Agora que se
inicia a “silly season”, a recente febre da busca dos Pokémons é um valioso
analisador do estado da nossa vida colectiva. Arrisco mesmo a dizer que este
“desporto” é um interessante marco aplicável a diversas áreas.
De um prisma
sociológico, crianças, jovens e adultos, de distintas proveniências
sócio-culturais e económicas, saem de casa, facto assinalável no combate ao
sedentarismo e à péssima forma de educar que assenta na televisão, videojogos e
pouco ou nada favorece a interacção com os pares, excepto por via dos jogos “online”,
que não permite a aquisição de competências relacionais essenciais numa altura
precípua de formação da personalidade. Os mais velhos fazem quilómetros em
busca de algo virtual, por vezes em hordas, o que necessariamente importa algum
contacto com o outro. Não vou ao ponto de propor a Centeno um qualquer subsídio
para este combate à sociedade do isolamento e do individualismo atroz. Longe de
mim prejudicar o défice e a débil economia pátria…
Na verdade, a
procura de algo que fisicamente não existe é marca d’água da economia hodierna,
em que os “futuros”, os “activos tóxicos”, as acções e obrigações, os buracos
na banca e a regulação financeira, “inter alia”, são verdadeiros Pokémons. Esta
virtualidade é comparável à previsível “sanção zero”, por incumprimento do
Pacto de Estabilidade e Crescimento. Estamos no domínio do que efectivamente
não existe: as normas parecem não ser para cumprir e a “engenharia jurídica” é
uma construção, também virtual, em franco crescimento. Aí está um “cluster” à
atenção das Universidades.
Vivemos no vazio
e dele nos alimentamos. Conquistámos importantes títulos europeus e isso foi
bem real. Daqui tentámos retirar um suplemento de alma, essa outra coisa
virtual a que os Positivistas opunham a exigência de se conseguir colocá-la “na
ponta de um bisturi”. A “geringonça” assenta, de igual modo, numa ficção de
convergências à esquerda e a direita vive ainda o rescaldo de um Governo
virtual de meses e que foi ultrapassado por um golpe democrático,
constitucionalmente solúvel, mas que não deixa de fazer de Costa o grande
usurpador. Marcelo vive na virtualidade real dos beijos e abraços,
pacientemente aguardando pelo golpe de misericórdia, apenas possível quando
Passos se afastar da liderança do PSD.
A realidade do
terrorismo, essa, é bem real, infelizmente, e veio para ficar. Contra ela
brandimos novas realidades virtuais, como a construção de muros, a ameaça da
radicalização política e, bem vistas as coisas, não seria de todo inesperado
que estes fossem os novos anos 30 da passada centúria, em que o cheiro a guerra
à escala mundial está no ar. Falamos ainda de um Pokémon, mas este arrisca-se a
marcar o resto das nossas vidas.
Internacionalmente,
a farsa Trump é virtual: poderá existir assim uma “pessoa”? Tudo indica que sim
e que a comunidade internacional ainda se não deu conta, em absoluto, das
similitudes com o caldo económico-cultural pré-nazismo. Hillary cavalga a onda
daqueles que, entre dois males, escolhem o “mal menor”. O que nos leva a um
reforço da importância das religiões e do convívio com o transcendente, outra
virtualidade. Refugiados do governo da “polis”, as pessoas conectam-se a algo
superior, cientes de que viver em estado Pokémon não dura para sempre. Curiosos
tempos estes em que a anunciada defunta espiritualidade se vem assumindo como
último reduto da esperança. De novo, a circularidade da História, tão mal conhecida
nos dias que correm. Doses maciças de conhecimento histórico contra a
virtualidade parecem ser uma receita para um “acordai” ao jeito do genial
Lopes-Graça.
Liquidificação
dos tempos, relativismo, auto-justificação do injustificável, triunfo darwinista
nas relações humanas. Realidades que tantos se esforçam por transformar em
Pokémons, mas a que a Arte, aqui e além, quando não escrava de subsídios
estatais, vai sinalizando, ironicamente, como imprestáveis para a felicidade
humana. Há, no Porto, uma instalação muito feliz, que envolve a esplanada de um
bar de redes com arame farpado, alegoria perfeita da colectividade universal,
entalada entre divergados pólos e em busca de uma saída, ainda que esta seja
uma diminuta bala cravada nas cercas.
A solidão da
sociedade da técnica e do desenvolvimento limpo desafia Quioto e outras
tentativas de comiseração humana. De novo assome o Pokémon da discursividade
“amiga do ambiente”, outra grande busca que encomendamos aos amigos que, de
calções e t-shirts, andam em busca do sonho.
“É pelo sonho
que vamos” e é mesmo urgente sonhar. Acordado, de preferência. O próximo ano
pós-férias estivais adivinha-se de complexidade acrescida, mas a sorte é termos
os Pokémons, esses seres míticos e simpáticos, que repousam em lugares mundanos
e sagrados (parece que muitos escolheram Fátima para um retiro espiritual,
talvez guardando já lugar para a comemoração centenária do próximo ano, em
comunhão com um inefável Francisco que, de tão positivamente desconcertante,
arrisca também o estatuto de Pokémon).
Vamos, pois, de
férias. Merecidas, na maior parte dos casos. E levemos os Pokémons. Ser-nos-ão
muito úteis quando voltarmos a um Setembro virtualmente real!
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