quinta-feira, 5 de maio de 2016

História gótica


56. A velha.
Os habitantes do castelo são de todas as idades. As quatro crianças iguais, o adolescente pálido, a velha de unhas amarelas como garras. Há também diferentes idades em cada habitante do castelo, talvez não em todos ou mesmo quase todos, mas a Condessa de Ecsed mostra por vezes um corpo sulcado de rugas que só uma longa idade escava no corpo liso e jovem que mostra igualmente. Já a velha é sempre a mesma, é possível que tenha sido sempre a mesma, uma velha apoiada num cajado movendo com dificuldade pernas artríticas e músculos fracos. Os castelos como este castelo nunca estão completamente vazios, ainda que as épocas sejam de castelos derrubados para onde se viaja nos meses de lazer. E a velha pode pertencer ao castelo tanto como as pedras ou os calabouços enterrados. Visitar o castelo é visitar tudo o que faz parte dele, então visitamos a velha ao visitá-lo. Este é um castelo de aparições subtis. Os grupos de turistas são demasiado rápidos. Ainda que cada um deles aspire a ouvir murmúrios e fantasmas. Para contar. Mas os murmúrios são muito baixos e os fantasmas muito transparentes e a velha muito lenta. Ou não há murmúrios nem fantasmas nem uma velha por trás das paredes. Ou o medo dos tempos mais antigos apagou estas criaturas porque nem de falar desse medo foram capazes as mulheres e os homens de então. Porque alguns algumas vezes desapareciam e nunca se sabia quando e se e como e quantos regressariam. E quem, qual dos desaparecidos. Ou foram morrendo os portadores desse medo e a aldeia desapareceu por sua vez e dela nem um vestígio ficou ao contrário do castelo que perdura. A mina de carvão cobriu-se do verde das escarpas. A capela não chegou a ser construída. Nas estradas abertas por cavalos e carroças cresceu erva. Ou a noite na qual se abriu o caixão foi a noite da destruição dos corpos dos que assistiam e da ascensão dos espíritos. Da queda. Ascensão e queda. A noite em que Nergüi abandonou o quadro e a moldura de talha dourada. A noite em que a Condessa de Ecsed despiu o vestido de prata e a capa vermelho-escuro. A noite em que Anghelescu devolveu a liberdade a Cosmin. Do Confessor não se sabe porque não se sabe que tipo de coisa era, é. O ouro desapareceu também nessa noite, apenas o ouro e nada do que o imite. Não sobrou um cálice para os saqueadores, um anel, uma corrente. Quanto tempo demora o retorno da carne e da madeira à terra, quanto tempo demorou neste caso, se foi um instante ou o trabalho de décadas, é impossível saber-se. Quanto tempo demora a vegetação a esconder as lápides, camadas e camadas de raízes que reduzem a cascalho os túmulos. Tantos, a morte desfez tantos. Tudo o que é sólido se dissolve no ar. Resta apenas o castelo.

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