Os Programas de Governo
são, normalmente, documentos mais ou menos vagos, o que em parte se compreende
tendo em conta a necessidade de ajustar o que se prevê ao que se encontra no
terreno em cada Ministério e à evolução da conjuntura económico-financeira tão
volátil nos nossos dias.
Especificamente quanto
ao que consta do Programa do XXI Governo Constitucional sobre a justiça penal,
saúdo a preocupação com as finalidades sancionatórias tal qual se acham
previstas no art. 40.º, n.º 1, do Código Penal e que já se retiram da CRP.
Assim, a ressocialização – sempre proposta e nunca imposta – encontra nas
“casas de saída” uma ideia já antiga e que, com honrosas excepções, nunca saiu
do papel e, quando tal sucedeu, tem sido mantida por associações privadas. É
uma indeclinável tarefa do Estado, assim como o desiderato de incrementar a
rede de actividades produtivas dentro dos estabelecimentos prisionais, em
ligação com a comunidade.
Por outro lado, o
Governo prepara-se, se bem lemos o Programa, para ressuscitar a mediação penal,
o que exige uma mudança profunda da Lei n.º 21/2007, de 12/6, no essencial
ligando-a à suspensão provisória do processo e não à desistência de queixa, ao
acompanhamento efectivo do acordo de mediação pelo MP e à revogação de uma
norma que a todos nos envergonha: a de que o/a ofendido/a tenha de apresentar
uma nova queixa(?) em situações de inadimplemento do acordo, em violação de
questões técnicas básicas e, sobretudo, provocando uma incompreensível
vitimação secundária. Cuidados se exigem em não privatizar a justiça penal e em
manter os chamados “meios alternativos de resolução de litígios” em estritos
limites, uma vez que o “ius puniendi” estatal é a melhor garantia de uma
justiça penal efectivamente mais justa e não ao dispor de quem tem mais
capacidades económicas para negociar a sua liberdade.
Positiva é ainda a
necessidade detectada (o que não é novo) de estudar algumas penas de
substituição como a prisão por dias livres e o regime de semidetenção e,
acrescentamos nós, de incrementar o seu catálogo, sempre dentro de limites que
tornem a prevenção geral e especial uma realidade e não uma utopia. Aliás, já defendemos
que se foi longe demais ao permitir, em 2007, que o limite máximo da medida
concreta da pena a substituir se elevasse de três para cinco anos, o que
sucedeu, no essencial por razões de poupança do Estado. Do mesmo passo, o
elevado número de penas privativas de liberdade cumpridas pela não liquidação
da multa exige, mesmo após todas as faculdades (porventura exageradas) de
cumprimento desta última, que se lhe possa aplicar a obrigação de permanência
na habitação. Também encaramos como vantajosa que esta pena de substituição se
possa alargar para medidas até três anos, com a faculdade de o condenado sair
para trabalhar ou estudar, em termos mais claros e gerais do que hoje já
existe.
O combate à violência
doméstica passa por uma abordagem holística, que deve perceber que o Direito
Penal não pode ser uma “prima ratio” do sistema e que, sobretudo, para além da
prevenção, tem de se enfocar não só na vítima, mas também no ofendido. A
“espiral de violência” só pode ser cortada se não proscrevermos este último elemento
da relação delitual, o que exige uma parceria com instituições que, no terreno,
já intervêm com agressores de violência doméstica ou sexuais. A rede
institucional, sobretudo as casas de abrigo, reclama uma maior atenção, pois é no
mínimo desumano que mulheres (são elas as principais vítimas deste tipo de
crime, como é infelizmente sabido) tenham de ser retiradas de perto dos
agressores e colocadas em pensões de duvidosa fama, muitas vezes com os seus
filhos menores.
O Programa para a área
da justiça penal – e bem – não é exagerado em tudo mudar. Fazê-lo seria meio
caminho andado para tudo ficar na mesma. Mas gostaria de ver referência a uma
eventual limitação da fase de instrução, já defendida por alguns autores, a medidas
mais concretas em sede de prova pericial (motivo de grande delonga processual)
ou a uma explicitação do que são os “incentivos à produtividade” dos
magistrados, pois, se mal arquitectados, podem bulir com fundamentos do Estado
de Direito. O que não significa – note-se – que ponha de lado, “in limine”,
outras formas de avaliação do desempenho para além das já existentes
inspecções.
Uma incógnita grande é
saber o que será, de facto, o “conselho de concertação para o sistema
judicial”, defendendo, como outros, que deveria existir um único Conselho para
a Justiça, presidido pelo Chefe de Estado e com representação de todos os
“operadores judiciários” e do Parlamento que, para além de outras funções,
definiria as principais linhas estratégicas do sector, em concertação
permanente, evitando que a Justiça seja uma “arma política de arremesso” e
dando ao sistema algo de que ele necessita e que não tem tido: estabilidade e
tempo para implementar e avaliar reformas em catadupa, amiúde contraditórias, e
que hoje fazem do processo civil, especialmente, um labirinto inexpugnável.
Uma Ministra que não inicie
funções com a ânsia de deixar o seu nome apenas no “Diário da República” e sem
reais mudanças no terreno já seria uma boa notícia para todos nós. Os sucessos
desta nova equipa (como sempre) serão os de todos os cidadãos, pois a Justiça
tem sido, porventura, das áreas em que Portugal menos tem evoluído nestes pouco
mais de quarenta anos de Democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.