Acresce que estamos em face de relações
entre entidades soberanas, sempre sujeitas a melindres e com repercussões
graves, desde logo, do prisma económico-social. Donde, estes temas devem ser
tratados com resguardo. É evidente que os mass
media têm feito o seu trabalho, amiúde exagerado, porventura por falta de
assuntos. É ainda claro que o Ministério Público tem empreendido o que lhe
compete, e o pedido de levantamento da imunidade diplomática surge como um
procedimento normal, a que talvez não tenha sido indiferente a pressão da
opinião pública. O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem monitorizado a
situação de modo correcto. Então, porquê o sentimento de impunidade que campeia
por aí? Exactamente porque os Estados signatários da Convenção bem sabiam que
riscos como este existem, mas que as vantagens dela decorrentes são superiores.
Se o Estado iraquiano não proceder ao
levantamento da imunidade, Portugal apenas pode expulsar os indivíduos em
causa, passando a ser, cada um deles, persona
non grata. Tal importa, ainda, que o nosso país possa remeter, a pedido das
autoridades judiciárias nacionais, os elementos probatórios até ao momento
existentes às autoridades do Iraque, que deverão julgar os alegados agentes do
crime (o velho princípio punire aut
dedere). É evidente que não temos quaisquer garantias efectivas do modo
como esse julgamento decorreria fora de Portugal, por não existir jurisdição
sobre Estado estrangeiro. A impunidade – a provar-se a existência de crime e
que aqueles foram os seus autores – teria reflexos diplomáticos nas relações
entre os dois países, com eventuais sanções económicas que, de momento, tirando
zonas de franja, exigiria uma posição conjunta dos Estados-Membros da UE. Ora,
existem numerosos e contraditórios interesses no clube europeu quanto ao
Iraque, o que tornaria impossível – arrisco-me a vaticinar – a adopção de
medidas de retaliação de natureza colectiva.
No ideal dos mundos, o Iraque levantará
a imunidade e os suspeitos poderão ser constituídos arguidos, com aplicação de
medidas de coacção processual adequadas, e estarão em condições de se
defenderem. Não podemos esquecer que qualquer suspeito se presume inocente até
ao trânsito em julgado da decisão final, bem como que os jovens iraquianos têm
também interesse legítimo em apresentar a sua versão dos factos, o que se
estende ao embaixador que, na cena internacional, já não poderá apagar esta mácula
da sua carreira. Como sempre, não deve haver julgamentos em praça pública,
mesmo que os alegados delinquentes tenham confessado uma parte dos factos em
entrevista. Evitemos a histeria colectiva, sem que isto signifique qualquer
desculpabilização de algum dos contendores, mas a afirmação dos esteios
fundamentais do Estado de Direito. Numa organização política deste tipo, são os
instrumentos jurídicos convencionais e legais as nossas “armas” e não o
“diz-que-disse”.
Todos esperamos que o Rúben recupere o
mais rapidamente possível e que possa contribuir para o apuramento da verdade.
Da entrevista dos filhos do embaixador, de muito duvidosa conveniência,
resulta, a dado passo, que episódios como este são o dia-a-dia em Portugal. Não
é verdade, felizmente.
A justiça tem o seu tempo. Não é o da
comunicação social. Nunca poderá ser, sob pena de, em minutos, se operar o
julgamento, a condenação e o cumprimento da sanção.
Felizmente Agosto está a terminar e, sem
menorizar a gravidade deste caso, suspeito bem que outros existam que merecem a
nossa atenção. De repente deixou de se discutir uma verdadeira estratégia para
a floresta, a recapitalização da Caixa, a necessidade de um orçamento
rectificativo, os sinais de dissenso na coligação de incidência parlamentar
informal que sustenta o Governo, os dados macroeconómicos, a reforma da
Segurança Social.
Pois é, Setembro está à porta e é tempo
de voltarmos à realidade. Mesmo que ela seja dura.
Excelente post, caro André Lamas Leite. Muito calmo, muito ponderado e explicando com calma o que são as imunidades diplomáticas, para que servem, porque é que existem e quais os efeitos de serem abolidas.
ResponderEliminarBRAVÔ!