quarta-feira, 14 de março de 2012

A nossa Cassandra bem teima em avisar-nos

Medina Carreira andou durante anos a pregar sozinho (ou quase) no deserto. Era visto pelas luminárias cá do sítio com um certo desdém e soberba. Enfim, era o maluquinho da aldeia que ninguém levava a sério. Eis senão quando o mundo nos caiu em cima, ainda antes do anunciado pelas suas piores profecias. Agora, o povo temente ouve-o com atenção. E ele não desilude a plateia.

Na TVI, fala todas as semanas das pragas que nos assolam e convida, para o efeito, reputados especialistas na matéria. E a verdade é que às vezes Medina Carreira até parece mais moderado do que os convidados de honra. Ontem, o tema era as parcerias público privadas (PPP). O Prof. Avelino Jesus explicou que esta praga está concentrada em projectos de rodovias (80%) e irrompeu em 1992 com Cavaco Silva. Alastrou pouco nos governos de Guterres, mas nos últimos três anos - já, portanto, em plena crise – a coisa tornou-se sinistra, com o governo de José Sócrates a assinar um terço do total das PPP existentes.

Avelino Jesus acusou o Tribunal de Contas de inércia, uma vez que passou vistos prévios favoráveis a todas estas negociatas. Um dos problemas é que estes contratos assinados pelo Estado são quase indecifráveis para o comum dos mortais e, desgraçadamente, para a maior parte dos quadros da função pública. Mas não para os técnicos dos "parceiros" privados, que se preparam e arranjaram entretanto os melhores especialistas no assunto. Não se sabe neste momento ao certo quanto é que o Estado terá de pagar nas próximas duas ou três (?) décadas em rendas por esta aventura ruinosa – fala-se entre 50 a 85 mil milhões de euros. Estima-se que a taxa de rentabilidade dos "parceiros" privados é de 16 a 17%, uma brutalidade, sobretudo para os tempos que correm.
De qualquer maneira, e independentemente dos constrangimentos legais, as PPP terão forçosamente de ser renegociadas, ainda que pelos piores motivos: o Estado não tem dinheiro e seria socialmente insustentável continuar a espremer o Zé Povinho sem beliscar os “parceiros” privados.

Houve muita imprudência e incompetência do Estado nesta história e sabe-se lá que mais. Não por acaso Medina Carreira aproveitou para anunciar que o tema da próxima semana é a responsabilidade criminal dos políticos. Manifestamente um tema que merece ser discutido.

2 comentários:

  1. Se me dá licença transcrevo aqui a nota que coloquei hoje no meu caderno sobre o assunto:

    "Não vi o programa mas um amigo falou-me nele, ontem. Medina Carreira saturou há muito tempo a minha
    pachorra para ouvir os seus repetidos relatos trágicos e apreciar os quadros negros com que pinta o buraco para onde os governos das últimas décadas conduziram quase todos os portugueses. Digo quase, porque é óbvio, que outros, poucos mas grandessíssimos, se governaram e continuam a governar à grande e à portuguesa. Não menosprezo, bem pelo contrário, as denúncias de Medina Carreira, ainda que seja muito óbvio que a actividade lhe rende. O que me afasta de continuar a ouvi-lo é a demolição moral que toda a banalização provoca. Ouve-se, uma, dez, trinta vezes o mesmo, e não acontece nada.


    O tema das Parcerias Público Privadas foi o tema do programa de anteontem, Avelino de Jesus, o convidado. Acabo de ver o programa e, mais uma vez, a sensação é de esmagamento, de impotência, de revolta perante tanta incompetência se não perante tanto roubo contratado. Avelino de Jesus centrou a sua acusação à inépcia do Tribunal de Contas (o tribunal eunuco, convive mas não penetra) que visou os contratos sem analisar os termos dos saques neles instituidos. Avelino de Jesus, que foi nomeado para analisar o dossier mas se demitiu (honra lhe seja feita) porque não lhe foram facultadas informações que solicitou a quem as devia prestar, declarou que há nesses contratos termos considerados confidenciais, uma espécie de segredo de estado.


    Quando isto ouvi, o meu espanto desviou-me a atenção do resto, de resto geralmente conhecido.
    Como é que é possível que contratos que obrigam o Estado, isto nós todos (ou quase todos), sejam confidenciais para a comissão que o governo nomeou para analisar os "dossiers" PPP? Como é que pode aceitar-se que o ministro das finanças tenha negado à comissão a entrega de documentos que Avelino de Jesus reputava imprescindíveis, caso contrário ele não os teria solicitado e não se teria demitido?


    Tendo a comissão presidida por Avelino de Jesus sido nomeada pelos três principais partidos, ouviu-se o actual líder do PS* reclamar justificação do governo para aquela recusa do ministro das finanças? Não. Fechou-se em copas e rodopia o seus discurso à volta de questões menores. Percebe-se porquê. O governo anterior foi o maior subscritor das PPP.


    Recentemente, soube-se que António Borges foi nomeado "ministro oculto" para, além do mais, desembrulhar este pacote explosivo. Saberá Borges o que está lá dentro ou não há segredos para Borges que foram segredos para Jesus? Não é possível. Se Borges prepara alguma renegociação do desastre não pode deixar de lhe conhecer os detalhes.


    Conclusão: Borges está (parece estar) incumbido da missão de reduzir a potência destruidora destas minas e armadilhas que alegremente os governos nos colocaram no caminho. Mas só ele sabe o quê. A nós apenas nos resta pagar pelos efeitos dos estilhaços. Os colocadores das minas encontram-se ao largo.


    Continuamos a viver em democracia?
    ---
    * PCP e BE por irredutíveis adorações aos investimentos públicos são mais agressivos com outros pelos púbicos."

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  2. Não conhecia esses pormenores sobre a comissão das PPP a que Avelino Jesus presidia. Agora fico ainda mais apreensivo com esta história. A haver mudança neste estado de coisas terá de ser imposta de fora.

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