sábado, 22 de novembro de 2014

JS

Sócrates é o mais carismático político das últimas décadas em Portugal. Era capaz de causar reacções alérgicas graves a muita gente. Simultaneamente, tinha, e deverá manter, uma legião de fãs incondicionais que leva pessoas inteligentes a perderem qualquer racionalidade quando dele falam.

Lembro-me, por exemplo, de Augusto Santos Silva, ex-ministro, reputado professor universitário e homem obviamente muito inteligente, a dizer que algum dia existiria um presidente da república que mereceria a honra de condecorar José Sócrates. É difícil ser-se mais ridículo do que isto, independentemente dos méritos ou deméritos de Sócrates.

Nunca votei em José Sócrates, mas teria votado em 2005, quando foi eleito pela primeira vez, se estivesse em Portugal. Conto-me entre aqueles que no início gostavam do governo de José Sócrates, que passado uns tempos começaram a achar que José Sócrates tinha muito má imprensa, mas que rapidamente começaram a considerar as suas explicações para os sucessivos escândalos muito pouco convincentes.

A estas questões pessoais, juntou-se a forma absolutamente errada (na minha opinião, claro) como o governo lidou com a crise financeira e económica internacional que bateu com violência em Portugal. O desejo de ganhar eleições sobrepôs-se de forma viciosa às necessidade do país. E nisto, Teixeira dos Santos é tão culpado como José Sócrates.

Para o fim, já me contava entre aqueles a quem José Sócrates causa urticária. Gostei de ver a sova que Passos Coelho lhe deu no debate antes das últimas legislativas, em 2011. Gostei que Sócrates se pirasse para Paris e nos deixasse em paz e, em 2013, quando Sócrates regressou ao país com uma grande entrevista na RTP, só consegui ver a primeira parte. Fiquei tão irritado que não vi o resto. Depois, nunca consegui ver mais do que 2 ou 3 minutos de um dos programas de opinião que mantinha na RTP.

Mas, daqui para a frente, parece-me que é muito pouco corajoso continuar a bater em José Sócrates e nos seus seguidores. Mesmo que a justiça portuguesa pareça gostar de espectáculo, ela deve funcionar no recato e com o seu tempo próprio.

3 comentários:

  1. Está errado. O problema do país com Sócrates não é uma questão de alergia ou outro estado de alma. É a devastação do que aconteceu com a dívida e, pior, muito pior que isso, a progressiva criminalizarão dos centros de decisão. Se acha que a justiça gosta de espetáculo, de que será que gostam aqueles que montam o enorme circo mediático diário de advogados de defesa dos poderosos em campanha contra a justiça enquanto esta se cala? Se a procuradoria entende que Sócrates cometeu os crimes com a gravidade que cometeu, então deve dar a cara como noutros países e explicar-se. O à que falta nossa justiça não é recato: é transparência e formalidade, respondendo aos que a acusam, como agora Louçã e Soares a propósito da detença de Sócrates, explicando porque é necessário deter um suspeito poderoso. Cá como em França, na Alemanha ou nos USA: Se ficar à solta destrói provas. Advogados dos aguídos a bater na justiça todos os dias nas televisões e procuradores (e advogados de defesa das vítimas) caladinhos como muito "low profile" vimos nós na Casa Pia, resultado daí que Paulo Pedroso foi poupado a um julgamento em que era acusado pelas mesmas vítimas que acusaram os pedófilos presos, dos mesmos crimes que os levaram à prisão. Em vez de recato e levar pancada a justiça precisa de uma transfusão de formalidade e transparência.

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  2. Subscrevo.

    Mas permito-me acrescentar: Sócrates é um dos culpados da crise, Teixeira dos Santos foi pau mandado, mas os bancos não podem ser absolvidos. Porque só os bancos, ou principalmente os bancos, sabiam dos níveis de endividamento que tinham importado para o país.

    Quanto ao segredo de justiça, continua a ser, desavergonhada e impunemente, um saco roto.

    No fim de contas, se tudo ficar, como é da praxe em Portugal, em águas de bacalhau, o fim do regime deve estar ao dobrar da esquina.

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  3. Nunca votei em Sócrates. Mas acho-o o menos culpado da crise financeira e económica que assolou o país. Com a armadilha instalada do euro, com Trichet a meter os pés pelas mãos em 2008, com sinais equívocos da Comissão Europeia, com a oposição a clamar por mais despesa, com a desconfiança generalizada dos mercados pós Lehman, e, por fim, a farsa pungente do PEC IV, gostava que alguém explicasse de forma clara o que ele poderia ter feito para evitar a vinda da Troika e a desgraça subsequente. Acho mesmo que esta expiação colectiva infantil é um dos mais sérios sintomas de degenerescência cívica da sociedade portuguesa.

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