segunda-feira, 6 de abril de 2020

Contas por alto

A minha colega de blogue Mafalda partilhou no outro dia no Facebook uma colecção de dados muito interessante, que eu desconhecia: os dados do SICO, Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, onde podemos ver o número diário de certificados de óbito. Até recentemente, o sistema também incluía as previsões de mortalidade para os dias seguintes, mas já não há uma actualização desde 17 de Fevereiro, o que não deixa de ser estranho dado que atravessamos uma pandemia, logo deveria haver mais transparência na vigilância da mortalidade.

Como ando curiosa acerca da fidedignidade dos números oficiais de mortes por Covid-19 em Portugal, decidi comparar os óbitos de 2020 com os dados históricos desde 2009. Nota-se que há três períodos distintos:
  1. até 3 de Fevereiro o número de óbitos em 2020 esteve próximo da média histórica,
  2. 4 de Fevereiro a 8 de Março foi um período em que se está abaixo da média, e
  3. desde 9 de Março, entrámos num período em que há desvios crescentes acima da média de óbitos.
Portugal encontrou o primeiro caso de coronavírus em 2 de Março e a primeira morte foi anunciada a 16 de Março. Se observarmos o gráfico de óbitos em 2020, sobreposto à média diária histórica, e à amplitude histórica do número de óbitos, notamos que, depois de 16 de Março, o número de óbitos começa a crescer e a desviar-se da amplitude histórica. Quer dizer que, desde 24 de Março a 3 de Abril, o ano de 2020 teve máximos em 8 dias e, nos restantes três dias, foi o segundo ano desde 2009 com mais óbitos.

Note-se também que, no gráfico, é evidente que à medida que saímos do Inverno e entramos num período de temperaturas mais amenas, há menos óbitos diariamente (média desce) e há menos variância no número de óbitos diários (a amplitude que decresce de Janeiro para Abril), o que confirma a nossa suspeita de que 2020 está a tornar-se anormal, pois não está a convergir para este padrão.

Fiz também uns cálculos por alto para tentar contabilizar o actual desvio da história. Dividi o ano até agora em dois períodos: de 1 de Janeiro a 8 de Março e de 9 de Março a 3 de Abril. Calculei os totais anuais de óbitos para cada período e a média histórica anual de 2009 a 2019. No primeiro período, 2020 foi 3% abaixo da média de óbitos de 2009 a 2019; depois de 9 de Março até 3 de Abril, o número de óbitos em 2020 cresce para 9% acima da média.

Passar de 97% da média para 109% significa um excesso de 941 óbitos que ocorreram desde 9 de Março a 3 de Abril, o que é quatro vezes o número oficial de mortos devido a Covid-19. (Obviamente que fui generosa com 2020, pois se tivesse usado 4 de Fevereiro a 8 de Março como o período base dos meus cálculos, a minha diferença seria mais marcada e teria um excesso de óbitos acima de 1000.)


É claro que tudo isto é apenas uma suspeita, mas não deixa de merecer que alguém investigue porque é que 2020 se tornou um ano mais anormal do que os dados oficiais indicam.


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