Ulisses, o irritado, Odisseus, filho da cólera, deixou a paz doméstica, o tálamo e as carícias e provou-se na guerra de Tróia prudente e astuto.
Deve-se-lhe o presente dos gregos, que há que recear, e a cegueira de Polifemo, que lhe valeu uma dura viagem de dez anos, pois os deuses nada perdoam. De insólito em insólito fenómeno, de ilha em ilha, de monstro em monstro, fez do seu caminho de regresso uma aventura ínclita, um arquétipo, o nome de um poema longo, cheio de vítimas e súplicas e sacrilégios. Experimentou o cárcere e a perfídia, o sol tórrido e o bálsamo ilusório, o amor efémero da feiticeira e as mandíbulas vorazes do ogro, Cila em vez de Caríbdis. A azáfama dos incidentes e o risco das peripécias parecem contrastar com o palácio plácido onde pretendentes enfadonhos importunam uma rainha afinal tão astuciosa como o marido. O vínculo mantém desfazendo à noite o que fez de dia. Do cônjuge cúmplice, é uma alcáçova, inexpugnável a aspirantes. Nem manobra pérfida, nem promessa sacrílega, nem ameaça lúgubre perturbam o seu labor diurno e o seu exercício nocturno. Diz o cisne de Avon pela boca de Valéria, mas não pode ser verdade, que todo o fio fiado por Penélope na ausência de Ulisses mais não conseguiu do que encher Ítaca de traças.
Nesta série, o objectivo é usar muitas palavras esdrúxulas. E um tom pomposo, evidentemente.
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