(hoje é por uma razão especial)
A brisa amena de um fim de tarde minhoto convida à vida
do espírito, gémeo da brisa. Não se imagina, pois, melhor momento para
comparecer à inauguração da nova mostra de um dos maiores pintores portugueses
da actualidade do que este dia de inverno clemente. E combinam bem com as
temperaturas frescas e vivificantes desta estação, que, apesar da chuva por
vezes intensa e longa, nos poupa, e a este jardim à beira mar plantado, aos
extremos furiosos da restante Europa, combinam bem, dizíamos, as barbas rentes
e os óculos densos dos que vêm ver a mostra, os seus sobretudos estreitos e
escuros, as suas franjas e vestidos assimétricos, e até os seus pontuais
chapéus, sempre de aba mais larga do que aqueles que fazem ainda furor entre
pessoas que não costumam frequentar inaugurações de mostras de arte, menos
ainda retrospectivas como é o caso da que ocupa o presente apontamento de
reportagem. É festivo o ambiente da inauguração, o verde branco em copo de pé
alto contribui para a boémia das obras do primeiro piso e não atrapalha a
religiosidade das obras do segundo. Quem é assíduo nestes eventos sabe que é
importante ler o texto inscrito na parede que introduz a exposição. Quem não é,
agradece que ele esteja lá para guiá-lo nesta nova aventura. Os que preferem
não lê-lo ou são já suficientemente conhecedores para dispensá-lo, ou não
entraram ainda no espírito da arte moderna, melhor, contemporânea. Não sabem
que o artista reinicia uma nova proposta de inteligibilidade, por exemplo. Em
que consiste essa nova proposta não é muito claro no texto, mas dissera este
tudo o que há para dizer e seriam dispensáveis as próprias obras e a meditação
funda, de trinta segundos pelo menos, a que nos intimam. O protocolo é
cumprido, em respeito pela honestidade do artista. Estamos, na arte
contemporânea, longe do juízo platónico que faz do artista um burlão e da arte
uma cópia inepta da realidade. Hoje, o artista comenta, critica, propõe,
desafia, inquieta. Os seus comentários interpelam, as suas críticas contundem,
as suas propostas modificam, os seus desafios perturbam, as suas inquietações
transformam. Nota: neste ponto do apontamento de reportagem que aqui ensaio, o
meu editor diz-me que o tom lírico deste texto não se coaduna com a atitude
conceptual da escrita contemporânea sobre arte também contemporânea, que inspira até
suspeitas de uma ironia farisaica ou tosca, muito diferente da ironia
meta-irónica mais adequada a estes con-textos, isto apesar do uso de termos
como intimar ou inteligibilidade. Por tudo isto apresento as minhas sinceras
desculpas aos leitores. Foi-me, portanto, retirada a incumbência do caderno
cultural e voltarei à página de assuntos diversos que tem sido a minha escola.
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