quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Orçamento do Estado 2016: o regresso ao passado

Na substância, o Orçamento do Estado (OE) para 2016 distingue-se pelo aceleramento da reposição dos cortes dos salários e pensões. O governo anterior iniciou a reposição dos cortes, mas de uma forma mais gradual. De qualquer maneira, independentemente do governo e do ritmo, o Tribunal Constitucional acabaria, muito provavelmente, por obrigar à reposição integral dos salários, como fez entre Maio e Setembro de 2014. Na fiscalidade não vejo diferenças com significado neste OE em relação ao passado.

Mas sendo assim por que razão suscita este OE tantas dúvidas?

Em primeiro lugar, o OE foi apresentado num contexto em que o Governo e a sua base de apoio não fazem outra coisa senão criticar e eliminar medidas do anterior governo, muitas delas tomadas no contexto da execução do programa de assistência da troika, assinado por um governo do PS: do horário das 40 horas à eliminação dos feriados, passando pelo programa das privatizações. Na substância, nenhuma destas medidas de ‘reversão’, isoladamente, representa grande risco para a economia portuguesa. Mas a forma como foram feitas, e o discurso que as suporta, colocou sobre o OE todos os holofotes e fez surgir dúvidas em relação à determinação do novo Governo em cumprir com os seus compromissos.

Em segundo lugar, numa altura em que os nossos credores esperam sinais em relação ao comprometimento com a correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa, o Governo optou por falar para dentro, em registo eleitoral. O melhor exemplo disso são os recentes vídeos com o Primeiro-Ministro, nos quais se esforça por convencer-nos de que nos está a dar mais do que a retirar em impostos. A mim isso não me deixa mais confiante no futuro. E aos mercados também não deixará. A mensagem que o Governo tem passado a propósito do OE, procurando mostrá-lo em tons cor-de-rosa, tem como único resultado fragilizar ainda mais a credibilidade do Estado.

Em terceiro lugar, o Governo e os partidos que o apoiam persistem na crítica ao anterior Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho por este ter afirmado que pretendia ir além da troika, tornando claro que teriam seguido um caminho diferente. Ora, apesar dos erros que foram cometidos, o grande objectivo foi alcançado: concluir dentro do prazo previsto o memorando assinado com a troika. Quem achar que é coisa pouca que vá ler o que se dizia um ano antes sobre a espiral recessiva, incluindo o Presidente da República Cavaco Silva e membros do Governo (ver, por exemplo, as cartas de demissão de Vítor Gaspar e de Paulo Portas). A verdade é que o anúncio do objectivo de ir além da troika foi importante para recuperar a credibilidade externa e convencer o país da necessidade de cumprir o programa de ajustamento. Que aquela frase seja usada para fins eleitorais diz muito sobre a forma como se faz hoje política em Portugal.

Finalmente, as posições públicas sobre a reestruturação da dívida ou a nacionalização do Novo Banco também não contribuem em nada para reforçar a confiança (o que não quer dizer que não tenham de ser consideradas e trabalhadas nos gabinetes).

A minha esperança (muito mitigada) é que o Governo consiga ir além do Orçamento, apresentando medidas que ajudem a tornar Portugal muito diferente do que era antes da intervenção da troika e não, como aconteceu até agora, cada vez mais parecido. Até ao momento ainda não vi nada nesse sentido.

O regresso da conversa dos centros de decisão nacional e da necessidade do controlo do sistema bancário sugere mesmo que estamos num processo de regresso ao passado.  

12 comentários:

  1. "A verdade é que o anúncio do objectivo de ir além da troika foi importante para recuperar a credibilidade externa e convencer o país da necessidade de cumprir o programa de ajustamento."

    O problema é que não convenceu (o país) coisíssima nenhuma. Conseguiu convencer parte do país, em detrimento (ou mesmo hostilizando activamente) uma outra parte. Em termos de discurso interno, o anterior Governo foi um absoluto desastre.


