Neste quarto post,
sugiro um olhar pelas mudanças no sistema partidário português e pelo modo como
elas condicionam as estratégias dos partidos, reforçando mais uma vez o
discurso diabolizador, em prejuízo do debate sério. Deixarei para o último post
o papel da comunicação social e das redes sociais.
A primeira
observação é que o eleitorado português virou à esquerda em 20 anos. Os dados
do Eurobarómetro (ver no POP) confirmam que o eleitor médio em 2012 estava
significativamente mais à esquerda que em 1995. Basta, aliás, olhar para o
gráfico disponibilizado no POP para identificar uma tendência negativa, numa
escala de 1 (esquerda) a 10 (direita).
E, para assegurar
que os dados não se limitam a refletir a crise e a austeridade, olhemos também
para outros países sujeitos a programas de ajustamento. De 1995 para 2005,
Portugal virou ligeiramente à esquerda enquanto Grécia, Itália e França
praticamente não mexem; já Espanha tornou-se mais esquerdista (possivelmente
consequência do debacle do PP de Aznar). De 2005 a 2012, com a crise, Portugal
prossegue a sua viragem à esquerda. A Grécia faz o mesmo percurso que Portugal,
enquanto a Itália e a França continuam sem se mexer. A Espanha faz o percurso inverso.
Ano
|
Portugal
|
Espanha
|
Grécia
|
Itália
|
França
|
1995
|
5.3
|
4.9
|
5.8
|
4.9
|
4.9
|
2005
|
5.1
|
4.4
|
5.7
|
5.0
|
4.9
|
2012
|
4.8
|
4.6
|
5.2
|
5.1
|
5.0
|
(Esquerda 1,
Direita 10)
A segunda
observação confirma a anterior: o sucesso eleitoral do BE. Os 70 mil eleitores
do PSR+UDP em 1995 transformam-se em 132 mil nas legislativas de 1999. Desde aí a
tendência, sujeita evidentemente a ciclos, é óbvia: 154 mil (2002), 365 mil
(2005), 557 mil (2009), 289 mil (2011) e 551 mil (2015). Acrescem, em 2015, os
eleitores do Livre e do Agir. Independentemente dos inevitáveis sobressaltos
conjunturais, podemos afirmar que a esquerda radical passou dos menos de 75 mil
votos que tinha em 1995 para uma força de 300 a 500 mil votos, tendo
ultrapassado a barreira dos 600 mil votos em 2015.
A viragem à
esquerda do eleitor representativo e a consolidação do BE como partido médio,
com representação parlamentar, alterou drasticamente o sistema partidário
português. É óbvio que, tendo limitado a capacidade de crescimento do PS à sua
esquerda, acabou por contagiar o discurso deste (daí que a linha divisória entre
a ala esquerda do PS e o BE se tenha esbatido) e, após as últimas eleições,
forçou-o a um entendimento.
Curiosamente, à ”esquerdização”
do eleitor representativo e à consolidação do BE como partido médio, o PSD respondeu
virando à direita. Ou, pelo menos, essa é perceção da sociedade portuguesa
(pessoalmente penso que o PSD virou à direita bastante menos do que se diz, mas
a esquerda acusa-o de tal, o CDS disse isso mesmo na campanha de 2011, ao ponto
de se anunciar como o partido moderado de centro, e o próprio PSD aceitou essa
caracterização quando anunciou em vários momentos o regresso à
social-democracia).
O BE introduziu
uma linguagem acutilante e agressiva na sua comunicação política. É normal:
precisava de superar a barreira dos 150 mil votos para ser um partido relevante
e a linguagem delicodoce não ia ajudar nisso. O PS acabou por ser contagiado
com essa linguagem numa tentativa de parar a hemorragia de votos. O PSD e o
CDS, perante as suas fraquezas eleitorais, primeiro incapazes de derrotar
Sócrates (Passos Coelho pedia uma maioria absoluta a Manuela Ferreira Leite no
seu artigo “Vale a Pena”, em setembro de 2009) e depois na gestão do pós-troika,
acabaram por optar pelo mesmo processo. E, quanto mais o eleitorado virou à
esquerda, mais a direita se empenhou na diabolização do adversário e no uso de
linguagem radical em detrimento de um programa consistente e estudado.
