quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Nem tudo está perdido, especialmente na rua

Eis que mês e meio depois de uma grávida em final de gestação ser atendida por cinco hospitais devido a dores e a bebé ter falecido pouco tempo depois de nascer, temos um outro caso em que uma grávida não conseguiu ir ao hospital por falha humana no algoritmo informático, mas teve um parto com sucesso no meio da rua. Concluo que é mais seguro dar à luz na rua, do que ir a cinco hospitais. Isto é uma excelente notícia porque permite ao governo continuar a exploração do surrealismo governativo que se instalou em território lusitano. Por este caminho, se terminar o mandato é sorte porque duvido que consiga ser reeleito.

Claro que estou a ser injusta porque há coisas bastante importantes que tem tratado, como a preocupação do executivo em limitar o tempo que as mães têm acesso a um horário laboral reduzido para que possam amamentar os filhos. Não basta Portugal ter pouquíssimas grávidas, ainda tem a infelicidade de haver umas que têm o hábito de abusar dos seus direitos pós-parto. A Ministra do Trabalho, Solidariedade, e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, acha que se deve mudar a lei para que não haja abusos porque "acha" difícil de conceber que uma criança seja amamentada depois dos dois anos porque deve comer sopa e outras coisas e não viver só de leite materno. Normalmente, há um processo de fiscalização para encontrar abusos, em vez de se mudar leis para os evitar, mas agora sabemos que não há fiscalização, logo abusem à vontade dos vossos direitos em todas as leis e não se acanhem.

Agora, vocês que me lêem se calhar pensam, espera lá, o governo não tem acesso aos dados de desenvolvimento das crianças e não podia fazer um estudo a ver se realmente vale a pena amamentar depois dos dois anos? Ou podiam arranjar um investigador que fizesse uma revisão de literatura médica ou um estudo de práticas noutros países e depois, mediante os resultados, propunha uma modificação da lei, se necessária? E até podia fazer um estudo a ver se o ter um horário reduzido de trabalho tem efeitos na carreira das mulheres, na sua satisfação laboral, etc.?

Não, a Ministra "acha" que há abuso, não tem provas de que haja abuso, nem tem uma contagem dos casos de abuso--apenas acha. Ora, eu também acho que pelo seu discurso há provas suficientes que esta senhora não tem capacidade intelectual para ser ministra de coisa alguma. Ela nem do meu cão tomava conta. Por mim, na rua é que estava bem, como as grávidas.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Quase a encerrar

Se estão de férias, aproveitem e vão visitar esta exposição super-original da Constança Cabral, que está aberta ao público até ao dia 8 de Agosto no Espaço Museológico Olhar o Mar, na Lourinhã. Um projecto super-giro com reproduções em papel de flores da flora portuguesa. Se tiverem crianças, também é um bom programa.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Ideologias e cidadanias

Depois de ler a Eneida, estou agora a ler a Ilíada. São livros que são o foco de aulas online por um jovem inglês que tirou o mestrado em Clássicas em Oxford. Inscrevi-me porque penso que sozinha não me atreveria a ler estas obras, mas achei importante lê-las, logo pagar para as ler cria um custo e uma espécie de obrigação que tenho cumprido. É pena que não funcione exactamente assim com o meu pagamento ao ginásio.

Se a Eneida era violenta (recordo-me em particular da descrição da morte de Priam), a Ilíada é brutal, verdadeiramente animalesca, em que se aceita com normalidade matar pessoas, violar mulheres, matar crianças, maltratar corpos, etc. Grande parte dos acontecimentos da Ilíada são relatados na Eneida, mas com menos violência gráfica. Os dois relatos referem acontecimentos que ocorreram por volta do séculos XIII a XII A.C.: a Ilíada talvez tenha sido composta por volta de 750 a 700 A.C., ou seja quase meio milénio depois, e a Eneida foi publicada no ano de 19 A.C. Supõe-se que Homero, que compôs a Ilíada, tenha sido uma amalgama de pessoas em vez de apenas um poeta, enquanto que a Eneida foi composta por Virgílio, o poeta romano, que a escreveu para elogiar e talvez criticar ou influenciar o Imperador Augusto.