    Quer isto dizer que este é que vai ser? Não, tenho as maiores reservas e não me agrada algumas das medidas emblemáticas já tomadas (como a nova subida do SMN ou as alterações "a martelo" na educação). No entanto, e em termos comunicacionais, está mais perto de um tom adequado.

    Tudo isto resulta de uma combinação de resultados eleitorais algo turvos, combinados com a incapacidade dos dois maiores partidos de tomarem a decisão óbvia na altura - um governo de bloco central, com mudança da liderança nos DOIS partidos.

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    1. "No entanto, e em termos comunicacionais, está mais perto de um tom adequado." Mais adequado para quem e para quê? Só se for para ganhar eleições - embora o tiro possa sair pela culatra ao PS se as coisas se descontrolarem e rezemos e acendamos velinhas para que não porque quem sofreria as consequências seríamos nós. Para conquistar a confiança dos mercados e dos nossos parceiros europeus- de quem, gostemos ou não, continuamos a depender do seu financiamento em milhares de milhões todos os anos - a comunicação do actual governo é desastrosa e irresponsável.

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    2. Tom para consumo interno. Nestes casos é normalmente preferível fazer "peito cheio" aos "externos", sejam mercados ou parceiros europeus - enquanto, na realidade, se vai ceder em quase tudo e é tudo em grande parte um encenação - do que entrar numa postura que pode ser entendida como subserviente.

      Obviamente que se dispensam declarações irresponsáveis ou claramente demagógicas (e estou-me a lembrar do "medo" dos banqueiros alemães).

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  2. Verdade seja dita o discurso do "além da troika" foi dado quando o Governo foi acusado de apenas ter o programa da troika como rumo, ao que o PM disse (secalhar ingenuamente) que o Governo iria além da troika (isto é, do programa), com uma agenda sua. Acho que se o Governo tivesse tido uma equipa de comunicação decente, e um forte ataque ao spinning teriam sido mais eficazes. A comunicação foi de um amadorismo atroz. Sinto-me revoltado, porque foi graças à ausência desta que hoje temos uma geringonça no poder.

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    1. Nem mais. Se o Governo anterior em vez de dizer que ia além da Troika (p.ex.) dissesse que ia discutir o programa de forma a proteger os Portugueses (como aliás tentou fazer nos bastidores), teria sido francamente mais bem aceite e compreendido.

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  3. Quem nos dera regressar a um passado em que os Bancos, as Seguradoras, a Energia, as Telecomunicações, as concessões de infra-estrutura,... eram controladas por este país. Já não há remédio. Os atrasos na chegada de Draghi ao BCE e uma oposição e uma presidência irresponsáveis encarregaram-se de o transformar em pouco mais do que um lugar para passar férias, receber congressos e convenções de vendas, enquanto serve de ratinho com que o gato de Bruxelas se diverte.

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  4. Como eu tinha especulado antes, o grande problema deste governo é que não conseguirá fazer nada muito diferente da PàF, mas ao insistir num discurso populista e espalhafatoso, consegue apenas aumentar as taxas de juro de financiamento da República. Acabamos por estar sujeitos a mais risco, sem por isso ter compensação nenhuma. Até é altamente duvidoso, que este governo consiga fazer a economia crescer ao mesmo ritmo que cresceria com o governo anterior.

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    1. «o grande problema deste governo é que não conseguirá fazer nada muito diferente da PàF,»

      Pois eu acho que o grande perigo deste governo é fazer muita coisa muito diferente da PàF.

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    2. As taxas de juro depois baixam, não te preocupes. O que interessa é o que acontece na realidade. Como disseste, e bem, o programa acaba por ser muito semelhante (existe alguma "troca" de quem é mais ou menos penalizado, por motivos ideológicos, mas é mais cosmética que outra coisa). A diferença pode (ou deveria) estar na maneira como isso é percepcionado pelas pessoas - é tudo uma questão de spin comunicacional.

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    3. Tens razão, Alexandre -- escolhi mal o adjectivo; devia ter dito "melhor", em vez de "diferente".

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  5. O artigo é muito bom e o melhor mesmo é lê-lo todo para percebê-lo bem.

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