domingo, 21 de julho de 2019

Discriminação de sardinhas e outros

Há uns anos, uma amiga portuguesa ofereceu-me algumas sardinhas da Bordallo Pinheiro. Tenho o guitarrista e a fadista, que são vendidos em conjunto, e o marco de correio e o postal, que são individuais. Calhou no outro dia ir ao Target (é uma loja tipo Continente, mas não vende tantos produtos frescos) e na secção de saldos encontrei um peixe de cerâmica branco decorado com desenhos a azul, que me recordou de Portugal, e que serve para decorar a borda dos vasos de plantas (tem uma cavidade na parte de baixo para ser montado no vaso). Como também tinha um burado na parte de baixo pensei imediatamente que podia pendurar na parece ao lado das minhas sardinhas e foi o que fiz.

O peixe do Target não tinha etiqueta, mas suspeito que foi feito na China e, enquanto uma sardinha da Bordallo Pinheiro custa $35, o meu peixito chinês, que eu decidi elevar a sardinhita, nem chegou a $3 (o preço original era menos de $5) e é produzido em massa. Pensei logo que, se um português a sério (eu já sou mais para o rafeiro) visse o meu arranjo de sardinhas ia-me dizer que não tinha jeito nenhum, era um insulto meter a sardinhita chinesa no meio de tão elevada companhia, mas a meu ver não se pode discriminar sardinhas logo para mim parece muito bem.

Tirei uma foto, meti no Instagram, e partilhei o post no Facebook. Para minha surpresa, ninguém ligou nenhuma à minha sardinhita chinesa, mas perguntaram-me na brincadeira porque é que as sardinhas pretas estavam em cima das brancas. Ora, não há sardinhas pretas na minha colecção, o guitarrista tem um fato preto porque é essa a indumentária tradicional do fado. E a fadista também está vestida em tons escuros. Podiam-me dizer que o meu arranjo era sexista porque o guitarrista está em cima e a fadista em baixo, só que a fadista está mais próxima de mim quando eu olho para as sardinhas, o que também é verdade quando eu vejo uma actuação de fado. E o marco de correio e o postal a mesma coisa--quando eu meto o postal no marco do correio, o marco está mais distante. Ah, e eu só tenho 1,53 cm de altura.

Tudo isto é demasiado complicado para os outros (aliás penso que esta lógica maluca explica as minhas más notas na universidade em Portugal porque ninguém liga ao que eu ligo), logo o meu comentário resposta foi que no hemisfério sul, as sardinhas brancas estavam em cima. Depois, enquanto pensava neste episódio, lembrei-me da fadista Mariza (já vi actuar duas vezes nos EUA), que é filha de pais de raças diferentes, mas que tem um tom de pele tão claro que suspeito ter mais ascendência branca do que africana e voltei a lembrar-me a questão das quotas em Portugal.

Para os efeitos das quotas, o que é uma pessoa de raça negra, por exemplo? Que percentagem mínima é necessária para ser considerada negra e como é que prova que tem o requisito mínimo? Vão obrigar a fazer teste de ADN ou as autoridades portuguesas vão rever todos os dados dos antepassados de cada um para incluir essa informação na base de dados? Ou só se consideram os africanos puros? Se se aceitam os chamados mestiços, como garantir que quem fica muito escuro no Verão não se faz passar por africano?

O meu pai, que tem cabelo encaracolado e fica muito bronzeado quando anda ao sol, teve uma vez uma discussão com um inglês quando trabalhava nos campos de petróleo na Argélia. O inglês achava que ele não era branco porque era muito escuro, o meu pai dizia que era branco. A solução foi o meu pai mostrar o rabo porque era o único sítio que não estava bronzeado.


A minha colecção multicultural de sardinhas


O Julian, que é um europeu negro, a fazer pandã com as sardinhas

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