Sendo a Ilíada supostamente o produto de vários homens, é impressionante a consistência de violência gráfica, mas isso está mais na mimha cabeça do que na cabeça deles, se calhar. Nessa altura, a vida era assim e a Europa era um sítio violento e não é preciso recuar muito para encontrar níveis absurdos de violência durante a nossa vida. Talvez o que distinga um período de paz de um período de guerra seja para além do número de vítimas, o facto de homens em idade activa serem alvo de violência porque as mulheres, as crianças, os idosos, enfim as minorias são sempre alvo de violência, haja paz ou guerra. Mas já Virgílio foi mais contido talvez porque não tivesse experiência de combater numa guerra, ou talvez nestes quase sete séculos entre os dois relatos tivesse havido progresso em termos do que era aceitável, uma mudança de ideologia, portanto.

O facto de tanta da história da humanidade ser dominada por conflitos e guerras devia pôr-nos de pé atrás: não devíamos achar que a paz é o estado natural da nossa existência; pelo contrário, a paz deve ser encarada como um alvo em constante movimento e o ideal é formar cidadãos que tenham apreço e um sentido de responsabilidade pelo esforço necessário para trabalhar para a paz.

Posto isto, quando penso em cidadania, não me vem à cabeça educação sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, gestão de ansiedade, etc., mas faz sentido falar de coisas como o movimento gay e LGBTQ, o feminismo, o racismo, etc. porque são casos concretos em que podemos observar como se molda a sociedade no sentido de haver mais dignidade humana, tanto a nível da participação individual, como da função e funcionamento das instituições. A dignidade da pessoa humana é um valor fundamental na sociedade portuguesa, dado que é a base da República Portuguesa.

Agora, isto não implica que não seja importante discutir temas de cariz sexual nas escolas. Aliás, é um tema extremamente crítico hoje em dia por causa da forma como os jovens têm acesso à informação e também de como são alvo de predadores sexuais ou de como iniciam a sua actividade sexual: pornografia online, apps como o Tinder, redes de tráfico humano, etc. Depois, como a política de saúde pública mundial dos EUA mudou, devemos também preparar-nos para poder haver um aumento das doenças sexualmente transmissíveis a nível mundial e como Portugal está com maior abertura a pessoas internacionais, decerto que há potencial para a situação piorar.

Por isso surpreendem-me duas coisas: uma que o governo, meta estes assuntos na gaveta da ideologia; outra que a oposição insista que a única forma é exigir que estes assuntos sejam inseridos na aula de "cidadania". Países como a Suécia, Países Baixos, Reino Unido, e Canadá oferecem aulas de educação sexual nas escolas, porque é que Portugal não oferece também?

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Algum progresso, mas nem por isso resultados

Há um mês, quando fui a Portugal, entrei com o passaporte americano. O moço que carimbou o meu passaporte no aeroporto em Lisboa disse-me que eu devia ter o português, mas eu respondi que demorava muito tempo. Respondeu que não, que era rápido. Não confiei muito porque tradicionalmente, Portugal é quase sempre complicado, e eu também preciso de renovar o cartão de cidadão e para renovar passaporte é preciso cartão de cidadão válido, logo estão a ver a complicação que vive sem pagar renda na minha cabeça. Hoje fui investigar se tinha havido algum progresso porque estava a falar com o meu sobrinho para ele renovar o passaporte dele.

Em Portugal, está tudo porreiro. Dá para agendar online, tirar o passaporte rápido e até renovar pela Internet e receber o documento pelo correio. Para quem está no estrangeiro, é mais complicado porque é preciso ir aos serviços consulares ou a Portugal presencialmente. No meu caso, a página de Internet do serviço consular em Washington, D.C., nem diz o que se pode tratar no consulado, mas dá para contactar o consulado para agendar uma marcação.

Surpreendentemente, no site do serviço consular de Boston está tudo bem esmiuçado (até falam da carta de condução), o que indica que cada serviço consular mete a informação que entende na sua página de Internet, o que me parece má prática. Porque é que o governo português não contrata uns designers digitais em Trás-os-Montes para consolidar a informação de toda a gente? É que decerto que o processo é uniforme para todos, logo faz sentido uniformizar as páginas. E digo em Trás os Montes, mas o Alentejo também serve e assim ajudava a descentralizar os serviços e a contribuir para a economia local de zonas fora de Lisboa.

