Muito
se fala em “Christmas blues” nesta época do ano. Como quem termina um ciclo e
antecipa outro, sem o querermos, somos muitas vezes confrontados com os
balanços. E tal como os comerciais, umas vezes são deficitários, outras
superavitários. Em uns somos de uma extrema severidade connosco mesmos e, em
outros, de uma injustificada indulgência. E os outros para connosco.
Assim
foi ontem, num serão de luxo, em torno do “La Grande Bellezza” (2013), com
argumento e realização de Paolo Sorrentino. Nem de propósito, Jep Gambardella,
autor de um só livro (“Aparelho Humano”) encontra-se rapidamente à entrada da
velhice, na festa do seu 65.º aniversário. Roma “glamourosa”, sofisticada,
decadente também, cínica, de fachada, retrato do mundo actual.
Um
fabuloso Toni Servillo dá corpo a um homem que passa pela vida sem a viver,
apesar de ter assistido a mais festas do que a esmagadora maioria dos mortais e
de ser um VIP como poucos. À sua volta, Roma cai como outrora e os sinais de
decadência são os mesmos do Império, celebrando a circularidade do erro. Até
que, numa roda de “amigos”, Jep não aguenta o discurso politicamente correcto e
fala de uma sua igual, nela se reflectindo as desgraças e os gritos lancinantes
de uma existência oca, afinal comum a todos.
Há
um jovem que se perde por entre a busca do sentido da vida, lendo Proust e
apanhado nas teias dos filósofos. E a eterna procura da beleza. Da grande
beleza, do supremo momento em que tudo seria perfeito, os seres iguais,
amando-se narcisicamente em espelho. Só ela justificaria que o “mono-autor”
voltasse à escrita.
Mas
afinal tudo é um truque. A vida é um truque e as partidas que nos prega são
variadas.
Como o é o “nonsense” de tantas cenas pródigas de referências a Fellini, desde os banquetes dos romanos e dos seus vomitórios, até a uma girafa de um artista de circo que confessa que se tivesse mesmo descoberto o segredo da vida não estaria naquela vetusta idade com um circo em mãos.
Como o é o “nonsense” de tantas cenas pródigas de referências a Fellini, desde os banquetes dos romanos e dos seus vomitórios, até a uma girafa de um artista de circo que confessa que se tivesse mesmo descoberto o segredo da vida não estaria naquela vetusta idade com um circo em mãos.
De
repente, dando-nos e não nos dando disso conta, o novo livro está escrito: o da
vida do protagonista e da nossa mesma. E a “grande beleza” não existe. Vão
existindo pequenas grandes belezas sublimadas em momentos, que podem ir desde
um filme visto a partir de um sofá agarrado a quem se ama, até uma tarde de
Natal entre coros desgarrados e que surpreendem o transeunte, ou mesmo à
simples festa na cabeça de um patusco ladino que se sente perdido no mundo dos
humanos [e quem não se sente?].
Se
também estiverem mei@s perdid@s nesta quadra, coloquem as coisas em
perspectiva. Haverá mais quadras assim e logo logo virá Janeiro com a sua
eterna cabeça de Janus a ajudar-nos a contemplar o passado e o futuro.
Sorrentino
lembra que se não vive no futuro e que as derrotas ou vitórias passadas são
apenas isso: tempos idos. E se mesmo esta enésima lembrança – agora pela mão de
um realizador italiano – não nos impedir de errar, que assim seja. Erraremos
sempre, ainda que até ao fim dos tempos.
Hoje,
sempre e apenas hoje, somente com um quarto de olho voltado para o futuro.
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