Os dados de informação que foram usados para justificar a invasão do Iraque vieram dos serviços secretos italianos e britânicos e tinham a mesma fonte. Eram falsos, mas os serviços secretos americanos foram desleixados e não cruzaram a informação; em vez disso, os americanos pensaram que informação vinda por duas vias diferentes podia ser indicação de que era verdadeira. Quando se quer ver uma coisa, tudo o que nos chega pode ser distorcido para justificar o que queremos ver.
Quando há crises, dar a imagem que algo está a ser feito é mais importante do que estar quieto e pensar qual o melhor curso de acção--vocês compreendem isso, todos os dias se critica Cavaco Silva por ainda não ter decidido o que fazer acerca do governo de Portugal. Os americanos podem ter muitas qualidades, mas estar quietos não é uma delas e eles queriam fazer alguma coisa e arranjaram maneira de o fazer. E quando se faz algo nos EUA tem de ser grandioso porque "The United States is a great country!"
Para isso ajudou ter um presidente que não tinha agenda, mas tinha um ódio de estimação a Saddam Hussein. Durante a campanha das presidenciais Bush-Gore, a agenda de Bush era cortar os impostos, dar de volta aos contribuintes o excedente acumulado por Clinton na Segurança Social--uma questão de justiça e sensatez, dizia, porque o estado comportava-se como um ladrão e, para além disso, não é tão bom a gastar dinheiro como os particulares e as empresas. Esta política, o "trickle down economics", é uma das obsessões republicanas; mesmo Paul Ryan, o actual "Speaker of the House of Representatives" já a invocou. Depois dos impostos cortados, era esperar pelo milagre económico.
Entre o corte de impostos e os ataques terroristas de 2001, cobrir a presidência de George Bush limitava-se dar notícias acerca das palavras que o presidente pronunciava mal, como nuclear, que ele pronunciava como sendo "nucular". De resto não havia mais nada. Os ataques terroristas foram uma oportunidade para a presidência Bush ter uma agenda de governação de longo prazo. A invasão do Iraque, numa altura em que se pensava que Saddam Hussein era muito mau, servia os interesses pessoais e nacionais de Bush: decerto que o Saddam teria armas de destruição maciça, pensava-se ser uma ilação óbvia na altura.
Digo-vos isto por uma razão muito simples: o Presidente Hollande, da França, tem a popularidade mais baixa de todos os presidentes franceses da era moderna. Foi eleito com uma política anti-austeridade, chegou à presidência e baixou a bolinha. A França não cresce, está estagnada, e o Hollande não tem agenda económica de crescimento. Para além disso, a França segue uma política de desemprego jovem e esse desemprego é mais alto nas minorias étnicas, como nos muçulmanos.
Oficialmente, não há racismo em França, são todos iguais, diz a Constituição, mas qualquer pessoa pode usar o seu capacete ou um gorro para cobrir a cabeça e a cara em público sem problema, uma rapariga muçulmana não pode usar a burca porque a França é um estado laico. Alguém com um sobrenome muçulmano tem mais dificuldade em arranjar emprego do que alguém com um sobrenome francês, mas isso não é verificável porque a França não recolhe estatísticas de etnias--são todos iguais no papel, não é? E como são todos iguais, fechem-se os restaurantes que vendem espetadas de carne porque kebabs é uma coisa do Médio Oriente, não é francesa. E obrigue-se toda a gente a comer carne de porco nas escolas porque lardons é muito francês e todos devem comer a mesma coisa. Ainda não fecharam os cafés que vendem pastéis de nata em Paris...
Menos de 150 pessoas morreram em Paris, Hollande considerou o ataque um acto de guerra. Quase 3.000 pessoas morreram nos ataques terroristas nos EUA e os EUA construíram mais de uma guerra.
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