Também gostaria de sugerir que facilitem o acesso aos serviços consulares no estrangeiro e estejam preparados para situações extremas. Quem está em Portugal está bem por enquanto (desde que o Ventura fique desaventurado), mas quem está no estrangeiro pode estar em risco dada a instabilidade política em tantos sítios. Por exemplo, o Trump quando deporta pessoas nem sequer os envia para o país de origem, logo não se surpreendam se um dia destes houver portugueses a acabar em prisões em El Salvador, Guatemala, Sudão do Sul, etc. e, nessa altura, Portugal tem de decidir rapidamente como agir com essas pessoas, se é que querem agir. Depois há também a situação no Médio Oriente que não se sabe se pode piorar e há bastantes portugueses que trabalham lá.

E já agora importam-se de arranjar esta página no Portal das Comunidades? É que há um link para a página aqui, mas o link devia ir para uma página onde se explica onde obter o passaporte electrónico.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Aceleração

Os últimos dias têm sido um rodopio de "notícias" com o caso Epstein, sugestões que Jerome Powell (Presidente da Reserva Federal) pode ser demitido por fraude (dizem que as obras na Reserva Federal têm um custo demasiado alto), o cancelamento de The Daily Show do Stephen Colbert, a insuficiência crónica venal de Trump, Trump vai processar o Wall Street Journal, o vídeo falso de Obama a ser preso que Trump postou, etc. Tudo isto em menos de uma semana e ainda temos notícias mais antigas como as inundações do Texas, em que supostamente a pessoa responsável por verificar que os anúncios de emergência meteorológica chegavam ao público alvo tinha sido aposentada por DOGE e não havia sido contratado um substituto.

A parte que me parece mais interessante é a da doença de Trump porque é muito raro a Casa Branca ser transparente no que diz respeito a doenças presidenciais, mas talvez a aparente transparência tenha sido uma necessidade depois do fiasco Biden. Também há a questão de o discurso de Trump estar cada vez mais incoerente, por exemplo, não se recorda que Powell foi nomeado por ele mesmo e não por Biden.

O facto de Trump ter adiado as tarifas comprou algum tempo para a economia, mas os dados mais recentes indicam que a actividade ecoómica está a esfriar, apesar do mercado accionista estar em máximos históricos, e a inflação pode ter acelerado. O dólar também enfraqueceu bastante o que retira poder de compra aos americanos. Foi anunciado que os EUA vão começar a pedir $250 de caução para quem precisa de visto para entrar no país, o que irá enfraquecer o turismo e as viagens de negócios ainda mais se for mesmo implementado--este valor acresce ao custo de obtenção de visto.

E ainda não tivemos um furação a atingir o continente americano, mas é uma questão de tempo até ele chegar -- entre Trump e as catástrofes naturais, vivemos com uma faca ao pescoço.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Montanha ou roleta

O ambiente nos EUA continua de cortar à faca. Apesar das frequentes notícias anti-Trump na comunicação social, o tópico é evitado entre amigos e conhecidos, como se o mundo fosse um pouco bipolar.

Há duas semanas estive em Portugal para visitar o meu pai e ir a um casamento; hoje a moça que faz as minhas unhas perguntou-me que tal tinha sido ao atravessar a fronteira para entrar nos EUA. Entrei pelo aeroporto de Houston que não recomendo e foi um erro meu ter marcado a viagem por lá, mas Newark está com capacidade reduzida por causa de ter poucos controladores aéreos. As filas em Houston costumam ser maiores e o pessoal da fronteira não é tão simpático, mas nem me fizeram nenhumas perguntas desta vez, apenas mostraram uma cara de frete. Em Janeiro, quando entrei também por lá ainda Biden presidia, também houve filas enormes e o agente da TSA (Transportation Security Administratio) perguntou-me o que eu tinha comprado: são livros, meu senhor, porque rosas não deixam entrar, devia ter-lhe respondido, mas não é aconselhável usar de sarcasmo na fronteira, então só disse que tinha comprado livros.

