antigo chafariz, estava cansado, farto de calcorrear as ruas de Algés e, decidi sentar-me ao lado dele. Não me recordo do que falamos nem se lhe coloquei a pergunta directamente, mas sei que ele me revelou que os cabelos eram depois vendidos a oficinas que confecionavam cabeleiras postiças. Dei um pulo de contente porque, a partir daquele momento, considerava-me detentor do segredo mais valioso de todo aquele meu mundo.
ResponderEliminarAssim que entrei em casa, corri a contar a novidade à minha mãe. Ela, achou piada e respondeu-me; então agora, deves guardar esse segredo muito bem e não o revelares a mais ninguém. Fiquei intrigado. Porque motivo deveria não contar um segredo tão valioso? Um segredo que todos comentavam e ninguém conhecia a resporta certa, aliás, andavam todos à distância dela, anos-luz? Então a minha mãe fêz-me perceber que se contasse o segredo que o comprador de cabelos me tinha confiado, estaria a trair a confiança que ele depositara em mim e depois, ainda podia prejudicar-lhe o negócio, porque alguém poderia pegar na ideia e roubar-lha. Pensar, é uma capacidade que todos possuímos, Que uns têm mais desenvolvida, mais ginasticada, mais abrangente; outros, têm mais concentrada, mais focalizada, mais especializada. Somos assim, porque somos humanos e foi assim que ao longo dos milénios fomos passando o conhecimento, ensinando e aprendendo... evoluindo, em suma.
Bartolomeu, dá-me autorização que promova o seu comentário a post?
EliminarSirva-se dele, Luis Aguiar. Está ao seu dispor.
EliminarBartolomeu, eu também soube desse negócio da venda de cabelo humano. E até soube que havia um senhor que o recolhia pelas barbearias e cabeleireiras e o exportava (creio que para a Suécia), ao que se dizia para ser utilizado na feitura de bonecas. Mas, claro, que também podia ser utilizado para fazer perucas. E soube mais, soube que o exportador foi à ruína por que uma remessa grande, que enviou ao abrigo de um crédito documentário, lhe foi devolvida por que, segundo o seu cliente, estava cheia de piolhos...
EliminarTiro ao Alvo, essa é a prova que em matéria de negócios, nada pode ser deixado ao acaso... até um pequeno piolho tem força para arruinar um grande negócio.
Eliminar;)
O contrário também pode ser verdade. Um grande negócio pode dar cabo dos piolhos: http://arcodavelha.eu/chatos-piolho-da-pubis-em-vias-de-extincao-por-causa-do-estilo-de-depilacao-brasileira/
EliminarA extinção do piolho-da-púbis é um dos exemplos daquilo que a "moda" pode trazer de benéfico ao ser humano. Para além da estética e da vertente lúdica, a ausência de púbis é uma grande maisvalia no campo da higiene íntima... apesar de haver quem defenda o contrário com fundamentação. Mais uma questão que cabe ao próprio decidir... evitando sempre o piolho, obviamente.
EliminarNão estou tão seguro como o Bartolomeu de que a ausência da púbis constitua uma mais-valia, tanto no campo da higiene íntima, como no resto. Tenho para mim que aquele enfeite, digamos assim, também tem serventia na defesa do nosso (delas) organismo, parecendo-me que tem funções úteis, tal como os nossos pêlos do nariz e das orelhas que, dizem, nos protegem de muitas doenças. Com isto quero dizer que se aquilo está ali é porque é preciso e que, neste capítulo, não sou de modas.
ResponderEliminarTiro ao Alvo, actualmente, é somente no campo estético que a pelagem pubiana, encontra utilidade. Em eras distantes, a mesma servia também para dar alguma proteção contra o frio, o que atualmente se prevê não seja tido em consideração suficiente para justificar a sua presença. E neste caso, referimo-nos aos pelos púbicos nos dois géneros. Contudo, devo recorda-lo que já pouca ou nenhuma importância è atribuida aos púbico pelos como aliás foi afirmado por Eduardo Catroga, referindo-se ao conteudo das discussões entre políticos e entre jornalistas, classificando-as de pentelhos, ou seja; de nula importância. Quanto à proteção contra doenças de origem fungica, não se pode esperar que os pelos cumpram uma função profilática, se não existir cuidados e habitos de higiene regulares.
ResponderEliminarBem-visto, Sara. Saiu mesmo agora um artigo na CNN a gabar o design português. É pena que não se utilize mais para exportar. Ver aqui: http://edition.cnn.com/2014/01/25/travel/lisbon-coolest-city/index.html
ResponderEliminarSara, com esta história do negócio de cabelo, esqueci-me de lhe dizer o que pensei fazer, quando acabei de ler o seu post. Vai agora, esperando ainda ir a tempo: seja Bem-vinda.
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