terça-feira, 10 de abril de 2018

Podíamos partilhar um giro

Ainda não liguei a Internet na casa nova, nem desliguei na casa de Houston, logo escrevo-vos do Starbucks. Bem sei que é um desperdício de dinheiro, mas ter de telefonar à AT&T e ter de aturar aquele pessoal também não me traz grande ganho, nem me poupa dinheiro. Este acesso condicionado leva-me a escrever posts na minha cabeça que nunca publico. E são bastante giros, mas somem-se no éter...

Foi o que aconteceu hoje de manhã enquanto caminhava pela minha vizinhança -- foi o meu primeiro passeio porque tem estado um bocado de frio. Apetecia-me ter-vos comigo para vos mostrar as coisas insignificantes de que gosto -- gosto é um bocado fraco porque são mesmo as minhas pequenas obsessões, como o musgo que teima em crescer nos relvados em que domina a sombra: traz-me uma alegria suprema. E os cornizos em flor, os dogwoods? Oh, eu chego a chorar de tão feliz que fico de os ver.

Depois há todas as pequenas coisas que me acontecem e pelas quais sinto uma imensa gratidão. Tenho imensas saudades de Houston porque foi a primeira cidade nos EUA em que fiz amigos portugueses, em especial dois que me acolheram nas suas famílias. E deixar tudo isso para trás doeu-me imenso, mas temos de ir onde as oportunidades nos levam e foi assim que acabei novamente em Memphis.

Não me ocorreu nunca que, ao chegar cá, pudesse tão rapidamente fazer uma nova amizade com alguém que fala português, mas uma colega do trabalho é brasileira e ela, que está cá por alguns meses, tem sido uma dádiva divina, especialmente nesta altura. É uma rapariga muito simpática, que me diz que eu falo um português muito bonitinho. Ela acha giro que eu diga "giro" porque para ela um giro é uma volta, mas eu ensinei-lhe que giro pode ser uma coisa agradável e, para mim, tudo pode ser giro, então é capaz de ser uma das palavras que mais uso: um restaurante giro, um dia giro, olha que árvore tão gira, e estás toda gira! E é tão giro, tão giro, que ela já treinou o marido que está no Brasil a dizer "giro"!

O meu emprego novo é bastante interessante o que, vindo de mim, que me perco pelas coisas mais imbecis, como musgo, criação de sapos, os melhores jardins da vizinhança, palavras giras, alfarrabistas marados, árvores engraçadas, etc., é capaz de não ser um grande elogio, mas há uma coisa muito gira neste emprego: trabalho com o mercado de algodão e tanto o meu avô paterno, como a minha mãe, trabalharam na indústria têxtil e de alguma forma sinto-me mais próxima de Portugal e da minha família, como se estivesse a continuar uma tradição.

E tem uma outra vantagem: o nome de Portugal aparece frequentemente no meu trabalho e o português é tão importante que os boletins informativos da empresa são enviadas em inglês, espanhol, e português. Não esqueço que também tenho o privilégio de falar com pessoas que falam português. No outro dia perguntei à minha colega se queria partilhar um Uber Eats e ela achou imensa piada à forma como falei. É bom podermos partilhar a mesma língua.

Ah! Fotos da vizinhança nova -- de notar que a folhagem ainda não está no seu auge, mas os cornizos estão gloriosos este ano...

P.S. Os cornizos são as árvores que têm umas flores brancas, que parecem flocos de neve suspensos no ar; or arbustos com flores brancas e rosa são azáleas. Memphis está cheia de azáleas, cornizos, e cerejeiras ornamentais; na primavera, a cidade enche-se de flores.


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