Respondi à rapariga que não me tinha acontecido nada, e que não, nem sequer viram o conteúdo do meu telefone, que ela queria saber. Antes da viagem comentei com um colega meu que tinha receio de atravessar a fronteira, e ele disse-me: "não tens nada que recear, pagas impostos." Ah pois pago e não me incomoda pagar porque os impostos são o que se paga por se viver numa sociedade civilizada, como dizia o Oliver Wendell Holmes, Jr., apesar de que chamar às nossas circunstâncias actuais uma sociedade civilizada implica uma enorme ginástica mental.

De vez em quando penso se devia andar com o passaporte dentro do país -- isto recorda-me um episódio que se passou com o meu primo em Lisboa quando ele estava com o meu pai nos longínquos anos 80. Apareceu um polícia e pediu a identificação do meu primo que devia ter menos de 18 anos na altura. Como ele não trazia bilhete de identidade, foi levado para a esquadra e o meu pai teve de ir levar-lhe a identificação. Há uns três anos apanhei uma multa de excesso de velocidade aqui perto de casa--ia a 63 Km/h numa área de velocidade máxima de 48 km/h (sou mesmo perigosa) e aconteceu que, nesse dia tinha deixado a carteira em casa e não levava a carta de condução. Na minha ingenuidade, perguntei ao polícia se podia ir buscar, que morava mesmo perto e ele disse que não havia problema, ele ia ver no computador. Lá viu e lá apenas multou, sem que me levasse para a esquadra ou me penalizasse por não ter a carta de condução comigo. Mas isto era no tempo em que os lacaios do Musk ainda não tinham andado a brincar com as bases de dados.

Os dois temas "fracturantes", como se gosta de dizer em Portugal, da actualidade americana são as inundações do Texas e agora os documentos do caso Epstein. Normalmente, os americanos são extremamente generosos, especialmente na face de tragédias, mas instalou-se um clima de "tiveram a realidade em que votaram" e muita gente recusa-se a contribuir para os peditórios de apoio às vítimas. No caso do Epstein, parece-me que há uma ilusão de que é desta que o movimento MAGA se desentende e quiçá se desintegra, mas acho que não tem qualqer efeito. Uma das minhas melhores amigas votou Trump não porque o quisesse, mas porque não queria Kamala, pois não queria que os transsexuais que estão presos tivessem acesso a cirurgias para mudar de sexo. O marido não quis votar Trump e votou no RFK Jr., apesar de este já ter desistido da corrida. Ela agora diz que Trump é completamente louco. Ah pois, agora não há nada a fazer senão aguentar a montanha russa, ou será roleta russa?

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O ChatGPT comenta Gabriel Mithá Ribeiro acerca de Ventura, Freud e Marx

 No Observador, Gabriel Mithá Ribeiro argumenta que "André Ventura está a curar uma sociedade mentalmente doente". Aqui vai, na íntegra, o comentário do ChatGPT a esse texto:

Assumirei agora o papel de professor universitário na área da Filosofia Política, com especial atenção à teoria política contemporânea e ao discurso ideológico.


O texto que me propõe comentar está redigido num estilo panfletário, de índole fortemente opinativa e ideologicamente alinhada, com recurso a linguagem emocionalmente carregada e retórica combativa. O seu objetivo é claro: oferecer uma legitimação simbólica, quase messiânica, da figura política de André Ventura, apoiando-se numa interpretação bastante discutível de conceitos psicanalíticos (nomeadamente de Freud) e numa rejeição absoluta da tradição intelectual marxista.

Dividirei a análise em três eixos fundamentais: (1) argumentação e coerência lógica; (2) tratamento das figuras históricas e teóricas; (3) implicações ideológicas e éticas.


1. Argumentação e Coerência Lógica

O texto padece de uma séria falta de rigor argumentativo. Começa por estabelecer um diagnóstico vago e infundado – a "doença mental coletiva da sociedade portuguesa" – sem apresentar qualquer critério empírico ou metodológico para tal afirmação. O uso de categorias clínicas (como "sanidade" ou "doença mental") no discurso político é, no mínimo, perigoso e geralmente considerado abusivo em contextos académicos, dada a sua conotação patologizante do adversário ideológico.

A associação direta entre a psicanálise de Freud e a figura política de André Ventura é forçada e não fundamentada nos textos originais de Freud, que jamais sustentaria um tipo de liderança autoritária como resolução do "caos psíquico" coletivo. Aliás, Freud era profundamente céptico quanto ao apelo às massas e aos instintos de obediência à autoridade carismática – como se pode verificar no seu "Psicologia das Massas e Análise do Eu" (1921).

