sexta-feira, 8 de março de 2019

Profundamente triste




Ontem, uma amiga minha mudou o perfil do Facebook para declaração de luto por causa da violência contra as mulheres. Fiquei triste porque pensei nas muitas mulheres que, durante o nosso luto, estavariam a ser vítimas de violência e pensei em como as falhávamos. Escrevi sobre a minha tristeza no mural da minha amiga há 22 horas, e que partilho convosco em cima.

Quando cheguei ao trabalho, notei que havia comida na nossa sala onde fazemos as reuniões de "town hall," mas nem liguei muito. Apensas fiz nota mental de ir lá ver o que se tratava e, se a comida fosse boa, levava qualquer coisa. Cheguei à minha secretária e mencionei que havia comida na sala e o meu chefe disse que devia ir à reunião. Ele também.

A nossa companhia, que tem mais de 150 mil empregados espalhados por mais de 50 países, decidiu celebrar o Dia Internacional da Mulher na véspera do mesmo -- por isso a comida. Na sala havia uma videoconferência com um painel de quatro mulheres que fazem parte da direcção da companhia. Falavam de como progredir na carreira, conversar com os colegas, de arriscarmos mais, de sermos mais ambiciosas.

Os conselhos eram dirigidos a nós, mulheres, mas achei que muitos se aplicavam também aos homens. Falou-se no síndrome do impostor, aquela vózinha que nos assalta frequentemente e que nos diz que não somos competentes e um dia destes alguém irá descobrir o quão aquém do ideal estamos. Uma das intervenções finais foi de uma mulher, que era mãe, esposa e executiva e que dizia que tentava ser o melhor que podia porque não queria que a filha tivesse de esperar até 2030 para ter paridade no local de trabalho -- paridade em 2030 é um dos objectivos. Emocionou-me ouvi-la falar e ela também se emocionou, até porque a filha estava na audiência.

Comi demais, mas é tão difícil dizer não aos bagels e quiches da Panera Bread, ainda por cima havia fruta, o que dava uma certa legitimidade nutricional ao pecado da gula. Regressei à minha secretária e comecei a trabalhar. Algumas horas mais tarde fiz um intervalo e abri o Facebook no meu telefone. A minha amiga tinha partilhado um post acerca da décima-primeira vítima de violência doméstica em Portugal. Fiz uma busca no Google para ler as notícias e encontrei uma história que já falava na décima-segunda vítima.

Durante a tarde, durante outro intervalo, vi que o João Pires da Cruz partilhou uma notícia ainda em actualização do Observador: deu à costa a cabeça de uma mulher em Leça da Palmeira. Sinto um misto de tristeza, nojo, revolta... Como é possível? Três mulheres encontradas mortas na semana do Dia Internacional da Mulher num país governado por uma Geringonça de Esquerda que se diz pró-mulher?

Ainda me custa acreditar. No Observador, a página principal fala de pensões de reformas; no Público a notícia principal é sobre a RTP e tem uma foto de futebol. O Expresso tem a notícia de que seis comarcas vão ter Gabinete de atendimento para lidar com violência doméstica -- será que devemos pensar que valeu a pena a morte destas três mulheres? É que antes, a única coisa programada era luto e aulas de maquilhagem.

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