quarta-feira, 18 de março de 2020

Um Modelo Necessário

Começo a escrever isto às quatro horas da manhã e, daqui a mais quatro, tenho a minha reunião de risco semanal. Infelizmente, estou com insónia porque ando a inventar modelos para lidar com o coronavirus. Ora, como eu não tenho os dados, vou-vos dar o modelo que eu gostaria de ver construído.

É um modelo que calcula a probabilidade de alguém estar infectado dadas certas características. São capazes de reconhecer que isto é um modelo de variável dependente limitada, pois esta toma o valor de 0 ou 1 para indicar se o resultado do teste do virus para certo individuo é negativo ou não. É mesmo isso que vocês estão a pensar: uma variável binomial.

Dados necessários:
  • Uma base de dados com as caracteríticas dos indivíduos que fizeram o teste e o respectivo resultado
Variável dependente:
  • Resultado do teste, que pode ser definido como 0 para negativo e 1 para positivo
Variáveis independentes ou explicativas:
  • Idade da pessoa
  • Sexo
  • Fumador ou não
  • Conjunto de variáveis indicativas dos sintomas, como temperatura da pessoa, presença de tosse, dificuldade em respirar, etc.
  • Conjunto de variáveis com condições pré-existentes, como diabetes, doença cardiovascular, pressão arterial alta, doenças do aparelho respiratório, cancro, etc.
  • Outras variáveis que os médicos achem pertinentes
Como estimar:
  • Estes modelos podem ser estimados através de regressão logística ou Probit
Resultado do modelo:
  • A probabilidade de alguém com certas características ter um teste positivo
Como usar:

O ideal seria ter um sistema informático em que quem atende o telefone do SNS 24 (ou outros profissionais de saúde que atendam pacientes) enfia os dados das variáveis independentes no sistema e o sistema calcula se a pessoa deve ser submetida ao teste, se a probabilidade for acima de um certo limite.

Outra maneira menos precisa seria fazer o ranking dos factores que contribuem para a pessoa estar infectada e decidir com base na presença desses factores no indivíduo, por exemplo, alguém que exiba os cinco factores mais importantes deve ser testado.

Um outro uso para um modelo deste tipo seria fazer triagem do pessoal médico que se quer a lidar com pacientes do coronavírus. Basta seleccionar médicos, enfermeiros, etc., que tenham as características que contribuem menos para o risco de infecção.

Se alguém conseguisse construír isto em menos de quatro dias, salvaria a vida a muita gente. Vá lá, uma semana já era muito bom. Como diz o LA-C, estamos em guerra contra o coronavírus.

Vou tentar dormir para continuar a minha guerra contra o vírus porque tenho uma doença auto-imunitária que aumenta o meu risco.

5 comentários:

  1. As "variaveis independentes ou explicativas":
    1) "idade"
    2) "fumador" e
    3) "condicoes pre-existentes"

    Nao sao validas para um calculo de probabilidade de infeccao. Sao marcadores de risco em relacao aos impactos que a infeccao tera no individuo.

    Quanto a variavel "sexo" (genero seria mais apropriado e cientificamente correcto) existem diferencas na prevalencia registada e verdade mas
    a) nao sei se sao significativas, suspeito que nao e
    b) se significativas necessitariam de mais investigacao porque correlacao nao implica causalidade e nao ha "a priori" mecanismos biologicos crediveis que substanciem nexo de causalidade.

    A verdade e que numa populacao que nunca foi exposta ao virus, "immunologically naive", com a excepcao de alguns individuos outliers estatisticos em termos de sistema imunologico e que nao e possivel detectar dentro de todo o ruido estatistco existente, nao existem grupos naturalmente menos susceptiveis, o que existem sao comportamentos ou actividades (profissionais, lazer etc que se no final de contas se traduzem em comportamentos) que mitigam ou potenciam a probablidade de infeccao.
    Uma ferramenta deste tipo pode ser e sem duvida ja esta a ser desenvolvida por epidemiologistas mas nao trara grandes vantagens na identificacao de casos de infeccao "mais suspeitos" que outros.
    O essencial e ter capacidade laboratorial para poder testar rapidamente volumes elevados de pacientes.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O risco é medido por uma probabilidade. A variável sexo é pertinente porque na China há diferenças entre os sexos. Mas note-se que isto é mais um exercício de exploração e controle de correlações do que algo que estabeleça causalidade. O que me interessa mesmo era isolar a decisão de se fazer ou não teste. Como está a acontecer, é preciso a autorização de alguém e nem deixam que esse alguém seja o médico que observa o paciente. Parece-me que estão a tentar poupar dinheiro nos testes. Se for um algoritmo a decidir, se houver testes a mais culpa-se o algoritmo.

      Eliminar
    2. O problema nao e uma ausencia de algoritmos de decisao. Esses estao bem estabelecidos e muito antes da Rita ter insonias com o assunto vertente, alias, a bem da verdade, a criacao de um algoritmo e ate certo ponto uma ficcao anacronica e muito pouco util porque a decisao de testar quem e quando depende tambem da situacao epidemiologica no pais - ou seja dependente de uma analise de risco muitissimo mais dinamica do que aquilo que um modelo monolitico pode oferecer.

      O verdadeiro problema aqui e a falta de capacidade de provisionamento de testes, e a falta de provisionamento de servicos de cuidado intensivo nos sistemas de saude. E isto sao problemas que nao se resolvem a re-inventar a polvora algoritmica.

      Quanto a culpas, se quer enveredar por ai: experimente pensar nos efeitos de decadas de austeridade e "responsabilidade fiscal" tiveram nos sistemas publicos de provisao de saude - caso mais agudo, Italia - e na boa merda que os sistemas privados de saude se tem revelado nesta crise - caso mais agudo, EUA.

      Quanto a Portugal, por enquanto e apesar de tudo, ate nem se tem portado nada mal no meio desta porcaria.

      Deixe la das tretas dos algoritmos em paz, va mas e lavando as maos e fique em casa - deixe os epidemiologistas e profissionais de saude, ou seja, os verdadeiros especialistas trabalhar e nao atrapalhe.

      Eliminar
  2. Eu também votaria no grande aumento das capacidades existentes para testar rapidamente um elevado número de pessoas, sobretudo as que estão mais expostas, com contactos sociais. E, quando detectados os positivos, dever-se-ia promover de imediato o seu isolamento, em casa primeiro, nos hospitais se necessário.

    ResponderEliminar
  3. Seria importante porque a suspeita de infeção aumenta a probabilidade de infeção.
    Acho que economicamente mais importante seria o cálculo de infeção não diagnosticada. Chegará uma altura em que o mais importante é descobrir se estou imune. Talvez um modelo que calcule o número de infetados com base no número de testes e rádio de resultados positivos?

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.