42. Venham eles.
Pronto para tudo, do apocalipse à invasão extraterrestre, Jonas L. fechou a última fivela da mochila com que se preparava para enfrentar fosse o que fosse. Alguma coisa ia ser, isso era certinho, fatal como o destino, inevitável. Tinha a certeza disso desde que uma noite acordara com suores frios e uma sensação de asfixia, um pânico sem causa nem objecto, coisa que nunca lhe acontecera antes. Desde aí, não havia nada que não o assustasse com presságios de desastre e destruição. Não era a banalidade de portas rangentes ou sombras escuras que o trazia perturbado. Não saltava de susto por causa de barulhos no sótão ou porque alguém chegasse devagarinho e sem fazer barulho e lhe batesse num ombro. Não se afligia com uivos em noites de tempestade, ou vozes misteriosas. A situação era muito mais grave. Um dia, sentiu-se ameaçado por um botão da camisa. Era como se o botão o desafiasse, insolente. Vá, aperta-me se fores capaz. Vá, aperta-me e logo vês o que te acontece. E também a casa onde o botão entraria lhe mostrava um esgar sardónico. Basta dizer que tanta provocação fez Jonas sair nesse dia de casa com a camisa desapertada, não apenas o botão que o ameaçava, mas todos os botões ficaram por apertar, não fosse a revolta tornar-se geral e a ameaça tornar-se realidade. Pior, Jonas apercebeu-se de uma multidão de botões que constantemente se aproximavam dele de todos os quadrantes. Para onde quer que olhasse, via botões. E as casas respectivas. Um exército de botões pronto para a violência e a carnificina. Eles estão entre nós, pensava. Sem saber o que fazer, e sem se atrever a arrancar todos os botões que tivesse, Jonas tentou alertar outros para o perigo que corriam, expostos e confiantes nos botões que usavam com abundância, mas não foi ouvido. Decidiu, então, vestir apenas roupas sem botões. Foi difícil. Uma camisa atada com laços dava muito trabalho, e acabou por escolher uma túnica. Mas ficou sem ter onde pôr a gravata, e Jonas era um profissional sério, e eram sérios os profissionais com quem trabalhava. Acabou despedido. Surpreendentemente, não sofreu muito com isso. O mundo do trabalho está infestado de botões, sempre podia passar a frequentar sítios onde eles não existissem, ou fossem poucos. Tardou em encontrar esses sítios, ou melhor, não encontrou um único onde a quantidade exígua de botões pudesse deixá-lo descansado. Ainda pensou em falar com os seus botões, que continuavam cosidos nas roupas que já não usava mas que não se atrevera a deitar fora. Sem resposta, concluiu que a ameaça era mais grave ainda do que tinha pensado. Não haveria negociação nem clemência no dia em que os botões acordassem da sua aparente letargia. Sim, porque eles estavam vigilantes, e aguardavam apenas o sinal que por todo o planeta os faria saltar em simultâneo. O fim de tudo estava próximo e por isso Jonas fechou a última fivela da mochila e partiu, pronto para vender cara a sua vida.
Pronto para tudo, do apocalipse à invasão extraterrestre, Jonas L. fechou a última fivela da mochila com que se preparava para enfrentar fosse o que fosse. Alguma coisa ia ser, isso era certinho, fatal como o destino, inevitável. Tinha a certeza disso desde que uma noite acordara com suores frios e uma sensação de asfixia, um pânico sem causa nem objecto, coisa que nunca lhe acontecera antes. Desde aí, não havia nada que não o assustasse com presságios de desastre e destruição. Não era a banalidade de portas rangentes ou sombras escuras que o trazia perturbado. Não saltava de susto por causa de barulhos no sótão ou porque alguém chegasse devagarinho e sem fazer barulho e lhe batesse num ombro. Não se afligia com uivos em noites de tempestade, ou vozes misteriosas. A situação era muito mais grave. Um dia, sentiu-se ameaçado por um botão da camisa. Era como se o botão o desafiasse, insolente. Vá, aperta-me se fores capaz. Vá, aperta-me e logo vês o que te acontece. E também a casa onde o botão entraria lhe mostrava um esgar sardónico. Basta dizer que tanta provocação fez Jonas sair nesse dia de casa com a camisa desapertada, não apenas o botão que o ameaçava, mas todos os botões ficaram por apertar, não fosse a revolta tornar-se geral e a ameaça tornar-se realidade. Pior, Jonas apercebeu-se de uma multidão de botões que constantemente se aproximavam dele de todos os quadrantes. Para onde quer que olhasse, via botões. E as casas respectivas. Um exército de botões pronto para a violência e a carnificina. Eles estão entre nós, pensava. Sem saber o que fazer, e sem se atrever a arrancar todos os botões que tivesse, Jonas tentou alertar outros para o perigo que corriam, expostos e confiantes nos botões que usavam com abundância, mas não foi ouvido. Decidiu, então, vestir apenas roupas sem botões. Foi difícil. Uma camisa atada com laços dava muito trabalho, e acabou por escolher uma túnica. Mas ficou sem ter onde pôr a gravata, e Jonas era um profissional sério, e eram sérios os profissionais com quem trabalhava. Acabou despedido. Surpreendentemente, não sofreu muito com isso. O mundo do trabalho está infestado de botões, sempre podia passar a frequentar sítios onde eles não existissem, ou fossem poucos. Tardou em encontrar esses sítios, ou melhor, não encontrou um único onde a quantidade exígua de botões pudesse deixá-lo descansado. Ainda pensou em falar com os seus botões, que continuavam cosidos nas roupas que já não usava mas que não se atrevera a deitar fora. Sem resposta, concluiu que a ameaça era mais grave ainda do que tinha pensado. Não haveria negociação nem clemência no dia em que os botões acordassem da sua aparente letargia. Sim, porque eles estavam vigilantes, e aguardavam apenas o sinal que por todo o planeta os faria saltar em simultâneo. O fim de tudo estava próximo e por isso Jonas fechou a última fivela da mochila e partiu, pronto para vender cara a sua vida.
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