A estrutura lógica do texto é circular: parte do pressuposto de que André Ventura é o "pai fundador" de uma nova ordem moral e, com base nesse pressuposto, tenta provar que é ele quem salvará a sociedade doente – exatamente porque é o tal "pai fundador". Este tipo de raciocínio é tautológico e não satisfaz critérios elementares de validade lógica.


2. Tratamento das Figuras Históricas e Teóricas

A forma como Freud é tratado revela um conhecimento superficial da sua obra. Freud não é um pensador moralista, muito menos um profeta da "responsabilidade individual" nos termos apresentados. A sua abordagem ao inconsciente, ao desejo e à repressão situa-se num registo clínico e antropológico, não político-normativo. Invocá-lo para defender uma ordem moral conservadora é uma distorção da sua filosofia.

O ataque a Karl Marx como "o maior charlatão intelectual de todos os tempos" carece de qualquer fundamentação académica. Mesmo os críticos mais acérrimos de Marx reconhecem-lhe a profundidade teórica e a influência seminal no pensamento social moderno. Reduzir o seu legado a uma apologia da irresponsabilidade é uma caricatura grosseira.

Também o uso do conceito de “pai fundador” como chave de interpretação da política portuguesa é redutor. Transforma líderes políticos históricos – Cunhal, Soares, Sá Carneiro – em meras figuras simbólicas, ignorando a complexidade dos movimentos sociais e das dinâmicas democráticas que os sustentaram. Além disso, omite deliberadamente o carácter coletivo, plural e constitucional da democracia portuguesa pós-1974.


3. Implicações Ideológicas e Éticas

O texto revela um posicionamento ideológico autoritário, fortemente antiesquerdista, e com tendências nativistas. A ideia de que certos grupos sociais (pobres, negros, imigrantes, colonizados) usam a sua condição como "desculpa" para evitar responsabilidades é uma generalização abusiva e eticamente reprovável. Esta visão alimenta uma lógica de exclusão e de divisão social, incompatível com princípios democráticos de igualdade e solidariedade.

A apologia de Ventura como único redentor possível da sociedade portuguesa revela uma inclinação para o culto da personalidade. Tal abordagem, historicamente, tem sido associada a formas de autoritarismo que põem em causa o pluralismo democrático e o Estado de direito.

Por fim, o uso instrumental da psicanálise e da filosofia para legitimar um projeto político unipessoal compromete a integridade do discurso filosófico. Um discurso político sério deve assentar em argumentos transparentes, verificáveis e abertos à crítica – não em analogias simbólicas forçadas e acusações ideológicas sem sustentação.


Conclusão

O texto é uma peça retórica de propaganda política, com contornos fortemente ideológicos e com claras distorções de referências teóricas (como Freud e Marx). Carece de rigor conceptual, abusa de categorias clínicas e morais para desqualificar o adversário político, e promove uma visão altamente simplificada e personalista da política portuguesa contemporânea. Embora possa ter apelo junto de determinados públicos, não sobrevive a uma análise crítica séria nos termos da ciência política ou da filosofia política académica.

Se desejar, posso aprofundar a análise ponto por ponto, ou fornecer-lhe um contraponto argumentativo com base na teoria democrática contemporânea.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Escalação

Los Angeles está a ferro e fogo com confrontos e protestos contra o ICE (Immigration and Customs Enforcement). Há manifestações de apoio por todas as grandes cidades. Este fim-de-semana, Trump nacionalizou a National Guard da California e ameaçou o governador da Califórnia (Gavin Newsom) de prisão. Há meras horas Trump também enviou 700 marines para Los Angeles e, há minutos, saíram notícias de que Trump vai enviar mais dois mil tropas da National Guard. Gavin Newsom ameaçou Trump de deixar de enviar dinheiro ao governo federal. A Califórnia é um dos estados que paga mais do que o que recebe, logo sem as suas remessas as contas do governo federal irão deteriorar-se significativamente.

