quarta-feira, 6 de julho de 2016

Chili hot dogs on the 4th

Ontem celebrou-se o 4 de Julho por estas bandas e eu, a J., e a Little J. fomos convidadas para ir almoçar a casa da Groupie do Lobo Antunes (GLA). Foi a primeira vez que visitei a casa dela, mas a J. já me tinha dito que era qualquer coisa do outro mundo e é. Desta vez não tirei fotos, mas da próxima vez que visitar, pedirei autorização para tirar e partilhar convosco.

A GLA foi professora de arte e a casa está cheia de quadros, esculturas, colecções diversas, souvenirs de viagens, etc. Ela tem uma particular paixão pelo México e há bastantes artefactos recolhidos nas suas muitas viagens àquele país. Numa das paredes, no andar de cima, havia uma colecção de fotos de murais políticos; duas delas chamaram-me a atenção: a que tinha uma imagem feita com um stencil da Frida Kahlo junto a algumas palavras como "Liberdad" e uma outra imagem de um stencil desta citação:
"Si no puedes tener la razón y la fuerza escoge siempre la razón y deja que el enemigo tenga la fuerza. En muchos combates puede la fuerza obtener la victoria, pero en la lucha sólo la razón vence. El poderoso nunca podrá sacar razón de su fuerza, pero nosotros siempre podremos obtener fuerza de la razón".

~ Citado en Marcos, El Señor de los Espejos, de Manuel Vázquez Montalbán.

Esta foto é a preferida da empregada da GLA e, para além do computador, era o que a empregada gostaria de receber no testamento.

No andar de baixo, a parede exterior estava coberta com quadros e objectos das viagens a Itália. Havia também um artefacto em hebreu que um familiar tinha feito. Na sala de estar, repousavam duas cadeiras Barcelona, em tom castanho-mostarda, com bastante uso.

A parede comprida, onde estava a lareira, tinha vários desenhos a carvão da autoria da GLA, cada um media pelo menos um metro de altura e representava objectos dispersos pela sala: uma caixa, que parecia um guarda-jóias, um sapato decorado com penas de pavão e flores artificiais, uma urna, uma sereia esculpida de um material que não consegui identificar e que, no corpo, tinha um buraco para se colocar na cabeça, etc. Cada desenho tinha uma característica especial, para além do carvão: um tinha um pouco de cor aplicada com lápis-de-cor; no desenho da sereia, a cor vermelha dos lábios vinha de uma aplicação de folha de prata, etc.

Havia, na sala, um cavalete com uma foto de GLA quando tinha quarenta e tal anos. O seu cabelo, de corte assimétrico e escuro, envolvia um rosto esguio com um olhar azul e determinado e lábios perfeitamente definidos; a maquilhagem, apesar de se notar, era sóbria, enaltecendo a sua expressão de mulher emancipada. O braço esquerdo, completamente estendido, mas relaxado, sobre as costas do sofá onde estava sentada, segurava um cigarro.

Quando reparei na foto, pensei que fosse a GLA, mas fui assaltada pela dúvida, pois a foto não parecia antiga, parecia ser uma mulher com uma atitude muito moderna. Só o cigarro a traía, pois entretanto fumar deixou de ser glamoroso. E, depois, a GLA tem uma estatura pequena, mas na foto ela parece ser uma mulher muito mais alta, completamente dominante. Era ela mesmo.

À frente da imagem, um papel, que alguém lhe tinha dado, com uma imagem de Mad Men e uma pergunta escrita: "look familiar?"


Do outro lado da sala, ficavam as escadas e havia mais quadros organizados por temas e períodos. Alguns tinham nus humanos, formas com bastantes curvas onde o verde e os amarelos dominavam o fundo e as sombras do corpo. Esses quadros foram produzidos durante a década de sessenta. Um deles reconheci-o da parede da foto da GLA que estava no cavalete.

Na parede ao fundo da escada havia um auto-retrato de GLA. Não sei bem quando foi pintado, mas ela disse que o pintou porque precisava de um auto-retrato. O posicionamento, as linhas do pescoço e os traços do rosto recordaram-me do retrato que Max Ernst fez de Dominique de Menil, em 1934. A Sra. de Menil não gostou nada da obra que encomendou a Ernst e guardou-a num armário até que se esqueceu dela. Só mais tarde, quando a encontrou, é que apreciou o trabalho. Aqui está ele, parte da colecção permanente de Surrealismo do Menil, o Museu de Arte Moderna de Houston:


"Dominique", de Max Ernst (1934)

Durante o almoço falámos de Gonçalo M. Tavares, que eu lhe tinha recomendado (ouvi falar dele no podcast "Sinais" da TSF -- gostaria de enviar um grande "Obrigada!" ao Fernando Alves que me proporciona horas de grande prazer e muito educativas), pois já vai no terceiro livro dele e está a gostar muito. Acha que um dias destes, o Nobel da Literatura irá para António Lobo Antunes -- ela diz "when he gets the Nobel" -- e que, daqui a umas décadas, o Gonçalo M. Tavares é capaz de ser outra forte possibilidade. Para mim, é muito gratificante estar com alguém que tem tanto apreço por autores portugueses e que quer descobrir mais. E também funciona um bocado como auto-validação, pois acho que a literatura portuguesa tem muito potencial e devia ser mais conhecida além fronteiras.

O almoço foi meio-tradição, meio-invenção: a GLA ofereceu cachorros quentes com chili (chili hot dogs), salada de batata, e uma casserole que ela inventou e que tinha alguma influência da cozinha tex-mex. Aqui está o meu prato, com o cachorro quente antes do chili:

A GLA também vestia as "red, white, & blue", dominadas por uma túnica vermelha. Ah! Eu também me vesti em tons da bandeira. Afinal, when in America, be American! E eu sou muito...


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