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terça-feira, 26 de julho de 2016
História gótica
98. Seguiram o cortejo dos malditos. Ada segurava a mão da criança, que avançava à frente do pequeno grupo, puxando-os, quase os arrastando.
Era estranho, para quem conhecia os modos brandos da pequena criatura, que agora se mostrasse tão impaciente e tão determinada. Avançava com força. Não parecia ser apenas vontade de chegar depressa, era como se quisesse libertar-se da mão da rapariga e da protecção de irmã mais velha que ela julgava ser necessária. Também isto era estranho, esta resistência rebelde, raivosa. Groesken e Valodu progrediam atrás deles com dificuldade, tropeçando em pedras deslocadas por raízes. A criança nem reparava nos pios das corujas e nos uivos dos lobos que lhes punham em pé os pêlos do pescoço, e Ada também não dava sinais de se dar conta deles, tal era o esforço que fazia para acompanhar a criança e manter a mão dela apertada na sua. Ouviram o rangido metálico de um portão. A criança escapou da mão que a agarrava como um animal escapa de uma armadilha e correu na direcção do ruído. Ada ia chamá-la, mas lembrou-se a tempo de que era mais prudente manter o silêncio. Ou melhor, sentiu. Sentiu a proximidade do perigo e a calamidade que se seguiria ao seu grito. Agora mais devagar, os três chegaram ao portão e, espreitando com cuidado, perceberam que iam entrar num cemitério. À luz dos relâmpagos que atravessavam os céus como chicotes viram as campas irregulares, dispostas sem ordem pelo chão, as lápides tortas cobertas de musgo e de folhas mortas. As lajes partidas que ostentavam signos desconhecidos. Escavados na pedra com golpes fundos, mais pareciam ameaças aos que viriam a ser enterrados sob elas do que registos de quem já tinha sido enterrado e de quem se queria preservar o nome. A Groesken pareceu que lia o seu, acompanhado de datas já fixadas e de que só reconhecia a primeira. Mas quando a lápide onde lera o seu destino voltou a ser iluminada pela tempestade, só encontrou nela os signos que não conseguia ler. Olhou para Valodu e percebeu que ele experimentara o mesmo fenómeno. Devia estar tão pálido como ele, Valodu era o seu espelho. O seu gémeo, eram duas encarnações do medo. Imóveis, viram Ada que se afastava atrás da criança e quiseram chamá-la mas sentiram o mesmo que ela já sentira, a proximidade do perigo e a calamidade que se seguiria. Notaram a respiração acelerada e as palpitações no peito e nas têmporas. Tremiam e não conseguiam fechar os olhos. Alguma coisa os obrigava a ver o horror que os rodeava. E essa entidade estranha era a força que agora os empurrava no encalço da criança e de Ada com passos hesitantes e curtos. Não podiam fugir, era demasiado tarde para se arrependerem. Tudo à sua volta os ameaçava com os sofrimentos mais terríveis e as revelações mais insuportáveis. Desejavam intensamente perder os sentidos e deixar este mundo exterior que os sufocava sem lhes permitir a tranquilidade da inconsciência. Mas não conseguiam comandar as suas próprias pernas, tinha-lhes sido arrancada aquela liberdade que confere a seres como eles a sua humanidade. E, como as pedras arrastadas pela lava, resignaram-se.
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