A última vez que o país esteve assim foi há 60 anos, quando LBJ nationalizou a National Guard do Alabama para proteger os manifestantes pró-direitos civis em Selma, Alabama. Mas a causa actual do Presidente não é virtuosa como a de LBJ. Vivemos um capítulo negro da história dos EUA, mas isso já sabíamos.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Uma clareza ambígua

O texto de Manuel Carvalho no Público que referi no post anterior procurou responder a um texto de João Miguel Tavares sobre o "cordão sanitário" a aplicar ao Chega. Francisco Mendes da Silva, co-signatário do abaixo-assinado "A clareza que defendemos" criticado por João Miguel Tavares, respondeu hoje

Quando foi publicado, em 2020, o manifesto "A clareza que defendemos" pareceu-me, contrariando o título, muito pouco claro. Mesmo concordando com o princípio (a não "amálgama" entre o centro-direita e o populismo/iliberalismo) e com o que pensei que implicasse ("não é não"), pareceu-me um texto demasiado genérico. Se estava a falar (também) do Chega, por que razão não o explicitava? (Era um manifesto de âmbito mundial?) A que tipo de não "amálgama" se referia? Rejeição de coligações? Rejeição de acordos parlamentares? Rejeição de iniciativas legislativas conjuntas? Outras?

No texto de hoje, Francisco Mendes da Silva escreve: "O abaixo-assinado não defendia qualquer princípio estratégico de relacionamento entre os partidos do centro-direita português e o Chega. Nem sequer falava especificamente de Portugal." Parece-me que estas frases confirmam a minha suspeita: apesar do título, "A clareza que defendemos" era, pelo menos nos seus efeitos práticos, um texto ambíguo.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

A propósito do Chega e da superioridade moral

Comentário do ChatGPT (na pele de professor de ciência política, o que talvez influencie o resultado) ao texto de Manuel Carvalho no Público de hoje:

A posição do autor insere-se numa linha clássica da teoria democrática que considera que há limites inegociáveis na convivência política: os partidos que colocam em causa os próprios fundamentos do regime democrático liberal não devem beneficiar da mesma legitimidade substancial que os demais. Esta é uma tese com eco em autores como Giovanni Sartori, que distinguiu entre “partidos do sistema” e “partidos contra o sistema”.

A crítica à proposta de normalização do Chega — implícita ou explícita — é apresentada com coerência. O autor parte do princípio de que a democracia liberal não é neutra em relação aos valores: tem compromissos normativos claros, nomeadamente com a dignidade humana, o pluralismo e o respeito pelas minorias. Assim, recusar a paridade moral com partidos que promovem discursos xenófobos, racistas ou autoritários não é um gesto de sectarismo, mas sim um ato de defesa da própria democracia.

É particularmente relevante a distinção entre o respeito institucional devido aos mandatos democraticamente obtidos (isto é, o reconhecimento formal do direito de representação parlamentar) e a recusa de legitimação política mais ampla, por exemplo através de alianças ou negociações estruturantes. Esta distinção ajuda a evitar tanto o perigo da exclusão antidemocrática quanto o da normalização acrítica.

No entanto, pode apontar-se uma fragilidade na forma como o autor lida com o eleitorado do Chega. Ainda que admita que nem todos os votantes aderem convictamente ao programa do partido, a proposta de aplicar-lhes igualmente a “receita da superioridade moral” pode ser interpretada como moralismo desmobilizador. A ciência política ensina-nos que os comportamentos eleitorais são multifatoriais, e muitos eleitores recorrem a votos de protesto por frustração com o sistema, sem adesão ideológica profunda. Uma resposta democrática eficaz requer não apenas confronto argumentativo, mas também escuta ativa e políticas que respondam aos problemas reais que geram descontentamento.

Em suma, o texto apresenta uma defesa articulada e rigorosa da exclusão moral do Chega da esfera da normalidade política, ancorada numa conceção normativa da democracia. Contudo, para além da rejeição moral, o desafio democrático passa também por oferecer alternativas políticas credíveis e eficazes que evitem o crescimento do voto protesto e da apatia cívica.


Na mesma sequência, pedi um comentário ao facto de o líder do PS defender a não viabilização do governo da AD. Aqui está a parte final:

A legitimidade da posição do PS depende, em última instância, da coerência do seu discurso: se defende que o Chega representa um risco para a democracia, então tem de assumir as consequências dessa avaliação — o que inclui o dever de impedir o seu acesso ao poder, mesmo à custa de viabilizar um governo de centro-direita que considere imperfeito.

