24. O pai de Claudioney nunca foi ao Brasil, nunca pensou ir ao Brasil, não iria ao Brasil nem que lhe pagassem.
Nem que lhe pagassem, ouviram. Quantas pessoas terão tido a oportunidade de provar que falam a sério e que dizem a verdade quando dizem nem que me pagassem. O pai de Claudioney não teve essa oportunidade, e morreu convicto do que dizia. Não houve um dia em que lhe passasse pela fronte a mais pequena dúvida, sob a forma de uma sombra ou sob outra forma qualquer. Já lhe saía automática pela boca a exclamação assim que ouvia alguém dizer feijoada, chôpe, ônibus, canarinho, Aché, bossa nova. O nem que me pagassem incluía comer a dita feijoada ou refrescar-se com o assim chamado chôpe, ou andar de ônibus, ou vestir-se de amarelo, ou invocar deuses africanos, ou cantar baixinho com uma guitarra. Também nenhum destes clamores teve ele ocasião de testar, porque também nunca alguém lhe ofereceu dinheiro a troco de fazer qualquer uma destas coisas. Até que um dia, pois é, teria sido interessante se um dia lhe tivesse sido apresentada tal ocasião, mas, já foi dito, não, e morreu convicto. Só que há sempre um impertinente para cada teimoso, um advogado do diabo para cada dogmático, um tentador para cada íntegro. Ao pai de Claudioney saiu ao caminho o filho, enviado de Iemanjá, ou assim gostava de dizer só para exasperar o pai. Começou a bem, apresentando-lhe brigadeiros e moquecas e bolo de fubá como argumentos, mas não houve iguaria que convertesse o pai às delícias brasileiras. Confiava nas virtudes desses tesouros da cultura tropical. Nada. Pensando que seria menos fácil ao pai resistir a um estômago, que é consabidamente traidor, do que aos apelos do espírito, cuja elevação é o alfa e o ómega da existência, avançou com o desporto, a religião e a arte. Conhecia mal o pai. Não lhe levara a sério o fanatismo impermeável. Viu-se sem armas. Mas tão casmurro era o filho quanto era peremptório o pai, e acenou-lhe ainda com a arquitectura, os colares baianos, os sertões e o maior rio do mundo. Pouco lhe interessava já se o Brasil que atirava ao pai existia, se eram de cristal os seus palácios ou tinham vozes de ouro as suas crianças. Às capivaras acrescentou as sericoticas, aos embondeiros os melisandrifáricos. Nas selvas os jaguares perseguiam rebenitas e nas cidades os candeeiros eram pirilampos de cor tão violeta que quem nascesse à luz deles nascia com cabelos como getinabilos, fosse o que isso fosse. Tantas foram as tentativas que fatalmente morreu Claudioney antes do pai, exausto e sem convencê-lo. O entusiasmo pelo Brasil que ia multiplicando fê-lo esquecer o recurso mais evidente, de tal modo era romântico. Nunca ofereceu um tostão ao pai.
Será que alguém consegue pôr o texto como deve ser, sem aquelas interrupções irritantes? Obrigada desde já!
ResponderEliminarJá está. Beijinhos...
EliminarObrigada, Rita!! E beijinhos também.
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