O problema, em Portugal, é que o eleitor de esquerda tem muito por onde escolher e quem é de direita não. A direita patriótica e institucional que, por exemplo, questiona a razão de ser da actual União Europeia, que sofre com a entrega ao desbarato dos activos estratégicos à influência do Partido Comunista Chinês e outros especuladores, se escandaliza com o aproveitamento soez de maningancias mediático judiciais para eliminar actores políticos, se não identifica com a linguagem de chicana e claque, vazia de ideias, dos seus principais porta-vozes, se escandalizou com a transformação do fisco num robot agressivo e increú na boa fé dos cidadãos e das empresas, não tem em quem votar. A direita domina os jornais e as televisões mas tem falta de propostas credíveis de representação.
ResponderEliminarAcho difícil de acreditar que a Direita domine os jornais e a TV em Portugal.
EliminarQuais são os equivalentes de esquerda ao Correio da Manhã, Expresso, Sábado, i, Sol, Observador, Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa (ao tempo), José Gomes Ferreira, José Rodrigues dos Santos,?... até o Público, que até dava umas no cravo outras na ferradura, já entregou a Direcção a um compagnon de route. Nos últimos 5 anos, na única vez que a esquerda teve uma voz com inteligência e consistência a elaborar regularmente em prime time, graciosamente, ao contrário de todas as outras, mandaram-na prender.
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ResponderEliminarContinuo a ver consequências onde o Prof. detecta causas.
Se o seu último parágrafo resume a sua tese nesta parte - "quanto mais o eleitorado virou à esquerda, mais a direita se empenhou na diabolização do adversário e no uso de linguagem radical em detrimento de um programa consistente e estudado."- foi o discurso que fracturou diabolicamente as hostes em confronto ou essa diabolização
decorre do ambiente cerrado criado pela crise, que a receita da troica não ajudou a digerir?
O crescimento do BE é resultado da agressividade do seu discurso ou da crise espoletada há oito anos com toda a ganga de casos espúrios expelidos pelo vulcão, nomeadamente no sistema financeiro?
Se não tivesse ocorrido a crise (que já estava latente muito antes de 2008) teria o BE crescido como cresceu?
Se o anterior governo PS não tivesse as culpas que lhe são assacadas teria cedido tanto perante o BE?
Não teria.
O que justifica o crescimento do discurso do BE foi a perda de confiança no PS e a culpabilidade assumida pelo PSD na administração da receita da troica, com dispensa do negociador e subscritor do protocolo, o PS.
Depois o crescimento exponencial dos media amplificou, e continua amplificar, como nunca no passado os mimos atirados de cada um dos lados.
O sucesso do marketing político não passa, lamentavelmente não passa, pela discussão racional de propostas alternativas.
Basta olhar para os cartazes com que os partidos conspurcam sistematicamente o ambiente público.
Em casa onde não há pão ...
Nuno, falta entender a causa do que dizes "o eleitorado português virou à esquerda em 20 anos...".
ResponderEliminarEm alguns temas "fracturantes" creio que se avançou num certo progressivismo. Mas aí, PPC parece-me o mais progressivo dos líderes do PSD (Sá Carneiro, à sua maneira, e noutra época, também o era).
Mas nas áreas económicas, parece-me que isso tem a ver com o crescimento de uma classe média urbana, que vive do Estado e do sector não transaccionável da economia. Ou seja, uma população que olha para os seus interesses imediatos. Mais do que esquerda vs direita, já lhe chamaram o "partido do Estado" tendo Medina Carreira alertado para este fenómeno há mais de 15 anos.
O PS é partido em que se vêm representados. E o BE também ajuda, tal como a Fenprof /PC no caso dos professores.
Sem esta explicação, parece que as pessoas viraram à esquerda por arte de alguma evangelização. Parece-me mais provável que tenha sido por mero interesse económico. Em muitos casos, mesmo, interesse "rentista", pouco importando se isso é sustentável pela nossa economia ou não.