Recusar ambas as soluções — nem Chega, nem PSD — pode ser lido como uma postura de purismo político que ignora a lógica de compromisso característica das democracias parlamentares. Como argumentou Norberto Bobbio, a democracia não é o reino da pureza moral, mas do equilíbrio entre legitimidade, legalidade e compromisso.

A defesa da não negociação com o Chega mantém-se legítima enquanto defesa dos princípios democráticos. No entanto, para ser politicamente consequente, implica um certo grau de compromisso entre os partidos que partilham esses mesmos princípios. A recusa simultânea de negociar com o Chega e de viabilizar um governo do PSD sem Chega pode enfraquecer essa defesa, abrindo espaço precisamente ao que se pretende evitar: a entrada do Chega em zonas de influência e poder institucional.

Em última análise, a responsabilidade democrática não é apenas denunciar os perigos, mas agir para os impedir — mesmo que isso implique compromissos difíceis.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

PEEC

 O processo entrópico em curso (PEEC) continua e recomenda-se e até tem alguns episódio cómicos. Há semanas, o Walmart informou Trump que não podia adiar aumentar os preços para sempre por causa da guerra das tarifas e Trump "aconselhou-os" a engolir o aumento de custos. A luta contra Harvard também continua, com a suspensão, na semana passada, de admissão de alunos internacionais. Em poucas horas, apareceram várias notícias a especular que talvez o filho de Trump se tenha candidatado a Harvard e tenha sido desconsiderado e o presidente se estivesse a vingar. Hoje, a administração Trump cancelou o agendamento de entrevistas para vistos escolásticos, o que afecta todas as universidades que tenham alunos ou docentes internacionais a quem precisem de dar visto.

domingo, 25 de maio de 2025

Dois artigos do Público sobre o voto no Chega resumidos pelo ChatGPT

Com base nos artigos "Zanga, racismo ou medo fazem o Chega crescer em Sintra" e "Voto no Chega foi expressão de 'decepção total'", publicados no jornal Público hoje e no passado dia 20, respectivamente, pedi ao ChatGPT que resumisse as razões apresentadas por eleitores do Chega para votarem neste partido. O resultado, ordenado da razão mais importante para a menos importante, foi o seguinte:

1. Concordância com propostas (ou perceções) políticas concretas (com destaque para a imigração)

2. Desilusão com os partidos tradicionais (PS e PSD)

3. Apreço por André Ventura (comunicacional e pessoal)

4. Desejo de mudança radical e “abalo ao sistema”

Segundo o resumo do ChatGPT, as pessoas que não votaram no Chega apontaram as seguintes razões para o apoio dos eleitores a esse partido:

1. Desinformação e influência mediática

2. Voto de protesto, ressentimento e abandono

3. Racismo e preconceito

4. Ausência dos partidos no terreno

5. Reconfiguração socioeconómica e exclusão

quinta-feira, 15 de maio de 2025

O futuro (ou já o presente) da academia, powered by ChatGPT

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

Quase carapaus

Na sexta-feira passada, a Administração Trump decidiu lançar o isco de como correriam as coisa se Trump despedisse Jerome Powell. Perante a possibilidade, os mercados reagiram negativamente e o dólar continuou a cair. É cada vez mais consensual que o estatuto dos EUA e do dólar como refúgio dos investidores está muito abalado e talvez destruído por uns bons anos, se é que alguma vez o volte a recuperar. Na terça-feira, a Casa Branca veio meter água na fervura indicando que os EUA já têm alguns acordos comerciais quase firmados com o Japão, e a Índia, mas sem grandes detalhes--ou seja, uns acordos algo por alto. Scott Bessent também ajudou a acalmar os mercados dizendo que era óbvio que os EUA e a China se acabariam por entender porque eram as maiores economias do mundo, etc. E finalmente, de tarde, lá veio o anúncio de que Jerome Powell não ia ser despedido, o que apaziguou ainda mais os deuses do mercado.

