Nos posts
anteriores (aqui e aqui) defendi que: (a) o espaço público é hoje dominado por
claques, pompons, diabolização do adversário e insultos, em detrimento de ideias,
modelos e programas; (b) há razões estruturais para isso (isto é, para além dos
protagonistas conjunturais); (c) entre essas razões estruturais destaca-se o
progressivo desaparecimento do eleitorado flutuante (quase metade em vinte
anos) e o ciclo político “infeliz” desde 1999 (ausência de recursos para manter
a base de apoio depois de obter uma maioria suficiente para governar); (d) as
promessas eleitorais não são credíveis perante um desempenho deficiente de
todos os governos desde 1999 e, consequentemente, predomina o discurso do medo,
da ameaça, do diabo desconhecido, do estilo sem substância.
Neste terceiro
post proponho uma curta divagação por um outro aspeto um tanto colateral. Falo
da eleição parlamentar. Por si só explica pouco do discurso diabolizador. Mas,
quando associado aos outros fatores, percebe-se que reforça a necessidade de
mobilizar os fiéis onde estão presumivelmente menos cacicados, isto é, nos
grandes círculos eleitorais. Por contrapartida, nos pequenos círculos, de
eleitorado mais cacicado (um fenómeno documentado desde que há eleições em
Portugal há duzentos anos), pouco importa porque os lugares estão já
praticamente distribuídos antes dos eleitores votarem.
Vejamos o que
aconteceu em Portugal desde 1995:
Partidos
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Número mínimo de deputados
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Número máximo de deputados
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Número médio de deputados
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Comparação da média com 2015
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Comparação da média com 2009
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PSD/CDS
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87 (2005)
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132 (2011)
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107
|
0
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+5
|
PS/BE
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82 (2011)
|
129 (2005)
|
108
|
+3
|
-5
|
CDU
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12 (2002)
|
17 (1999,2015)
|
15
|
-2
|
0
|
Outros
|
0
|
1 (2015)
|
0
|
-1
|
0
|
Primeira
Conclusão: 181 lugares estão genericamente assegurados à partida (soma do
número mínimo de deputados) e apenas 49 estão em disputa. Esses 49 deputados
são eleitos basicamente em Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro. No resto do
país as transferências são pequenas e exigem grandes variâncias no voto popular.
Segunda
conclusão: tanto a de 2009 como a de 2015 são legislaturas próximas da média,
enquanto 2005 e 2011 ficaram muito longe da média (PSD/CDS e PS/BE têm os seus
máximos e mínimos precisamente nessas duas eleições).
Terceira
conclusão: de alguma forma, podemos dizer que os resultados de 2015, como os
resultados de 2009, correspondem a situações sem um vencedor parlamentar claro
(a média indica um empate entre PSD/CDS e PS/BE). Só que, quando não há um
vencedor claro, a direita está em minoria (consistente com a observação de que
PSD/CDS só tiveram maioria em duas das sete eleições desde 1995).
A disputa dos 49
lugares (apenas cerca de 20% dos “oficialmente” em jogo) em círculos menos
cacicados reforça inevitavelmente a importância do eleitorado fiel aparecer
para votar. Eleitorado mobilizado com o discurso do diabo que aí vem. Mas tudo
se torna muito mais saliente quando vivemos uma situação
próxima da média, com a direita com cerca de 107 deputados, PS/BE com 108 e CDU
nos seus 15 eleitos. 2009/2010 foi um bom ano para histeria das claques.
2015/2016 dificilmente poderia ser melhor desse ponto de vista.
Portanto 49 deputados vêm de um eleitorado flutuante, urbano e da abstenção.
ResponderEliminarCaro Nuno Garoupa:
ResponderEliminarConcordo com o essencial das suas conclusões, feitas a partir de uma criteriosa análise dos dados.
Aguardo o final para ver onde cabe outro tipo de razões, que reputo de muito relevantes para o discurso da diabolização do adversário e da acção política com base nas claques.
Não discordo das premissas nem dos seus cálculos mas reafirmo a minha discordância quanto às conclusões.
ResponderEliminarSubscrevo inteiramente a primeira parte do primeiro período do seu primeiro artigo, que reconhece:
- que não se trata de um fenómeno português;
- que, não sendo uma coisa recente, ..., o discurso político no espaço público é fundamentalmente um conjunto de variações sobre a diabolização do adversário, para deleite das classes dos partidos;
- que esse fenómeno aumenta exponencialmente nas redes sociais, onde predomina o ódio e insulto em detrimento de qualquer debate racional;
Do que discordo é que a progressiva redução da quota do eleitorado flutuante, os ciclos políticos ou o número de deputados em disputa em cada eleição sejam causas da crescente diabolização política.
Não são. Porque se:
- não se trata de um fenómeno português (o que é muito evidente para quem se encontra minimamente informado sobre o que, a este respeito, se passa fora do nosso país)
- não é uma coisa recente (o que também é muito evidente para quem tenha uma noção razoável do caminho da história),
o aumento da diabolização para deleite das classes políticas resulta do aumento exponencial das redes sociais onde predomina o ódio e o insulto em detrimento de qualquer debate racional.
Se há redução do eleitorado flutuante é porque os media em geral, e não apenas as redes sociais, ampliam os ódios e insultos partidários, empurrando, deste modo, os "infiéis" para a escolha de um dos credos em confronto. Na transmissão televisiva dos debates cada intervenção parlamentar é uma disputa de afirmação pessoal do orador.
E a redução do número de lugares de deputado em jogo é consequência natural da redução do número de eleitores sem credo.
Por outro lado, os ciclos políticos resultam dos ciclos económicos, quaisquer que sejam os factores provocadores das suas fases.
Atravessamos tempos de grande incerteza, sem fim à vista.
A política, ausência ou excesso de políticas, e, muito criticamente, a política financeira da União Europeia, só por si, é factor fracturante mais que suficiente para exacerbar os confrontos ideológicos e extremar posições. Não por acaso, as abordagens serenas desta questão tão crítica para o futuro de todos os membros da UE em geral e da Zona Euro, em particular, vêm de fora da Europa.
Há saída "limpa" para este impasse?
É talvez o pressentimento, até o pânico, de que não há saída ao fundo deste túnel sem fim à vista, em que hesita entre andar e recuar o combóio da UE, que mais exalta os ânimos dos passageiros.