sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Alguns factos sobre a proposta de Orçamento de Estado


Num artigo deste tipo, o principal objectivo é apresentar algumas das medidas que julgamos mais emblemáticas da proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2017, sem prejuízo de alguns comentários pessoais.
A proposta apresenta um incentivo ao alojamento local, essencial ao turismo, o qual vai representando uma relevante fatia das nossas exportações. Assim, prevê-se a possibilidade de, por opção dos respectivos titulares, serem tributados como rendimentos prediais, aplicando-se um coeficiente de 0,35 na determinação do rendimento tributável ao abrigo do regime simplificado (actualmente, 0,15). Acresce a criação de um novo coeficiente para a actividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local, na modalidade de moradia ou apartamento, correspondente a 0,35 dos respectivos rendimentos (actualmente: 0,04).
No que toca aos cidadãos portadores de deficiência, desagrava-se a tributação dos rendimentos das categorias A e B, auferidos por sujeitos passivos, de 90% para 85%. A carga fiscal de casados e unidos de facto altera-se, na opção de tributação conjunta, a qual pode ser efectuada mesmo que as declarações sejam entregues fora do prazo, quando actualmente: só o podem se entregues no prazo legal. Por outro lado, a actualização dos limites máximos dos escalões da tabela de IRS de acordo com a inflação aponta para uma tributação máxima de 48%. A gratificação aos bombeiros é incentivada.
Em sede da tão celebérrima sobretaxa de IRS, a proposta prevê a extinção gradual da retenção na fonte, de acordo com o seguinte calendário: ao 2.º escalão será aplicável a retenção na fonte até 31/3, ao 3.º até 30/6, ao 4.º até 30/9/2017, e ao 5.º até 30/11/2017. Nos pagamentos especiais por conta, retira-se os rendimentos isentos da base de cálculo, passando a considerar-se apenas o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados geradores de rendimentos sujeitos e não isentos. Ficam também dispensados de efectuar o pagamento especial por conta os sujeitos passivos que apenas aufiram rendimentos não sujeitos ou isentos.
Por certo com o intuito de combate à fraude e evasão fiscais, para as sociedades comerciais ou civis que possuam estabelecimento estável em Portugal, é prevista a obrigação de dispor de capacidade de exportação de ficheiros, nos termos e formatos a definir por portaria do Ministro das Finanças, e não apenas para as que organizem a sua contabilidade com recurso a meios informáticos, conforme hoje vigora.
Na senda da aposta nos impostos indirectos, como forma de compensar a perda de receitas fiscais, altera-se a base de incidência do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, já elogiada pelo Comissário Europeu da Saúde, de modo a que o consumo final se torna mais caro. É também uma forma de incentivo à adopção de estilos de vida mais saudáveis, tanto mais que esta receita é consignada à sustentabilidade do SNS.
Provavelmente não se esperaria, num OE das esquerdas parlamentares, que, em sede do IMI, seja revogada a verba que estipulava a aplicação de uma taxa de 1% a título de imposto de selo aos imóveis com um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros. Uma medida pouco amiga dos emigrantes e de estrangeiros com habitação em Portugal é a não inclusão na isenção de IMI, de carácter automático, dos prédios de reduzido valor patrimonial. De elogiar é o adicional ao IMI, o qual constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Ainda em sede deste imposto, é de saudar que os sujeitos passivos casados ou em união de facto que optem pela tributação conjunta procedam à soma dos valores patrimoniais dos prédios urbanos de que sejam titulares, beneficiando de uma dedução no valor de € 1.200.000, ou seja, o dobro da dedução estipulada para as pessoas singulares individualmente consideradas. A reabilitação urbana, essencial em várias cidades do nosso país, não foi esquecida: estabelece-se que a isenção de IMI seja automática no caso de prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cujo rendimento colectável, para efeitos de IRS, no ano anterior, não seja superior a € 153.300. No âmbito da dita “fiscalidade verde”, introduz-se um aumento de 15% para 25% da possibilidade de redução da taxa de IMI a aplicar aos prédios urbanos com eficiência energética.
O incentivo às assimetrias entre o litoral e o interior, em um Estado cada vez mais a tombar para o mar, faz-se por via do benefício fiscal para as PME que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços em territórios do interior, as quais podem beneficiar de uma taxa de IRC de 12,5% (em vez de 17%) para os primeiros € 15.000 de matéria colectável. No domínio do apoio à inovação, a proposta de OE contempla a criação de um incentivo fiscal ao investimento por parte de particulares em negócios criados no seio de novas start-up. Os investidores pessoas singulares podem deduzir à colecta do IRS, até ao limite de 40%, um montante correspondente a 25% dos investimentos elegíveis efectuados em cada ano.
De entre outros, são prorrogados até 31/12 os benefícios fiscais referentes a criação de emprego, contas poupança-reformados, planos de poupança em acções, swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes, depósitos de instituições de crédito não residentes, prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística ou benefícios destinados a colectividades desportivas, de cultura e recreio.
A discussão está ainda no início, mas para princípio de conversa, é nossa convicção que este é o Orçamento possível em face do difícil equilíbrio entre as exigências do Pacto de Estabilidade e Crescimento e as bandeiras dos partidos à esquerda do PS que, bem vistas as coisas, não saem tão fortalecidos como se vem propalando. É, portanto, no essencial, um orçamento do partido no Governo. Para o bem e para o mal, a “geringonça”, de momento, parece manter Costa ao leme.

1 comentário:

  1. "Por certo com o intuito de combate à fraude e evasão fiscais, para as sociedades comerciais ou civis que possuam estabelecimento estável em Portugal, é prevista a obrigação de dispor de capacidade de exportação de ficheiros, nos termos e formatos a definir por portaria do Ministro das Finanças, e não apenas para as que organizem a sua contabilidade com recurso a meios informáticos, conforme hoje vigora."

    Gostaria que comentasses isto. Acho que é uma presunção de que todas as empresas são culpadas de fuga ao fisco e têm de submeter os dados à ATF para se livrarem desta presunção. Sabes se há algum estudo que demonstre que toda esta informatização do sistema está a reduzir a fuga ao fisco ou será que as pessoas eventualmente ajustam o seu comportamento à nova tecnologia?

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.