Na economia real, os portos de Los Angeles e Long Beach, na Califórnia, estão a perder bastante volume vindo da China em reacção ao anúncio da guerra das tarifas. As pequenas empresas estão completamente em pânico porque dependem da manufactura chinesa para as suas vendas. Trump cancelou a isenção de taxas alfandegárias dee pacotes que entram nos EUA com valor inferior a $800 (isenção de minimis) e a DHL deixou de aceitar pacotes de valor superior a $800 destinados aos americanos porque agora estão sujeitos a uma maior burocracia. (Isto não vos lembra a saga de enviar pacotes do estrangeiro para Portugal?)

A cereja no topo do bolo são as últimas estimativas de crescimento do PIB para a economia americana e mundial: a americana é esperada crescer 1.8%, em vez dos 2.7% estimados em Janeiro. Imaginem a matemática disto! O primeiro trimestre, que teve um Janeiro bastante optimista, é esperado ter um crescimento do PIB negativo, o segundo trimestre parece que também vai ser negativo por causa da guerra comercial, dificuldades na fronteira que mandam os turistas para trás, medo de voar dentro dos EUA, despedimentos na função pública, e agora também no sector privado, etc. As únicas notícias positivas são aumento de vendas de carros e outros itens para evitar as tarifas., que tem um efeito bastante temporário. Resumindo, para a estimativa se concretizar, o segundo semestre tem de bombar para colmatar o crescimento perdido e ainda adicionar o que falta, o que é bastante improvável.

A única coisa que faz parar esta administração são as más notícias da economia, do dólar, e da bolsa e, por sorte, houve a falta de visão de começar pela parte mais destrutiva e depressiva, em vez de alimentar a bolha da bolsa com cortes de impostos e aumento da dívida. Quanto às questões sociais, o que Trump faz apenas serve para alimentar a base e não dá para fazer oposição porque são questões que fragmentam a opinião pública. O Clinton tinha razão: a única forma de ganhar apoio é pela economia. 

Há no entanto alguma luz ao fim do túnel: os tribunais e o SCOTUS não parece que estão dispostos a dar uma carta branca permanente à Administração. E a sociedade civil também não: Trump tentou tirar financiamento a Harvard, se a universidade não largasse certas práticas consideradas "woke" ou anti-semíticas. Harvard recusou, Trump cancelou o financiamento de 2.3 mil milhões de dólares e ameaçou retirar o estatuto de entidade com fins não-lucrativos. Harvard acabou por processar a Administração Trump, mesmo depois de esta ter dito que a carta que tinha sido enviada a Harvard não era final e tinha sido enviada em erro

É um pouco misteriosa a razão pela qual a Administração decidiu recuar nas exigências a Harvard, mas a universidade tem um "endownment" de 53.2 mil milhões de dólares, e decerto que parte deve estar investida em dívida pública americana. Na semana passada, os jornalistas começaram a especular estratégias de como a universidade poderia resistir a Trump. No final, a estratégia adoptada foi a tradicional: os tribunais. Tem algum risco, mas se funcionar também cria precedente que pode ajudar outras instituições.

Imaginem se nos EUA tudo dependesse de financiamento público, mas não houvesse independência das instituições como acontece em muitos países. Estaríamos mais fritos que carapaus.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ainda a Segurança Social Americana

Para além de terem despedido pessoal na Social Security Administration, a Administração Trump decidiu que não vai pagar benefícios via cheque (sim, ainda havia pessoas que os recebiam). Foi levantada a questão de as pessoas não serem informadas que não vão receber, mas a Administração acha que quem recebe via cheque está a cometer fraude, logo obviamente que não irá reclamar. Os benefícios da Segurança Social (as reformas) são na maior parte pagas na segunda, terceira, e quarta quartas-feiras do mês dependendo da altura do mês em que as pessoas nasceram, respectivamente,  1-10, 11-20, ou 21-31. Ou seja, daqui a dois dias vamos ver se alguém reclama de não ter recebido o dito cheque.   

Se ainda não se aperceberam, este tipo de comportamento é completamente anti-americano. Normalmente, coisas deste tipo são planeadas com muita antecedência e os interessados são informados de mudanças para não causar transtornos às pessoas e estas terem tempo amplo para planear a vida. É por isso que ainda havia pessoas que recebiam por cheque porque, obviamente, não lhes era mais fácil receber por outra via.