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quinta-feira, 12 de maio de 2016
História gótica
65. O farmacêutico matutava no que vira na estalagem sobre a taberna quando um homem baixinho e anafado, redondo mesmo, entrou no estabelecimento.
O homem suava, profusamente diga-se que é como deve dizer-se, e limpava a testa e o rosto com um lenço aos quadrados. O fato que vestia, completo com colete, também era de um tecido aos quadrados, e era quadrada a biqueira das botas que apareciam por baixo das calças, umas botas compridas e de aspecto pesado. A camisa e a gravata eram igualmente de um tecido aos quadrados, até mesmo o relógio que consultava amiúde era quadrado. Tantos quadrados faziam pensar que o homem redondo queria contrariar a sua forma esférica e impedir-se de rebolar pelo chão e chocar contra os móveis ou rolar pelas escadas abaixo. E esta conjectura parecia ser confirmada pelas botas compridas e pesadas que serviriam para manter fixamente e em equilíbrio vertical o homem sobre as duas pernas rechonchudas. Numa das mãos segurava com esforço uma mala quase do seu tamanho, rectangular, e, guardando o lenço com que tentava secar as gotas de suor que escorriam teimosamente pela sua cara abaixo, tirou o chapéu anguloso da cabeça cumprimentando Dragomir. "Bom dia", disse com uma vozinha aguda. "Tenho o prazer e privilégio de falar com o prodigioso físico desta aldeia encantadora, com o alquimista assombroso que, misturando e separando as substâncias primordiais com que é conservada a vitalidade e a robustez de homens e mulheres, de crianças e adultos, todos os dias realiza o milagre da renovação dos corpos e elevação dos espíritos como se a pedra filosofal tivesse a habilidade e a sina de encontrar combinando fluidos e pós sob estrelas propícias, o mago que enuncia as palavras certas e potentes que das pedras fazem diamantes e dos desfiladeiros planícies, o Prometeu que, roubando aos deuses o fogo, divinizou os homens?". De boca aberta e olhos arregalados perante tal torrente, Dragomir esqueceu-se de responder. Pela sua cabeça passavam imagens de velhos barbudos com vestes puídas e manchadas, e apeteceu-lhe dizer que não, nunca, jamais, se apresentaria de tal modo aos seus clientes. A qualquer pessoa, aliás. Nem sequer a si próprio. A veemência com que mentalmente afirmava a sua recusa do desmazelo dos sábios sobrepôs-se ao espanto que deveria ter-lhe causado a figura e o discurso do inesperado visitante, e depressa a expressão do seu rosto passou de atónita a indignada. Puxou do pente com que compunha o bigode para que não restassem dúvidas, o homem redondo estava na presença de um elegante. De alguém que frequentara salões e não sótãos partilhados com baratas. O homem redondo tomou o silêncio do farmacêutico como uma confirmação da sua identidade e prosseguiu. "Saiba Vossa Excelência que venho oferecer-lhe uma oportunidade rara de melhorar e muito a sua perícia, ainda que esta, acredito sinceramente, seja já imensa." A vozinha aguda assumiu um tom ao mesmo tempo entusiasmado e insidioso. "Vossa excelência quererá, é certo em cavalheiro que exala tanta inteligência, tanto apetite pelo saber e tanta vontade de ajudar quem se lhe dirija com a esperança, singela, da cura, informar-se das últimas descobertas das ciências, destas nobres empresas que descobrem os segredos do mundo para pô-los ao serviço da humanidade." A vozinha tornava-se cada vez mais aguda. "Pois saiba Vossa Excelência que tal desiderato está ao seu alcance. Está à distância de um passo." O homenzinho pousou, com dificuldade, a mala rectangular sobre o balcão da farmácia. E, abrindo-a com a lentidão com que os mágicos criam o suspense na audiência, exclamou. "Eis, caro senhor, os frutos do método científico!"
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