Este é mesmo um palerma. Tanto que nem me vou dar ao trabalho de fazer de conta que estou só a escrever de longe, nem vou inventar pessoas que digam por mim que este é mesmo um palerma. Há coisas que são tão evidentes que apresentá-las por interposta pessoa ou interposto parágrafo é um desperdício de forças. E de figuras de estilo. Pois se este é mesmo um palerma, que adianta compará-lo a um vaso de cabeça para baixo, ou descrevê-lo à custa dos mais esticados dos superlativos. Dizer deste que é o maior de todos os palermas, ou que é palermíssimo, ou até palermissimosíssimo, não acrescenta nada ao facto de que este é mesmo um palerma. Coroá-lo o rei dos palermas e cumulá-lo dos sinais da realeza, a coroa de ouro e rubis, o ceptro milenar, a capa púrpura, não nos faz compreender melhor uma coisa tão simples, este é mesmo um palerma. Ainda que invertêssemos os materiais de que esses símbolos são feitos e falássemos, porque sabemos o que é o sarcasmo e a troça, de coroas feitas com flores de grelos, e insígnias de cebolas, e um ceptro que há dois minutos era o cabo de uma vassoura, e uma capa que era um lençol tão sujo que passava por púrpura, nenhum efeito especial obteríamos. Este é mesmo um palerma, de tal modo que não precisamos de reforçar a constatação apresentando-a de duzentas maneiras diferentes. Não precisamos de explicar nada. Ou de inventar genealogias, já o bisavô dele era mesmo um palerma, e a tia materna, e os irmãos, e os primos, e apenas da sobrinha se pode dizer que não é mesmo uma palerma, ainda que de vez em quando pareça, o sangue é uma condenação. Nem é preciso dar exemplos. Ainda que não soubéssemos que no dia X do mês K este, que é mesmo um palerma, fez H a T, continuaríamos a saber que este é mesmo um palerma. E se às incógnitas atribuíssemos um valor, no dia dezassete de mês de Julho este, que é mesmo um palerma, fechou na varanda a avó da prima, não seria por isso que a nossa certeza aumentaria. O mesmo se diga da prática corrente de enumerar sinónimos. Um palerma é um palerma ainda que se possa chamar-lhe estúpido, idiota, imbecil, lerdo, papalvo, parvo, tolo ou tonto. O que, sim, mereceria longo comentário, é este curioso e feliz portento, a saber, que um sinónimo nunca é exactamente a mesma coisa.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.