A não ser
“irrevogável”, a não recandidatura de Paulo Portas à liderança do CDS-PP
importa o desaparecimento, ao menos de uma forma mais activa, de um dos mais
hábeis políticos portugueses do pós-25 de Abril. Para o bem e para o mal.
Formado na grande
escola do jornalismo político, abjurando tudo o que fosse o exercício efectivo
da política, é no mínimo irónico que seja um dos líderes com mais tempo de
condução de um partido. Ainda na sombra de Manuel Monteiro, Portas acabou por
se transformar no ventríloquo que, reunidas as condições, cortou os fios ao
boneco que criara e deixou cair o pano, aparecendo vitorioso, qual Rasputin.
Perito em “cambalhotas
ideológicas”, foi o responsável pelo fim de qualquer rasto de democracia-cristã
ainda existente no CDS e afirmou de vez um PP neoliberal, mais descomprometido
com a sua matriz ideológica inicial de Amaro da Costa ou de Freitas do Amaral.
Dir-se-ia, em linguagem freudiana, que a Portas se deve “a morte do pai” e a
emancipação do filho: feito à sua imagem e semelhança. Portas foi (quase)
totalmente o partido e vice-versa. Orador muito dotado, forte no contacto
popular, incomparável nos “sound bytes” e na comunicação social – não conhecesse
ele o meio como as suas mãos –, preparado, estudioso: tudo características que
o tornaram um adversário político temível.
Como sempre, a História
encarregar-se-á de o definir, mas creio que a direita portuguesa tem agora uma janela
de oportunidade para se repensar e para decidir se pretende manter-se na deriva
neoliberal cujos resultados estão à vista, ou se regressa à matriz
democrata-cristã e até social-democrata, entendida esta como mais próxima do
ideário nórdico. Bem vistas as coisas, há mais pontos de convergência entre
ambas do que à primeira vista se pode considerar.
Paulo Portas não sairá
totalmente de cena. É ainda demasiado cedo para saber se almeja a Presidência
da República. Um “zoon politikon” como ele não sai nunca de cena, excepto com a
morte. Antevejo que permanecerá atento e vigilante, mas julgo que terá a
inteligência suficiente para não regressar à liderança do PP. É exacto que tal não
seria a primeira vez na vida de Portas e do seu partido, mas se já foi iludida
a regra “there’s no second chance to cause a good first impression”, a
“terceira hipótese” parece mesmo, mesmo irrevogável. Desta feita à séria.
Portas é daqueles
políticos a que se não permanece indiferente, desde logo porque a sua
“elasticidade política”, ou mesmo “contorcionismo”, não são habituais, tal como
não o é o populismo indisfarçável misturado com a postura de Estado de um líder
supostamente messiânico.
Confesso que, do prisma
pessoal, não sentirei a sua falta enquanto governante, mas temos de convir que
a política portuguesa perde o seu laboratório itinerante de mortais encarpados.
Reduzi-lo ao “Paulinho das feiras” é uma caricatura pueril, tal como ao
“destruidor implacável” de documentos pouco antes de deixar de ser Ministro.
Dono de uma enorme ambição, aquilo que me parece hoje mais saliente é aferir se
o líder agora de saída alguma vez teve uma real visão para o país. Para o
partido, ou seja, para si e a sua “longa manus”, é indiscutível que sim. Mas
talvez seja demasiado pedir algo de similar hoje em dia a qualquer político…
A luta interna já havia
começado e é bem provável que espectáculos pouco edificantes se sucedam nos
próximos dias. Portas não fecha a porta, mesmo de saída. Tudo fica sempre
entreaberto. Como um prudente ancião com alguns tiques de “pai tirano” a quem
se afivela uma “persona” de simpático.
«Perito em “cambalhotas ideológicas”, foi o responsável pelo fim de qualquer rasto de democracia-cristã ainda existente no CDS e afirmou de vez um PP neoliberal»
ResponderEliminarSerá? Quase que me arriscava a dizer o contrário: que se o Paulo Portas foi responsável por uma mudança do CDS de um partido quase-liberal, cujas bandeiras praticamente se limitavam a ser contra aumentos de impostos e favor do pagamento das indemnizaçãoes aos nacionalizados de 75 (e veja-se que o argumento que o Freitas dava para justificar a "equidistância" era que estava à direita do PSD em questões económicas, mas à sua esquerda em questões de direitos e liberdades - o que seria exatamente a posição liberal) num PP nacionalista e conservador, passando a pegar em questões como a "lei e ordem", os antigos combatentes, a disciplina nas escolas, o aumento das pensões, a defesa da "lavoura" e das pescas (sempre com uma grande ambiguidade sobre se estava apenas contra os intervencionismos europeus que prejudicariam a "lavoura", ou se estava a defender mesmo um intervencionismo favorável à "lavoura" nacional), ocasionalmente a imigração, etc.
Ou seja, parece-me que o velho CDS (apesar da referência "democrata-cristã") era na prática quase apenas um partido liberal-económico, enquanto o novo PP passou a ser também um partido abertamente socialmente conservador (o CDS também o era, mas normalmente não ia buscar o assunto ou fazer dele tema de campanha - só em resposta a propostas da esquerda, e a verdade é que esta, com a exceção do extraparlamentar PSR, também não ligava muito a esses coisas) e mesmo na economia passou a oscilar entre o liberalismo e uma espécie de populismo semi-protecionista.
Ainda bem que a direita portuguesa tem quem lhe fixe as baias de uma ideologia socialmente aceitável - mais à direita que a social democracia é inaceitável. Tudo isto só porque sai o Paulo Portas.
EliminarJá agora, o que diabo vem a ser o neoliberalismo?
E o que é social-democracia de direita?
Obrigado.